terça-feira, 20 de maio de 2008

As Tradições e os Novos Conhecimentos

As Tradições e os Novos Conhecimentos

Apesar de ao longo da história encontrarmos vários exemplos de negação dos novos conhecimentos e, até, perseguições a quem se dedicou à nobre causa de aprofundar saberes que conduziram a avanços e benefícios para toda a humanidade, neste início do século XXI já não se encontra justificação para práticas em que o conhecimento científico demonstrou a existência de erros e inadequação de procedimentos, mesmo que para tal se invoque o argumento da tradição. Uma coisa é a constatação de que numa determinada época eram praticados certos usos e costumes. Outra coisa é persistir na defesa de erros posteriormente detectados pela evolução do conhecimento.
A dinâmica havida nos tempos mais recentes de relevar determinados aspectos da nossa história e das tradições, com particular incidência no património artístico, cultural, gastronómico, literário, etc, tem-se expressado num leque alargado de iniciativas, de que a criação de confrarias são um exemplo.Assumindo-se as confrarias como elemento relevante da causa a que se dedicam, importa que as posições que tomam sejam baseadas em estudos de elevado nível, incorporando os conhecimentos que a evolução do tempo possibilita, para que se saiba cada vez mais dessa causa, dos seus fundamentos e das correcções que importa introduzir para a melhorar.
A defesa dos valores tradicionais não pode assentar na continuação de processos actualmente considerados incorrectos mas que, por ignorância, no passado eram correntes.No entanto, continuamos a ver ser defendida a continuidade de valores considerados tradicionais mas que os novos conhecimentos tal não aconselham. Muitos exemplos podem ser dados. Na gastronomia, não se pode continuar a defender que o pão cozido em fornos de lenha é mais sadio que o pão cozido em fornos eléctricos pois tal não é verdade, já que a atmosfera de cozedura dos fornos de lenha contém cinzas e fumos que se incorporam no pão (com o actual conhecimento da medicina as cinzas são um potencial agente cancerígeno). O que se pode dizer é que tem um sabor diferente, pois além dos sabores da farinha, dos ovos, do fermento, da água, etc…, acrescenta-se o sabor das cinzas e dos fumos. Não se pode continuar a defender a utilização de barros e faianças (ou outros materiais porosos como a madeira - ex. colheres de pau) na confecção e suporte de alimentos, já que a porosidade e a composição de alguns vidrados nessas cerâmicas as torna desaconselháveis (ainda há barros que utilizam vidrados de chumbo o que os torna tóxicos). Também aqui o que se pode dizer é que têm um sabor diferente (o sabor do chumbo até é agradável. Mas é um veneno!), sendo preciso ter em conta que a decomposição dos alimentos nos poros do barro, da faiança e da madeira pode provocar desarranjos gastrointestinais (o conhecimento técnico-científico permite que hoje disponhamos de suportes de grés, porcelana e aço inoxidável sem os inconvenientes citados). Não se pode continuar a defender que os produtos orgânicos não sejam conservados em condições que impeçam a sua decomposição, nem a concessão de regimes de excepção para processos de fabrico e “utensilagem” que não cumpram as normas de higiene e segurança alimentar. Não é por acaso que o movimento de defesa dos consumidores tem vindo a ser cada vez mais exigente na defesa das condições necessárias para a boa conservação dos alimentos, não se podendo reivindicar que a ASAE (Alta de Segurança Alimentar e Económica) não cumpra a exigência da observância dos requisitos que assegure aos consumidores os padrões de higiene e segurança alimentar que o conhecimento possibilita.A exigência da defesa e promoção das tradições não pode passar pela persistência na ignorância de conhecimentos actuais, ainda que, no passado, o conhecimento então existente fazia com que tais usos e costumes fossem observados naturalmente. Podemos continuar a observar esses usos e costumes mas é necessário não só não esconder as consequências de tais práticas, como, necessariamente, informar e divulgar os conhecimentos que se vão obtendo.A defesa das tradições tem de ser feita com a demonstração dos saberes, passados e actuais.
Outubro de 2006

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