sexta-feira, 4 de novembro de 2016
Não insultem os pobres!
Parece que os pobres vão ser os culpados duma grave crise orçamental em Portugal. E tudo por causa do fabuloso aumento de 10 euros nas reformas mais baixas que os deputados (alguns a contragosto) se preparam para aprovar, apesar do nulo entusiasmo do governo.
É que este aumento vai desequilibrar as contas do Orçamento de Estado. Não vão ser os milhões para a CGD e restantes bancos, os milhões para as parcerias público-privadas, os milhões para repor os benefícios dos grandes salários e reformas, os milhões para as mordomias e as pensões vitalícias dos senhores governantes e classe política, etc… . Não! O que vai desequilibrar as contas são os 10 euros para os pobres!
Acham que 10 euros vai alterar a vida de angústia e sofrimento dos pobres? O que muda com mais 10 euros por mês? Só os aumentos que vão vir em janeiro (energia eléctrica, água, telecomunicações, etc…) vão levar muito mais que 10 euros.
Pois então fiquem lá com os 10 euros e dêem-nos aos ricos (gestores da CGD e doutras empresas públicas) para eles esgotarem as férias de fim de ano nos hotéis de luxo e nas viagens ao estrangeiro. Aos pobres, os 10 euros em nada vão alterar o seu miserável padrão de vida. Se fossem 100 euros, … .
Não insultem os pobres!
quinta-feira, 20 de outubro de 2016
Panorama da Realidade Prisional
IV Jornadas de Reflexão - A
prisão e as suas consequências – Como ajudar?
Panorama da Realidade Prisional
Há 10 anos a O.V.A.R. iniciou a realização de
Jornadas de Reflexão sobre o sistema prisional, encontrando-nos na sua 4ª
edição, em tempo de Jubileu da Misericórdia. Neste espaço de tempo muito se disse
sobre o sistema prisional, muitas declarações de intenções se ouviram de
responsáveis políticos e muitos trabalhos académicos foram publicados (em 2004
tinha sido divulgado o relatório da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do
Sistema Prisional, presidida pelo Prof. Freitas do Amaral). Em todas estas
intervenções ressaltou a evidência do fracasso do modelo em que está assente o
sistema prisional em Portugal, sustentando-se a ineficácia e a desumanidade que
o caracteriza. Passados estes dez anos o que encontramos de diferente
relativamente à realidade de então?
Temos maior população prisional, com o seguinte
quadro no final do 1º semestre deste ano: O total de reclusos era de 14.250 (a
lotação máxima é de 12.600), sendo 94% homens e 6% mulheres (os estrangeiros
são 15%), representando a faixa etária dos 30 aos 40 anos 30% do total (Havia
210 reclusos com idades entre os 16 e os 20 anos e 5% têm mais de 60 anos), com
16% do total de reclusos em prisão preventiva, estando 75% das penas entre os 3
anos e os 25 anos de prisão (Havia 312 reclusos com penas indeterminadas ou
medidas de segurança). O tipo de crimes estava distribuído entre: Contra as
pessoas (homicídios, ofensas à integridade física, etc.): 25%; Contra os
valores e interesses da vida em sociedade (incêndio, associação criminosa,
condução perigosa, etc.): 10%; Contra o património (roubo, furto, burla, etc.):
27%; Estupefacientes (tráfico, consumo, etc.): 19%; Contra o Estado
(desobediência, corrupção, etc.): 6%; Outros (fiscais, condução sem carta, etc.):
13%. Há menos trabalho nas prisões, apesar de mal pago, assemelhando-se à
escravatura. Piorou a alimentação (tendo-se alargado a privatização do
fornecimento das refeições nas prisões – o valor diário para alimentação, por
recluso, é de cerca de € 4,00 para as quatro refeições diárias fornecidas por
empresas com fins lucrativos). Continua a haver muitos reclusos sem
possibilidade de estudar, sendo que 58% têm o 6º ano ou menos de escolaridade.
Aumentaram as restrições ao fornecimento de bens aos reclusos (incluindo
alimentação). Houve uma degradação do apoio psicológico e de reinserção, com o
crescendo de recurso a psicólogos com vínculo precário e em número
manifestamente insuficiente. Continua a fragilidade do apoio judiciário. Houve
um reforço do securitarismo, apesar da insuficiência de recursos humanos nos
estabelecimentos prisionais. Persiste-se nas penas mais longas da União
Europeia (o tempo médio de cumprimento de pena em Portugal é o triplo da U.E.),
incluindo a prática de penas sucessivas e de medidas de segurança que leva à
permanência de reclusos nas prisões por períodos que ultrapassam os 25 anos. Continuou
a retenção indevida do dinheiro dos reclusos. Insiste-se na impossibilidade do
direito à própria defesa violando o direito internacional de que Portugal é
Estado-Parte; Etc, etc, etc… . Como aspeto positivo evidente assinale-se o desaparecimento
do balde higiénico, existência sintomática do medievalismo deste modelo de
sistema prisional.
