quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Reflexão sobre a pobreza e a exclusão social

Exmas. Senhoras Deputadas e Senhores Deputados da Assembleia da República

Uma grande parte da minha vida tem sido dedicada ao voluntariado, nomeadamente da área da pobreza e exclusão social. Tendo em conta os múltiplos casos que tenho vivenciado, deixo à consideração de V. Exas. o abaixo exposto. Sou reformado, fui empresário e, entre outras coisas, fui professor do ensino superior e avaliador externo do Ministério da Educação e do Ministério da Segurança Social. Para evitar conotações com subjectividades e de meras opiniões pessoais, baseio-me em notícias extraídas de órgãos de comunicação social, de fontes oficiais e de intervenções públicas de pessoas de mérito reconhecido. Termino  com propostas que reputo de necessárias e urgentes que deverão ser consideradas na discussão do OGE 2018 em curso na Assembleia da República.

1 - Pobreza é a privação das condições necessárias para termos acesso a uma vida digna (REAP – Rede Europeia Anti-Pobreza).

2 - (…) antes e depois da política há, no país dos incêndios, uma solidão de pobres, os pobres que estão, os pobres que ficam, os pobres que ficam como estão. Expresso 9/9/2017 – Pedro Guerreiro.

3 - As desigualdades entre pobres e ricos acentuam-se por todo o mundo. Portugal não é exceção. E ter um salário pode não ser significado de ter o mínimo para viver com dignidade. Entre nós, 22% dos que vivem abaixo do limiar da pobreza, têm emprego. (Comunidade da Serra do Pilar – 12/02/2017).

4 – (…) Rui Fidalgo, recepcionista de um hotel de quatro estrelas: “ perguntei à directora do hotel quanto me ficaria depois dos descontos, e ela respondeu: entre 490 e 500 euros.(…). Expresso 03/11/2017.
Há licenciados no turismo a receber 2,5 euros à hora. (Público 15/12/2016).

5 – “Em Portugal, um milhão de pessoas vive com menos de 250 euros todos os meses. E dois milhões vivem com menos de 420 euros, o que equivale a um quinto da população. (Notícias ao minuto– 30/11/2016). 30% dos trabalhadores portugueses ganham menos de 600 euros mensais e 80% dos pensionistas recebem menos do que o salário mínimo nacional. (DN 07/02/2017).

6 - Limiar da pobreza em Portugal está subestimado. Estudo mostra qual o rendimento mínimo necessário para que se possa viver em Portugal com dignidade. Valores são superiores aos calculados como limiar da pobreza. Um indivíduo em idade activa a viver sozinho deveria ganhar, por mês, 783 euros para ter um nível de vida digno e um casal com um filho menor deveria auferir cerca de 1.800 euros, revela um estudo hoje apresentado. As conclusões são do estudo “Rendimento Adequado em Portugal (RAP) – Quanto é necessário para uma pessoa viver com dignidade em Portugal?”, que resulta de uma parceria entre várias universidades, entre as quais a de Lisboa e a Católica, e a REAP, e que demonstra que o limiar da pobreza em Portugal está subestimado. Os valores de rendimento estimados neste estudo para que cada um dos agregados familiares viva com dignidade são superiores aos 422 euros mensais definidos em 2014 como limiar da pobreza ou aos 439 euros de 2017 ( 60% da mediana do rendimento por adulto equivalente de cada país). (Lusa – 04/07/2017).

7 - Os pobres não beneficiaram da alegada reposição de rendimentos pois como não os tinham, ou eram míseros, não tiveram a reposição do complemento extraordinário de solidariedade, do desagravamento do IRS e descongelamento de carreiras. Também não beneficiaram da descida do IVA de 23 para 11% na restauração pois não vão a restaurantes. Mas foram afectados pelo agravamento do IVA na electricidade e noutros bens essenciais, pelo agravamento do custo dos transportes públicos, pelo agravamento das taxas moderadoras na saúde (consultas e medicamentos), pela redução dos apoios sociais (RSI e subsídios pontuais), pelo agravamento das rendas, pela diminuição das esmolas fruto da contenção que a classe média se auto-impôs. Olhemos para as empregadas de limpeza, lixeiros, carteiros/carteiras, pescadores, trabalhadores dos escalões mais baixos das actividades produtivas, etc… . A pobreza não pode ser suporte da escravatura moderna. (Intervenção pública - Outono 2017). 
                                             
8 - Há mais 1300 milionários em Portugal do que há um ano – (JN 22/11/2016).  
Atualmente, Portugal tem mais de 54 mil milionários e três pessoas com mais de mil milhões de euros. (Lusa Nov 2016).

