“A Sociedade para uma Utopia Económica e
Social”
O tema “A
Sociedade para uma Utopia Económica e Social”, é de particular relevância e
actualidade no momento histórico que atravessamos. Tal importância tem vindo a
ser despoletada por vários ensaístas e filósofos, preocupados com o retrocesso
humanista que as relações económicas e sociais têm vindo a sofrer, desde finais
do século passado, começando a tornar utópica a Declaração Universal dos
Direitos Humanos e os Pactos dela derivados, nomeadamente, para o tema deste
artigo, o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais.
Aquilo que a comunidade das nações, reunida sob a égide da Organização das
Nações Unidas, quis tornar real há algumas dezenas de anos, está, agora, a ser
considerado como uma irrealista utopia económica e social.
Ainda, recentemente, o Prof. António Rial Sanchez, da
Universidade de Santiago de Compostela disse, em artigo publicado na revista [1]
“Dirigir e Formar”, que “A sociedade
foi, é e será sempre evolutiva e, em cada momento histórico, é necessário repensar a partir do presente, sem
esquecer nem deixar de ter em conta o passado para poder construir o futuro.
Acreditamos em algumas das premonições, como as que Aldous Huxley escreveu em
1931 no livro Admirável Mundo Novo, relativamente ao facto de as tecnologias
poderem vir a condicionar as nossas vidas e melhorá-las, mas também sobre o
prenúncio de que podem dar origem a uma sociedade de «castas», que é o que tem
de ser evitado. É certo que Aldous o matiza, dizendo que isso apenas irá
ocorrer se a sociedade, ou parte dela, mantiver o modo de pensar, que surgiu de
correntes psicológicas clássicas imobilistas. Penso que hoje em dia a maioria
dos cidadãos considera estas abordagens ultrapassadas, mas todos sabemos que
«ainda resta alguma coisa» desses pensamentos e, se não estivermos atentos,
podem voltar a rejuvenescer velhas perversões, embora prefira deixar este
último ponto, apesar de o entender deste modo, à interpretação do leitor e à
sua maneira de pensar.
O antídoto
para isso é aspirar a ter uma sociedade que, em primeiro lugar, não se esqueça
dos princípios humanistas. O ser humano reage tarde ou é facilmente enganado perante
qualquer genialidade, quer seja tecnológica ou abstrata, como o podem ser,
atualmente, conceitos manipulados num mundo de pós-verdades, como «o mercado »,
os «fundos abutres» ou outras genialidades, para as quais não faltam atores, em
todas as classes sociais, trazendo, como consequência, decisões que favorecem
uns para escravizar outros. Para lutar contra isto, a sociedade actual, e a que
se aproxima, possuem recursos materiais, ferramentas e capital humano para
reajustar os elementos essenciais, a formação, o trabalho digno, a investigação
e a inovação, que têm de preconizar novas fórmulas e preparar-nos para uma nova sociedade, que está a
surgir.
Encontramo-nos
no limiar de um novo paradigma, cunhado por Klaus Schwab[2] como
Quarta Revolução Industrial. É uma revolução «coperniciana» no que diz respeito
aos outros mas com uma voracidade incalculável quanto às alterações que
provoca, deixando muito pouca margem para erros quanto aos seus efeitos. Esta
revolução é fruto da evolução tecnológica, gerada, em parte, pelas anteriores
revoluções industriais, com o apoio da investigação, verdadeiro motor de
mudanças e de efeitos que, até ao momento, eram pouco previsíveis e,
atualmente, fazem, inclusive, com que existam tecnologias que estão
ultrapassadas antes de serem colocadas em funcionamento. Aponta, e, de facto,
assim está a acontecer, para alterações sustentadas na robótica, na
inteligência artificial, na nanotecnologia, na biotecnologia, na computação
quântica, na Internet das coisas, na impressão 3D, que dão lugar a uma segunda
ou terceira era do maquinismo, que as torna inteligentes e com uma ampla margem
de autonomia. Um reflexo anedótico desta revolução pode ser «um agricultor a
tomar o pequeno-almoço no terraço enquanto o seu trator está a arar, a preparar
e a semear o seu terreno».