Há cerca de dois anos escrevi um artigo,
reflectindo sobre esta matéria, de que respigo:
A consideração de
poder ser a liberdade um valor absoluto tem merecido, recentemente, dentro e
fora da Igreja Católica, reflexões que apontam neste sentido. Desde os Papas
Francisco e Bento XVI ao Pe. Tolentino Mendonça, com muitos outros pelo meio,
tem-se vindo a acentuar um crescendo na sua abordagem. E como poderemos alargar
a reflexão com a inclusão das prisões como instituições perigosas para a
afirmação deste valor? Certamente que esta discussão trará as objecções
semelhantes às verificadas quando se discutiu o direito à vida como valor
absoluto, mas a pena de morte já foi abolida na maioria dos países do mundo e o
próprio catecismo da Igreja Católica retirou a sua admissibilidade nos finais
do século passado. No I Congresso Ibérico da Pastoral Penitenciária a questão
da liberdade como valor absoluto esteve subjacente em muitas intervenções. Um
dos temas dos painéis foi “Um outro sistema penal é possível”. Não era uma
pergunta. Era uma afirmação! E esta afirmação comprometeu o congresso. Temos de
construir um outro sistema já que o actual é desumano, violento, injusto, não
cristão. Todos conhecemos a passagem dos evangelhos sobre a mulher adúltera e o
desafio de Jesus: "Quem de vós estiver sem pecado que atire a 1ª
pedra". Numa outra passagem dos evangelhos Jesus também nos diz que
devemos perdoar não 1,2,3,4,5,6,7 vezes mas sim 70 x 7. Temos de perdoar
sempre. Os ensinamentos de Jesus permitiram a construção de dois importantes
pilares do cristianismo: O perdão e a misericórdia. No Pai nosso dizemos:
Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. E
como disse D. Mário Toso na conferência de abertura do congresso “Não há
justiça verdadeira sem perdão”. Na audiência pública do passado dia 11 de
Setembro o Papa Francisco enfatizou que “julgar e condenar o irmão que peca é
errado, pois não estamos acima dele, mas temos o dever de recuperá-lo à
dignidade e acompanhá-lo no seu caminho”.
Assim sendo temos de ter a ousadia de abolir as
palavras castigos e penas com o reconhecimento da imperfeição do ser humano e
reconhecer a sua incapacidade para não cometer erros, independentemente da
consideração que nos merecem às vítimas dos atos anti-sociais e da reparação
dos danos que lhes foram provocados. Ninguém pode ser indiferente perante a
injustiça mas a lei penal sem compaixão não é uma lei justa. Os cristãos não
podem olhar para os presos como criminosos, nem os capelães e visitadores podem
ser passivos para com o clima repressivo nos estabelecimentos prisionais. Temos
de acrescentar mais pilares à justiça cristã, de que o exemplo da justiça
restaurativa é um importante suporte (O foco da justiça é o acto e a sua
reparação e não quem o comete). Temos de assentar na necessidade de afastamento
da vingança como factor de punição. Como disse D. António Francisco dos Santos,
na homilia da entrada na Sé do Porto em 6 de Abril de 2014: “Nos Evangelhos, os
discípulos de Jesus aparecem como homens fortes, corajosos, trabalhadores, mas
no seu íntimo sobressai uma grande ternura, que não é virtude dos fracos, antes
pelo contrário denota fortaleza de ânimo e capacidade de solicitude e de compaixão.
Não devemos ter medo da bondade". Também,
D. Joaquim Mendes, na I Peregrinação da Pastoral Penitenciária, disse “…é muito
importante ajudar a despertar a sociedade para a realidade das prisões. São
pessoas anónimas que estão privadas da liberdade, mas não da sua dignidade”. Neste sentido, temos
de promover a reconciliação e não a vingança. Condenar o pecado e não o
pecador. Afirmar a liberdade e não a reclusão. Promover a correcção e não o
castigo. Privilegiar a prevenção e não a repressão. O P. Valdir, da Pastoral
Carcerária do Brasil, numa intervenção
proferida no I Congresso Ibérico da Pastoral Penitenciária, exortou-nos: “temos de deixar de ser
coniventes com as prisões como instituições do pecado”. E D. António Marto
também nos disse que as prisões são factores de dessocialização e
desestruturação do ser humano. E, ainda, D. Ramon Calatrava demonstrou-nos que
as penas de privação da liberdade produziram mais danos do que os crimes
cometidos por aqueles que cumpriram essas penas. Muitas personalidades
relevantes têm, nos últimos anos, tomado posição sobre os múltiplos aspectos
negativos das prisões, tendo o filósofo Michel Foucault destacado, no seu livro
Vigiar e Punir, que nos últimos dois séculos o sistema de justiça tem mantido
características de desumanidade de forma permanente.
