Exmas. Senhoras Deputadas e Senhores Deputados da Assembleia da República
Uma grande parte da minha vida tem sido
dedicada ao voluntariado, nomeadamente da área da pobreza e exclusão social.
Tendo em conta os múltiplos casos que tenho vivenciado, deixo à consideração de
V. Exas. o abaixo exposto. Sou reformado, fui empresário e, entre outras
coisas, fui professor do ensino superior e avaliador externo do Ministério da
Educação e do Ministério da Segurança Social. Para evitar conotações com
subjectividades e de meras opiniões pessoais, baseio-me em notícias extraídas
de órgãos de comunicação social, de fontes oficiais e de intervenções públicas
de pessoas de mérito reconhecido. Termino
com propostas que reputo de necessárias e urgentes que deverão ser
consideradas na discussão do OGE 2018 em curso na Assembleia da República.
1 - Pobreza é a privação das condições necessárias para termos
acesso a uma vida digna (REAP – Rede Europeia Anti-Pobreza).
2 - (…) antes e depois da política há,
no país dos incêndios, uma solidão de pobres, os pobres que estão, os pobres
que ficam, os pobres que ficam como estão. Expresso 9/9/2017 – Pedro Guerreiro.
3 - As
desigualdades entre pobres e ricos acentuam-se por todo o mundo. Portugal não é
exceção. E ter um salário pode não ser significado de ter o mínimo para viver
com dignidade. Entre nós, 22% dos que vivem abaixo do limiar da pobreza, têm
emprego. (Comunidade da Serra do Pilar – 12/02/2017).
4 – (…) Rui Fidalgo, recepcionista de um hotel de
quatro estrelas: “ perguntei à directora do hotel quanto me ficaria depois dos
descontos, e ela respondeu: entre 490 e 500 euros.(…). Expresso 03/11/2017.
Há licenciados no turismo a
receber 2,5 euros à hora. (Público 15/12/2016).
5 – “Em Portugal, um milhão de pessoas vive com menos de 250 euros todos os
meses. E dois milhões vivem com menos de 420 euros, o que equivale a um quinto
da população. (Notícias ao minuto– 30/11/2016). 30% dos trabalhadores portugueses ganham menos de 600
euros mensais e 80% dos pensionistas recebem menos do que o salário mínimo
nacional. (DN 07/02/2017).
6 - Limiar da pobreza em
Portugal está subestimado. Estudo mostra qual o rendimento mínimo necessário para que se possa viver
em Portugal com dignidade. Valores são superiores aos calculados como limiar da
pobreza. Um indivíduo em idade activa a viver
sozinho deveria ganhar, por mês, 783 euros para ter um nível de vida digno e um
casal com um filho menor deveria auferir cerca de 1.800 euros, revela um estudo
hoje apresentado. As conclusões são do estudo “Rendimento Adequado em Portugal
(RAP) – Quanto é necessário para uma pessoa viver com dignidade em Portugal?”,
que resulta de uma parceria entre várias universidades, entre as quais a de
Lisboa e a Católica, e a REAP, e que demonstra que o limiar da pobreza em
Portugal está subestimado. Os valores de rendimento estimados neste
estudo para que cada um dos agregados familiares viva com dignidade são
superiores aos 422 euros mensais definidos em 2014 como limiar da pobreza ou
aos 439 euros de 2017 ( 60% da mediana do rendimento por adulto
equivalente de cada país). (Lusa – 04/07/2017).
7 - Os pobres não beneficiaram da alegada
reposição de rendimentos pois como não os tinham, ou eram míseros, não tiveram
a reposição do complemento extraordinário de solidariedade, do desagravamento
do IRS e descongelamento de carreiras. Também não beneficiaram da descida do
IVA de 23 para 11% na restauração pois não vão a restaurantes. Mas foram
afectados pelo agravamento do IVA na electricidade e noutros bens essenciais,
pelo agravamento do custo dos transportes públicos, pelo agravamento das taxas
moderadoras na saúde (consultas e medicamentos), pela redução dos apoios
sociais (RSI e subsídios pontuais), pelo agravamento das rendas, pela
diminuição das esmolas fruto da contenção que a classe média se auto-impôs.
Olhemos para as empregadas de limpeza, lixeiros, carteiros/carteiras,
pescadores, trabalhadores dos escalões mais baixos das actividades produtivas,
etc… . A pobreza não pode ser suporte da escravatura moderna. (Intervenção
pública - Outono 2017).
8 - Há mais 1300 milionários em Portugal do que há um
ano – (JN 22/11/2016).
Atualmente, Portugal tem
mais de 54 mil milionários e três pessoas com mais de mil milhões de euros.
(Lusa Nov 2016).