O cenário é
um mundo globalizado onde o trabalho é o meio para satisfazer as necessidades
das pessoas. Atualmente, estas necessidades só são compreensíveis a partir do
conceito do «trabalho digno», termo que a OIT cunhou e utiliza, principalmente
desde o início deste século, para tentar alcançar este objetivo, mobilizando as
envolventes do trabalho, procurando apoio e criando ferramentas, como a
implementação da educação, da saúde, da
igualdade de oportunidades, a eliminação da exclusão, a democratização, a
personalização dos serviços e, de um modo geral em relação à formação, o
aumento e generalização da formação básica
e a continuidade da formação
contínua... e, em relação ao trabalho, a «concretização desse trabalho digno (decente), tanto para o homem
como para a mulher, remunerado em condições de liberdade, segurança e dignidade
humana», lançando um desafio aos «políticos» para que deixem de tratar o
emprego como um tema residual e coloquem o trabalho digno no centro da política.”
A invocação de Aldous Huxley e o seu
“Admirável Mundo Novo” é oportuna e merecedora da reflexão. A reedição deste
livro pela “Antígona” em 2013 (a primeira publicação data de 1932, tendo sido
escrito em 1931), refere, na dobra da capa, a apreciação do autor, pouco antes
da sua morte em 1963, de que o livro[3] “…é
uma parábola fantástica sobre a desumanização dos seres humanos. Na utopia
negativa descrita no livro, o Homem foi subjugado pelas suas invenções.
A ciência, a tecnologia, e a organização
social deixaram de estar ao serviço do Homem; tornaram-se os seus amos. Desde a
publicação deste livro, o mundo rumou a passos tão largos na direcção errada,
que, se eu escrevesse hoje a mesma obra, a acção não distanciaria seiscentos
anos do presente, mas somente duzentos. O preço da liberdade, e até da simples
humanidade, é a vigilância eterna.”
Se Aldous Huxley fosse vivo, hoje diria que
a parábola que escreveu, prevista para a sociedade do ano de 2540, está a
concretizar-se na actualidade. Isto mostra a velocidade a que estão a acontecer
as mudanças sociais, antecipando, no tempo, visões de futuros, ainda
recentemente, parecendo longínquos.
Sobre os novos tempos que se avizinham,
retomemos o Prof. António Rial Sanchez, quando constata: “Estamos a iniciar a
Revolução 4.0, que representa uma mudança exponencial em relação ao que a
Terceira Revolução Industrial nos concedeu, dado que aproveita a totalidade da
sociedade do conhecimento.
A OIT faz
uma retrospetiva dos seus 100 anos e uma previsão dos novos cenários que se
presume irão exigir novas formas de trabalhar e as medidas que têm de ser
adotadas para mitigar os seus efeitos no «trabalho digno».
Estes novos
desafios vêm juntar-se aos já existentes e ameaçam agravá-los (OIT 2018). Até
2030 é preciso criar 344 milhões de empregos, além dos 190 milhões de empregos que
são necessários para pôr fim ao desemprego atual, ou seja, um total de 534
milhões de novos empregos.
Outros
problemas que os Estados têm de solucionar de imediato em muitos países é o
acesso aos meios digitais. Apenas 53,6% dos lares têm acesso à Internet. Nos
países emergentes, a percentagem é de apenas 15%. É necessário corrigir muitos desajustes
e abusos que estão a ocorrer. (…)
Estabelecer
uma Garantia Laboral Universal que proporcione uma base de proteção social para
todos os trabalhadores, designadamente direitos fundamentais dos trabalhadores,
organização e limite do tempo de trabalho, apesar de ser um feito alcançado na
Segunda Revolução Industrial tem permanecido esquecido. Assegurar a representação
coletiva dos trabalhadores e empregadores através do diálogo social, promovido
através de políticas públicas. Potenciar e gerir a tecnologia a favor do
trabalho digno e adotar uma abordagem da inteligência artificial baseada no
controlo humano. Aumentar o investimento no trabalho digno e sustentável. Criar
incentivos para promover investimentos em áreas-chave para o trabalho digno e sustentável.
Rever as estruturas de incentivos às empresas a favor de abordagens de
investimento de mais longo prazo na economia real e explorar indicadores
adicionais de desenvolvimento humano e bem-estar.”
Tendo as
previsões e propostas da OIT sido elaboradas no ano passado, já olhamos para
elas como utópicas e ultrapassadas pela realidade vigente. Basta atentar na
situação, dos professores contratados em Portugal, que, mesmo com mais de 20
anos consecutivos de serviço, em múltiplas escolas e com horários frequentemente
incompletos, continuam precários, com o salário de início de carreira, violando
o princípio, comparativamente com os professores efectivos, de para trabalho
igual, salário igual.