9 – A proposta de  Orçamento Geral do Estado para 2018 contempla pagamentos de cerca de 1500 milhões (1498 milhões) de euros nas parceiras-público privadas rodoviárias, à semelhança do que vem acontecendo nos anos transactos. A avaliação do Eurostat é de que a renda adequada para um património desta dimensão é de cerca de 400 milhões/ano. (Grazia Tanta 04/11/2017). No mesmo OGE 2018, a revisão dos escalões de IRS vai ter um impacto de 230 milhões de euros, enquanto a actualização extraordinária das pensões será apenas de 154 milhões de euros (Expresso – 11/11/2017) 

10 - Um terço dos portugueses não tem dinheiro para ter uma vida digna –(JN– 24/11/2016).

11 - Mais de metade dos consumidores portugueses (51%) afirmam que não paga as faturas dentro do prazo por falta de dinheiro, segundo um estudo divulgado esta quinta-feira. (JN– 24/11/2016).

12 - Aumentou o número de famílias sobreendividadas a recorrer à DECO. Em 2017 a Deco recebeu pedidos de ajuda de 26.080 famílias sobreendividadas até 25 de outubro, mais do que nos anos anteriores.  (JN 31/10/2017).

13 - 583.000 famílias não conseguiam pagar os seus débitos aos bancos no final de 2016. (JN 03/03/2017).

14 - Há professores  do ensino básico e secundário que são contratados há mais de 20 anos seguidos, mas como os seus contratos são feitos de forma a não terem uma duração de 12 meses ininterruptos, obriga-os a recorrerem todos os anos ao subsídio de desemprego, apesar de poderem vir a ser novamente contratados algum tempo depois, na mesma ou noutra escola. Tal situação leva a que a sua remuneração seja sempre a mais baixa da carreira, sem diuturnidades nem progressão na carreira, auferindo baixos rendimentos (professores com dezenas de anos de docência auferem o mesmo valor que professores em início de carreira) e, quando no desemprego, o valor da prestação do subsídio é muito baixo. Além de que, todos os anos têm de concorrer às escolas onde há vagas no seu grupo de recrutamento, podendo ser colocados em escolas a centenas de quilómetros da sua residência com as implicações familiares inerentes e sendo a maior parte da sua remuneração consumida com as despesas de transporte, restando-lhes um rendimento abaixo do limiar de pobreza. Os professores nesta situação continuam a ficar de fora dos critérios que o Ministério da Educação divulgou para vincular alguns professores. (Vários órgãos de comunicação social )

15 - O malparado superava os 16 mil milhões de euros. 115 mil fiadores foram chamados a pagar dívidas de terceiros. (JN 03/03/2017).

16 - Em 2016 fisco bate recorde e efetua quatro milhões de penhoras. Autoridade Tributária registou no ano passado uma subida de 55% das execuções em relação a 2015. (CM – 09/07/2017).

17 - O Estado concedeu em 2016 mais de 4.000 milhões de euros em subvenções públicas a empresas e instituições. (Conta Geral do Estado).