9 – A proposta de
Orçamento Geral do Estado para 2018 contempla pagamentos de cerca de
1500 milhões (1498 milhões) de euros nas parceiras-público privadas
rodoviárias, à semelhança do que vem acontecendo nos anos transactos. A
avaliação do Eurostat é de que a renda adequada para um património desta
dimensão é de cerca de 400 milhões/ano. (Grazia Tanta 04/11/2017). No mesmo OGE
2018, a revisão dos escalões de IRS vai ter um impacto de 230 milhões de euros,
enquanto a actualização extraordinária das pensões será apenas de 154 milhões
de euros (Expresso – 11/11/2017)
10 - Um terço dos portugueses não tem dinheiro para
ter uma vida digna –(JN– 24/11/2016).
11 - Mais de metade dos
consumidores portugueses (51%) afirmam que não paga as faturas dentro do prazo
por falta de dinheiro, segundo um estudo divulgado esta quinta-feira. (JN– 24/11/2016).
12
- Aumentou o número de famílias sobreendividadas a recorrer à DECO. Em 2017 a Deco recebeu pedidos de ajuda de 26.080 famílias
sobreendividadas até 25 de outubro, mais do que nos anos anteriores. (JN
31/10/2017).
13 - 583.000 famílias não conseguiam
pagar os seus débitos aos bancos no final de 2016. (JN 03/03/2017).
14 - Há professores do ensino básico e secundário que
são contratados há mais de 20 anos seguidos, mas como os seus contratos são
feitos de forma a não terem uma duração de 12 meses ininterruptos, obriga-os a
recorrerem todos os anos ao subsídio de desemprego, apesar de poderem vir a ser
novamente contratados algum tempo depois, na mesma ou noutra escola. Tal
situação leva a que a sua remuneração seja sempre a mais baixa da carreira, sem
diuturnidades nem progressão na carreira, auferindo baixos rendimentos
(professores com dezenas de anos de docência auferem o mesmo valor que
professores em início de carreira) e, quando no desemprego, o valor da
prestação do subsídio é muito baixo. Além de que, todos os anos têm de
concorrer às escolas onde há vagas no seu grupo de recrutamento, podendo ser
colocados em escolas a centenas de quilómetros da sua residência com as
implicações familiares inerentes e sendo a maior parte da sua remuneração
consumida com as despesas de transporte, restando-lhes um rendimento abaixo do
limiar de pobreza. Os professores nesta situação continuam a ficar de fora dos
critérios que o Ministério da Educação divulgou para vincular alguns professores.
(Vários órgãos de comunicação social )
15 - O malparado superava os 16 mil
milhões de euros. 115 mil fiadores foram chamados a pagar dívidas
de terceiros. (JN 03/03/2017).
16 - Em
2016 fisco bate recorde e efetua quatro milhões de penhoras. Autoridade
Tributária registou no ano passado uma subida de 55% das execuções em relação a
2015. (CM – 09/07/2017).
17
- O Estado concedeu em 2016 mais de 4.000 milhões de euros em subvenções
públicas a empresas e instituições. (Conta Geral do Estado).
18 –Excertos da Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial dos
Pobres - 19 Novembro de 2017
(…)
Não pensemos nos pobres
apenas como destinatários duma boa obra de voluntariado, que se pratica uma vez
por semana, ou, menos ainda, de gestos improvisados de boa vontade para pôr a
consciência em paz. Estas experiências, embora válidas e úteis a fim de
sensibilizar para as necessidades de tantos irmãos e para as injustiças que
frequentemente são a sua causa, deveriam abrir a um verdadeiro encontro com
os pobres e dar lugar a uma partilha que se torne estilo de
vida. (…).
Portanto somos
chamados a estender a mão aos pobres, a encontrá-los, fixá-los nos olhos,
abraçá-los, para lhes fazer sentir o calor do amor que rompe o círculo da
solidão. A sua mão estendida para nós é também um convite a sairmos das nossas
certezas e comodidades e a reconhecermos o valor que a pobreza encerra em si
mesma.(…).
Conhecemos a grande dificuldade que há,
no mundo contemporâneo, de poder identificar claramente a pobreza. E todavia
esta interpela-nos todos os dias com os seus inúmeros rostos marcados pelo
sofrimento, pela marginalização, pela opressão, pela violência, pelas torturas
e a prisão, pela guerra, pela privação da liberdade e da dignidade, pela
ignorância e pelo analfabetismo, pela emergência sanitária e pela falta de
trabalho, pelo tráfico de pessoas e pela escravidão, pelo exílio e a miséria,
pela migração forçada. A pobreza tem o rosto de mulheres, homens e crianças
explorados para vis interesses, espezinhados pelas lógicas perversas do poder e
do dinheiro. Como é impiedoso e nunca completo o elenco que se é constrangido a
elaborar à vista da pobreza, fruto da injustiça social, da miséria moral, da
avidez de poucos e da indiferença generalizada!