Desde há
alguns anos tenho vindo a reflectir e a escrever sobre o desfasamento entre o
consignado nos grandes referenciais políticos económicos e sociais (utopias?) e
a evolução da realidade, constatando que não é cómodo, para mim, viver
com muitas das facetas que hoje caracterizam o mundo. Atualizando o que tenho
dito, nos mais de 70 anos que levo de vida, sinto que se assiste a uma dinâmica
de retrocesso naquilo que de mais importante existe nas relações entre pessoas:
uma cultura humanista de liberdade, de tolerância, de fraternidade e de paz.
Há
um retrocesso numa cultura de liberdade já que as formas de intimidação e
repressão são cada vez mais assustadoras, impondo às pessoas uma postura de
medo e cobardia inibidoras duma vivência em liberdade. Quem se assume
livremente quando a necessidade de ganhar dinheiro obriga à aceitação de
salários e condições de precariedade próximas dos regimes de escravatura? Quem
se assume livre perante a vigilância a que se é sujeito nas mais variadas
formas e pelas mais diversas entidades?
Há
um retrocesso numa cultura de tolerância já que se assiste a uma não aceitação
do outro com a sua identidade que deve ser respeitada. Veja-se o que se passa
com a dificuldade da integração dos jovens em que a escola e a entrada no mundo
do trabalho são cada vez mais obstáculos de monta, não reconhecendo às crianças
e aos jovens que são portadores de grandes valias a quem os adultos devem abrir
portas e não criar problemas acrescidos.
Há
um retrocesso numa cultura de fraternidade com exemplos bem patentes no
vergonhoso desastre humanitário dos refugiados e no fosso escandaloso entre
pobres e ricos, provocando situações de marginalidade e exclusão social
indignas duma sociedade humana. Isto potencia a criminalidade social o que leva
à destruição da estrutura familiar e às prisões (instituições medievais
impróprias duma sociedade do século XXI).
Há
um retrocesso numa cultura de paz já que se há característica bem marcante dos
dias de hoje é a agressividade entre as pessoas, entre as instituições e entre
os Estados. São cada vez mais os desajustamentos familiares com os divórcios
consequentes (processos dolorosos nomeadamente quando os filhos inocentes são
os que mais sofrem), são cada vez mais os processos judiciais com as penhoras e
execuções sempre lamentáveis, são cada vez mais insultuosas as trocas de “piropos”
entre os partidos políticos (que deviam ser a fonte do exemplo), existindo
espalhadas pelo mundo guerras e conflitos entre Estados e organizações que
provocam vítimas e ódios difíceis de esquecer (Afeganistão; Iraque; Síria, Congo;
País Basco/Catalunha; Palestina; etc…). Há um crescendo de formas de exercício
do poder político que se assumem autoritárias, prepotentes, nepotistas,
cleptocratas e fomentadoras do ódio e da discriminação (USA, Brasil, Filipinas,
Arábia Saudita, Itália, Rússia, Hungria, China, Líbia, Coreia do Norte, etc…).
Como
não me revejo neste estado do mundo só me resta deixar este testemunho às
minhas filhas, aos meus netos e a todos os jovens de que isto que se está
passar, e que os afecta gravemente, não tem o meu acordo. Não em meu nome!
Na construção
desta sociedade perversa, assustadoramente, assistimos neste início dum
novo século a novas e preocupantes facetas nas relações entre os cidadãos e
entre estes e a organização social, parecendo que se está a construir um novo
modelo ao arrepio daquilo que era apontado como os melhores suportes da
estrutura social.
Mas é
inquestionável que a solidez de todas as construções está intrinsecamente
ligada à boa resistência e harmonia dos seus pilares, nos quais se apoia a
malha envolvente que explicita a estética idealizada. Sem pilares sólidos toda
a construção é vulnerável, tornando-se efémera e de pouca confiança.
Assim, também,
se passa na construção das relações humanas que, para ser sólida e harmoniosa,
necessita de pilares consistentes e bem construídos, desempenhando papel mestre
os pilares da ética e da cidadania.
Para a sua
execução é imprescindível que todos os obreiros sejam exímios nos domínios do
bem, de que se destacam a verdade, a honra, a vergonha, o brio, a solidariedade
e a tolerância. Sem a observância destes domínios, a construção das relações
humanas não resistirá à mais pequena brisa.
A sua concepção
e manutenção têm de integrar a força, a beleza e a sabedoria, colunas mestras,
estas, sempre necessárias a toda a obra que aspira à perfeição. A força da
vontade, a beleza dos olhos nos olhos e a sabedoria do conhecimento certo.