18 –Excertos da Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial dos Pobres - 19 Novembro de 2017
(…)
Não pensemos nos pobres apenas como destinatários duma boa obra de voluntariado, que se pratica uma vez por semana, ou, menos ainda, de gestos improvisados de boa vontade para pôr a consciência em paz. Estas experiências, embora válidas e úteis a fim de sensibilizar para as necessidades de tantos irmãos e para as injustiças que frequentemente são a sua causa, deveriam abrir a um verdadeiro encontro com os pobres e dar lugar a uma partilha que se torne estilo de vida. (…).
Portanto somos chamados a estender a mão aos pobres, a encontrá-los, fixá-los nos olhos, abraçá-los, para lhes fazer sentir o calor do amor que rompe o círculo da solidão. A sua mão estendida para nós é também um convite a sairmos das nossas certezas e comodidades e a reconhecermos o valor que a pobreza encerra em si mesma.(…).
Conhecemos a grande dificuldade que há, no mundo contemporâneo, de poder identificar claramente a pobreza. E todavia esta interpela-nos todos os dias com os seus inúmeros rostos marcados pelo sofrimento, pela marginalização, pela opressão, pela violência, pelas torturas e a prisão, pela guerra, pela privação da liberdade e da dignidade, pela ignorância e pelo analfabetismo, pela emergência sanitária e pela falta de trabalho, pelo tráfico de pessoas e pela escravidão, pelo exílio e a miséria, pela migração forçada. A pobreza tem o rosto de mulheres, homens e crianças explorados para vis interesses, espezinhados pelas lógicas perversas do poder e do dinheiro. Como é impiedoso e nunca completo o elenco que se é constrangido a elaborar à vista da pobreza, fruto da injustiça social, da miséria moral, da avidez de poucos e da indiferença generalizada!
Infelizmente, nos nossos dias, enquanto sobressai cada vez mais a riqueza descarada que se acumula nas mãos de poucos privilegiados, frequentemente acompanhada pela ilegalidade e a exploração ofensiva da dignidade humana, causa escândalo a extensão da pobreza a grandes sectores da sociedade no mundo inteiro. Perante este cenário, não se pode permanecer inerte e, menos ainda, resignado. À pobreza que inibe o espírito de iniciativa de tantos jovens, impedindo-os de encontrar um trabalho, à pobreza que anestesia o sentido de responsabilidade, induzindo a preferir a abdicação e a busca de favoritismos, à pobreza que envenena os poços da participação e restringe os espaços do profissionalismo, humilhando assim o mérito de quem trabalha e produz: a tudo isso é preciso responder com uma nova visão da vida e da sociedade.(…).
Convido a Igreja inteira e os homens e mulheres de boa vontade a fixar o olhar, neste dia, em todos aqueles que estendem as suas mãos invocando ajuda e pedindo a nossa solidariedade.(…).
Ao mesmo tempo, o convite é dirigido a todos, independentemente da sua pertença religiosa, para que se abram à partilha com os pobres em todas as formas de solidariedade, como sinal concreto de fraternidade.

19 – “(…) Os miseráveis ficam sempre melhor dentro das páginas de um romance ou num retrato estético do sofrimento.
Há miseráveis a mais nas nossas ruas.
Nas ruas de Londres, Paris, Madrid, Bruxelas…Lisboa. Os miseráveis são normalmente, para alívio da consciência, tratados com romantismo kitsch. (…)
Não existe uma solução óptima para a nova vaga de miseráveis e nómadas com sacos de plástico. A caridade não resolve tudo, e as pessoas passam numa indiferença mais gelada do que a temperatura de inverno. Esta gente tornou-se invisível. E muito pouco romântica. Não pedincham porque ninguém lhes atira a moeda que reserva para os músicos do metro. No pires das moedas jazem moedas negras. De vez em quando, numa noite fria, um transeunte baixa-se e pergunta a um destes miseráveis se está bem. As organizações de samaritanos, religiosas e laicas, dão-lhes cobertores e alimentos. O resto das pessoas levanta o pé e segue em frente. Desde quando é possível a achar isto normal? Seguir em frente? Tornar invisível uma parte da humanidade? (…)
A desigualdade aumentou tanto nos últimos tempos que se tornou um monstro que nos abocanha a todos. Somos monstruosos. (Clara Ferreira Alves – Expresso- 18/02/2017).

20 – Bruxelas avisa que emprego criado em Portugal é mal pago e pouco qualificado (JN-13/11/2017)

I Daniel Blake (filme estreado em 2016) – Ken Loach realizador
Aos 80 anos Ken Loach continua socialmente zangado e solidário com os deserdados.
 – Como é que eu poderia não ter toda esta raiva contra a humilhação?
(JN – 05/12/2016). (Expresso 02/12/2016)


Não deixe que a pobreza se transforme em paisagem

  

Ai dos pobres! Há sempre uma boa razão para lhes dizer não.
 Sofia de Melo Breyner Andresen



Proposta de medidas políticas imediatas:

- As pessoas não devem poder ser despejadas da sua habitação devido a carências económicas. A Segurança Social deve constituir um fundo para pagamento das rendas não pagas.