Infelizmente, nos nossos dias, enquanto
sobressai cada vez mais a riqueza descarada que se acumula nas mãos de poucos
privilegiados, frequentemente acompanhada pela ilegalidade e a exploração
ofensiva da dignidade humana, causa escândalo a extensão da pobreza a grandes
sectores da sociedade no mundo inteiro. Perante este cenário, não se pode
permanecer inerte e, menos ainda, resignado. À pobreza que inibe o espírito de
iniciativa de tantos jovens, impedindo-os de encontrar um trabalho, à pobreza
que anestesia o sentido de responsabilidade, induzindo a preferir a abdicação e
a busca de favoritismos, à pobreza que envenena os poços da participação e
restringe os espaços do profissionalismo, humilhando assim o mérito de quem
trabalha e produz: a tudo isso é preciso responder com uma nova visão da vida e
da sociedade.(…).
Convido a Igreja
inteira e os homens e mulheres de boa vontade a fixar o olhar, neste dia, em
todos aqueles que estendem as suas mãos invocando ajuda e pedindo a nossa
solidariedade.(…).
Ao mesmo tempo, o
convite é dirigido a todos, independentemente da sua pertença religiosa, para
que se abram à partilha com os pobres em todas as formas de solidariedade, como
sinal concreto de fraternidade.
19 – “(…) Os
miseráveis ficam sempre melhor dentro das páginas de um romance ou num retrato
estético do sofrimento.
Há miseráveis a mais
nas nossas ruas.
Nas ruas de Londres,
Paris, Madrid, Bruxelas…Lisboa. Os miseráveis são normalmente, para alívio da
consciência, tratados com romantismo kitsch. (…)
Não existe uma solução
óptima para a nova vaga de miseráveis e nómadas com sacos de plástico. A
caridade não resolve tudo, e as pessoas passam numa indiferença mais gelada do
que a temperatura de inverno. Esta gente tornou-se invisível. E muito pouco romântica.
Não pedincham porque ninguém lhes atira a moeda que reserva para os músicos do
metro. No pires das moedas jazem moedas negras. De vez em quando, numa noite
fria, um transeunte baixa-se e pergunta a um destes miseráveis se está bem. As
organizações de samaritanos, religiosas e laicas, dão-lhes cobertores e
alimentos. O resto das pessoas levanta o pé e segue em frente. Desde quando é
possível a achar isto normal? Seguir em frente? Tornar invisível uma parte da
humanidade? (…)
A desigualdade
aumentou tanto nos últimos tempos que se tornou um monstro que nos abocanha a
todos. Somos monstruosos. (Clara Ferreira Alves – Expresso- 18/02/2017).
20 – Bruxelas avisa que emprego
criado em Portugal é mal pago e pouco qualificado (JN-13/11/2017)
I Daniel Blake (filme estreado
em 2016) – Ken Loach realizador
Aos
80 anos Ken Loach continua socialmente zangado e solidário com os deserdados.
– Como é que eu poderia não ter toda esta
raiva contra a humilhação?
(JN
– 05/12/2016). (Expresso 02/12/2016)
Não
deixe que a pobreza se transforme em paisagem
Ai dos pobres! Há sempre
uma boa razão para
lhes dizer não.
Sofia de Melo Breyner Andresen
Proposta
de medidas políticas imediatas:
- As pessoas não devem poder ser
despejadas da sua habitação devido a carências económicas. A Segurança Social
deve constituir um fundo para pagamento das rendas não pagas.
- Deve ser estabelecida uma capitação
mínima de sobrevivência, nos serviços públicos essenciais, gratuita para todos
os cidadãos, financiada pelos consumos acima da capitação mínima.
- Os serviços públicos essenciais
(energia, água, saneamento, transportes públicos, comunicações) não podem ser
cortados, quando os consumos são abaixo da capitação mínima.
- O IVA dos serviços públicos
essenciais deve ser 0 até ao valor da capitação mínima.
- Deve ser alargado o cabaz de
alimentos com taxa de IVA reduzida.
- O Estado deve integrar os
trabalhadores precários que ano após ano são necessários para a sua acção
governativa (Exemplo: professores com dezenas de anos de docência, de duração
irregular, com contratos renovados anos a fio).
- Devem ser aumentados
significativamente os valores mais baixos dos salários e pensões.
-
Deve ser subido o limite inferior do escalão mais baixo do IRS.
- O combate ao desemprego e à
precariedade deve ter a máxima prioridade.
V,N,Gaia, 14 de Novembro de 2017
Manuel Hipólito Almeida dos Santos
Rua General Humberto Delgado 151
4405-863 Vilar do Paraíso – Vila Nova
de Gaia