A ética e a cidadania são pilares em que tem de assentar toda a construção das relações humanas, sendo obrigatório que a liberdade, a igualdade e a fraternidade, sejam o cimento que os solidifica. A liberdade do respeito pela diferença, sem imposições do lobby e da ditadura da maioria ou da sabotagem da minoria; a igualdade tal como ela é proclamada no artº 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”; a fraternidade da partilha, bem expressa no lema “Por pouco que se tenha deve chegar sempre para ajudar os outros”.
Todavia, outros materiais tentadores e, porventura, mais fáceis, são colocados à nossa disposição: a inveja, a vingança, a ingratidão, o egoísmo, a intolerância, a demagogia, a ambição desmedida, o ódio, etc..., são elementos que poderão edificar ilusoriamente uma construção faustosa mas que ruirá, mais tarde ou mais cedo, deixando a quem nela se abrigou o relento da frustração, se ainda não tiver sido bloqueado o domínio do seu livre pensamento.
A ética e a cidadania são pilares em que tem de assentar toda a construção das relações humanas, sendo obrigatório que a liberdade, a igualdade e a fraternidade, sejam o cimento que os solidifica. A liberdade do respeito pela diferença, sem imposições do lobby e da ditadura da maioria ou da sabotagem da minoria; a igualdade tal como ela é proclamada no artº 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”; a fraternidade da partilha, bem expressa no lema “Por pouco que se tenha deve chegar sempre para ajudar os outros”.
Todavia, outros materiais tentadores e, porventura, mais fáceis, são colocados à nossa disposição: a inveja, a vingança, a ingratidão, o egoísmo, a intolerância, a demagogia, a ambição desmedida, o ódio, etc..., são elementos que poderão edificar ilusoriamente uma construção faustosa mas que ruirá, mais tarde ou mais cedo, deixando a quem nela se abrigou o relento da frustração, se ainda não tiver sido bloqueado o domínio do seu livre pensamento.
E quando isto
acontece, quando a consciência fica obliterada, quando a escuridão ameaça tapar
a luz, meditemos no que disse o poeta e filósofo francês do século XVI, Etienne
de la Botie,[4]: “Dignos de dó são aqueles que vivem com a canga no pescoço. Devem ser
desculpados e perdoados, pois, nunca tendo visto sequer a sombra da liberdade e
ninguém nunca lha tendo mostrado, não sabem como é mau serem escravos. Há
países em que o sol aparece de modo diverso daquele a que estamos habituados:
depois de brilhar durante seis meses seguidos, deixa-os ficar mergulhados na
escuridão, nunca os visitando durante meio ano; se os que nasceram durante essa
longa noite nunca tivessem ouvido falar do dia, seria de espantar que eles se
habituassem à treva em que nasceram e nunca desejassem a luz?”
Etienne de la
Botie viveu numa época em que a escravatura era assumida como realidade social,
sendo os escravos uma mais valia a quem os seus “senhores” proporcionavam
condições de alojamento, saúde e alimentação para permitir disporem de mão de
obra para os trabalhos necessários. A escravatura moderna do século XXI
desonerou os “senhores” da necessidade de sustento dos seus escravos,
pagando-lhes, apenas, salários exíguos, em situações instáveis e de precariedade,
e os novos escravos que tratem dos meios para viverem. Há escravos a competirem
por condições de sobrevivência, em quantidade suficiente, que permitem o
funcionamento da economia sem grandes compromissos dos seus “senhores” e da
nova burguesia de serventuários medianamente remunerados.
Relativamente
à perda de controle que os seres humanos estão a ter na sua vida, o escritor
contemporâneo Amin Maalouf[5], em
entrevista ao jornal Público de 20/07/2019, declarou: “Estas tecnologias que
tanto nos dão no domínio do conhecimento e da comunicação, estão a fazer-nos
derrapar cada vez mais para o controlo por causa do medo. Um controlo que pode
tornar-se incontrolável: podemos ouvir tudo, o que toda a gente diz, escreveu,
para onde vai. Estamos num mundo em que as tecnologias colidem cada vez mais
com as liberdades e, ainda por cima, concordamos com isso.”….” Mas a dado
momento será preciso pensar num sistema que possa fazer ao conjunto da
população que é parte envolvida no progresso. Desde há 40 anos, temos tendência
a aceitar que alguns possam tornar-se muito ricos e os outros que se safem. É
um quadro perigoso. Em França tivemos um alerta com os coletes amarelos. Não
sei em que momento poderá degenerar. Sente-se um mal-estar e isso poderá
revelar-se explosivo.”