- Deve ser estabelecida uma capitação mínima de sobrevivência, nos serviços públicos essenciais, gratuita para todos os cidadãos, financiada pelos consumos acima da capitação mínima.

- Os serviços públicos essenciais (energia, água, saneamento, transportes públicos, comunicações) não podem ser cortados, quando os consumos são abaixo da capitação mínima. 

- O IVA dos serviços públicos essenciais deve ser 0 até ao valor da capitação mínima.

- Deve ser alargado o cabaz de alimentos com taxa de IVA reduzida.

- O Estado deve integrar os trabalhadores precários que ano após ano são necessários para a sua acção governativa (Exemplo: professores com dezenas de anos de docência, de duração irregular, com contratos renovados anos a fio). 

- Devem ser aumentados significativamente os valores mais baixos dos salários e pensões.

- Deve ser subido o limite inferior do escalão mais baixo do IRS.

- O combate ao desemprego e à precariedade deve ter a máxima prioridade.


V,N,Gaia, 14 de Novembro de 2017

Manuel Hipólito Almeida dos Santos
Rua General Humberto Delgado 151
4405-863 Vilar do Paraíso – Vila Nova de Gaia


quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Meu querido genro Fernando Martins

Meu querido genro Fernando Martins
Estamos hoje aqui consigo para lhe mostrar o quanto o admiramos, e o quão grato lhe estamos por nos ter mostrado como se pode ser um bom pai, um bom marido, um bom filho, um bom professor, um bom genro, um bom amigo e um bom cidadão. Estamos nós aqui, nesta cerimónia que quisemos ser íntima, mas estão aqui, em espírito, muitos mais que consigo conviveram, o admiraram e que só não estão fisicamente porque me disseram respeitar este nosso desejo de privacidade.
A sua passagem por este mundo deixou marcas que passarão a ser fontes para que nós tentemo-nos aproximar dos seus bons exemplos.
Tudo aquilo que o seu legado cívico e humano nos deixa, foi fruto de muitos sacrifícios, sofrimentos e generosidade em que assentou o comportamento do Fernando.
A sua capacidade de suportar esses sacrifícios e sofrimentos, que se tornaram bem visíveis nos últimos anos da sua vida, são prova da dedicação que deu mostras em não regatear esforços em prol da sua família, dos seus amigos e da sua profissão.
Fernando
Há um compromisso que quero assumir, aqui, perante si. Farei tudo o que estiver ao meu alcance, no pouco tempo que me resta de vida, para que aqueles a quem mais se dedicou continuem a sentir a sua presença como no passado.
O seu filho Tiago, a sua esposa Alexandra, a sua mãe Helena, a sua sogra Lurdes, os outros membros da família, os seus amigos, os seus colegas, os seus alunos, vão continuar a tê-lo presente como esteve até agora. Não tenho a menor dúvida sobre isto.
Digo muitas vezes, e muitas pessoas sabem disso, que, além de muitas outras qualidades, as minhas duas filhas mostraram uma muito importante.  Souberam escolher os melhores genros do mundo com que me presentearam. Estou-lhes grato e vou continuar a retribuir esta gratidão. No evangelho segundo S. Lucas é dito: “Aqueles que cumprem todas as normas e regulamentos e nada mais fazem são servos inúteis”. O Fernando foi um servo muito útil pois fez muito mais do que apenas cumprir normas e regulamentos. O estar esta cerimónia a decorrer no Dia de Todos ao Santos é uma divina coincidência. O Fernando, por tudo quanto passou na vida foi um santo, um santo mártir.
Luís de Camões, no canto I dos Lusíadas exalta as pessoas que deixam marcas neste mundo, que se aplicam a si, Fernando: “… E aqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando, cantando espalharei por toda a parte se a tanto me ajudar o engenho e arte”. É isto que me vou empenhar a fazer cultivando a memória do Fernando.
Também o escritor Antoine Saint Exupery constatou: “Aqueles que partem de nós não vão sós. Deixam algo de si. Levam algo de nós”. O muito que nos deixou de si, Fernando, vai fazer com que o seu espírito continue presente em nós.
Meu querido genro Fernando: A minha gratidão por tudo quanto me deu. Encontrar-nos-emos no Oriente Eterno.    

01/11/2017