Este
mal estar é patente em todos aqueles que, ainda, resistem em pensar “fora da
caixa”, em terem pensamento próprio. O jornal de expressão anarquista “A
Batalha”[6]
conclama, na sua edição de Mai/Jun 2019, com um artigo “Abandonai os vossos cartazes” em que termina: “ (…) Não vai haver mudanças vindas de cima. Devemos parar de
pedir aos nossos governantes que façam o oposto dos seus interesses – devemos,
isso sim, vencer quem nos domina e os seus interesses. (…)
Chegamos
à destruição irreversível dos espaços poéticos.(…)”
Resta a questão: Como construir uma sociedade que integre uma
utopia económica e social? Vivemos tempos que apelam às utopias ou estamos
perante distopias? Como encarar o número cada vez maior de personalidades
relevantes, de vários quadrantes políticos, que assumem estarmos perante uma
distopia com uma dinâmica de opressão, assustadora e totalitária?
Como ligar este processo em curso com “O Processo” de Franz
Kafka, de há um século?
Desde há mais de dois séculos que os ideais de liberdade, igualdade
e fraternidade fizeram parte da utopia desejada, com solidez filosófica e
construção prática em crescendo. Tais valores começaram a ser questionados a
partir de finais do século passado, assistindo-se, hoje, a um recuo na sua
vivência, podendo-se constatar que as grandes causas estão a ser postas em
causa, de que a escravatura moderna é um exemplo. A Paz, a Liberdade, a
Justiça, a Dignidade, a Solidariedade, a Educação, A Moral, a Ética, o Amor, a
Fé, etc..., sendo pilares necessários à solidez das relações humanas, correm o
risco de se desagregarem, já que assistimos, com justificações em que se
encontra ausente a sensatez e a sabedoria, à tentativa da sua subalternização
por pseudovalores que se querem colocar acima do Homem, quando deveriam estar
ao serviço do Homem. Os direitos básicos de dignidade humana como a saúde, a
alimentação, a educação, a habitação, o trabalho digno, a justiça, o usufruto
de serviços públicos essenciais, etc…, estão em regressão, sendo substituídos
por bens sujeitos às leis do mercado, deixando de fora quem não dispõe de poder
económico para a eles aceder.
A manipulação através dos órgãos de comunicação social está a
atingir níveis tais como os que George Orwell descreveu no seu livro 1984 e nos
deixou em antevisão (escrito há 70 anos), já que os seres humanos têm cada vez
menos controle sobre as suas competências emocionais. Os grandes referenciais
de vivência da Humanidade, nomeadamente os construídos na segunda metade do
século XX, que incluem os da economia e da sociologia, estão-se a tornar-se
utopias cada vez mais distantes, parecendo que a sociedade está a desistir da
sua defesa e aprofundamento.
É urgente a construção duma nova ordem política, económica,
social e cultural.
Tempos difíceis se avizinham.
Manuel Hipólito Almeida dos Santos
Referências bibliográficas:
Botie, Etienne de la – “Discurso Sobre a
Servidão Voluntária”
Huxley, A. – “Admirável
Mundo Novo”- Ed. Antígona [2013]
Kafka, Franz – “O Processo”
Orwell, George – “1984”
Pimprenelle – jornal “A Batalha” [Mai/Jul 2019]
Rial Sanchez, A. - “O Futuro do Trabalho” - revista “Dirigir e Formar”, - [Jul/Set 2019]
Santos, M. Almeida dos – “Questões de Ética
e Cidadania” [2000]
Santos, M. Almeida dos – “ONG’s Passado e
Presente – Uma experiência pessoal” [2014]
Schwab, K., -
“Fórum Económico Mundial 2016”
.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.
RESUMO
A felicidade, enquanto utopia objectivamente indefinida, tem
sido uma desejada constante de referência na vida de todos os seres humanos.
Como todas as utopias, a sua construção permanente assenta numa multiplicidade
de factores, de que os económicos e sociais são parcela relevante, com uma
flutuação evolutiva inconstante de que a história nos dá o seu registo. Neste
início de século XXI estamos a assistir a uma regressão nos caminhos para a
utopia da felicidade, nomeadamente nos económicos e sociais, com uma
passividade espantosa daqueles que mais são atingidos.
[5] Maalouf, A., - “jornal
Público de 20/07/2019”
[6] Pimprenelle – jornal “A
Batalha” – Mai/Jul 2019