Então, uma outra visão torna-se necessária. Será que
teremos de continuar a pensar em penas e castigos? E porque não um código de
valores? E porque não começar com a reclamação ao poder político do nosso país
duma amnistia significativa que leve o perdão e a misericórdia às prisões? A
honra, a vergonha e o dever do exemplo são valores que devem ser exaltados.
Temos de ser honrados com os compromissos que assumimos. Temos de ter vergonha
de proclamar boas intenções sem as levar à prática. Temos de dar o exemplo.
Este sistema penal não tem obstado a que as prisões sejam instituições
violentas, opressoras e violadoras dos direitos humanos. Situações no interior
das prisões como tráfico de drogas e bens, homossexualidade forçada, violações,
roubos, chantagens sobre as famílias, autoritarismo, prepotência, penas longas
e injustas, etc…, têm necessariamente de provocar a alteração deste sistema
penal. Este sistema continua a ser autista perante a condenação reiterada pelas
Nações Unidas de que Portugal continua a negar aos seus cidadãos o direito à
auto-defesa, sendo os reclusos particularmente injustiçados com tal negação. As
prisões são cada vez mais instituições opacas de que um exemplo é o facto dos
relatórios anuais dos estabelecimentos prisionais terem deixado de serem
publicados desde 2010. O actual sistema de justiça é frio, desumano e
tecnocrático, menorizando e desconsiderando os reclusos, ignorando que na sua
frente estão pessoas e não autómatos. As insuficiências, arbitrariedades,
incompetência e desleixo das estruturas e pessoas que suportam o sistema, não
respeitando os direitos dos reclusos legalmente reconhecidos, têm de ser
corrigidas. A destruição das famílias provocada pelas prisões não pode
continuar. Algumas intervenções proferidas no congresso pareceram-me colocar
como necessária a modificação do recluso enquanto pessoa, o que me parece
desumano e não conforme com os direitos humanos universalmente consagrados. O
que me parece que temos de fazer é reconhecer a todos os seres humanos o
direito a que a sua personalidade seja defendida e respeitada, exortando-os e
possibilitando-lhes as condições para a não reincidência na prática de actos
anti-sociais mas não a sua modificação enquanto pessoa. Não foi isto que Jesus
Cristo fez com a mulher adúltera? Temos de nos empenhar na construção dum outro
sistema, humano, belo, solidário, fraterno, cristão. Temos de derrubar as
prisões como a última instituição medieval que subsiste neste início do século
XXI.
Na sua visita às Filipinas, o Papa Francisco mais uma
vez mostrou a necessidade da humanização dos tempos que vivemos. Emocionei-me
com o abraço que o Papa deu a uma menina filipina de 12 anos, Glyzelle Palomar,
que viveu na rua até ser recolhida por uma ONG. Na sua intervenção ela,
chorando compulsivamente, tinha perguntado a Francisco: “Há muitas crianças
abandonadas pelos próprios pais, muitas vítimas de muitas coisas terríveis como
as drogas e a prostituição. Porque é que Deus permite estas coisas, já que as
crianças não têm culpa? Porque vem tão pouca gente ajudar?”. O Papa deixou o discurso que trazia preparado
e improvisou: “Ela hoje fez a única pergunta que não tem resposta, e como
não lhe chegavam as palavras teve de fazê-la com as lágrimas. […] Quando nos perguntarem
porque sofrem as crianças (…) que a nossa resposta seja o silêncio e as
palavras que nascem das lágrimas. […] Ao mundo de hoje faz-lhe falta chorar,
choram os marginalizados, choram os que são deixados de lado, choram os
desprezados, mas aqueles que temos uma vida mais ou menos sem necessidade não
sabemos chorar. […] Certas realidades da vida só se vêem com os olhos lavados
pelas lágrimas”. Isto exige uma limpeza geral dos olhos, da mente, do coração,
das palavras e das acções”. Talvez seja preciso, como disse Francisco,
começar por “aprender a chorar!” A chorar pelo modo como tratamos seres humanos
nas prisões.
As prisões são instituições retrógradas, arcaicas,
medonhas, medievais e violentas. Não reinserem e são desumanas na punição.
Têm-se mostrado ineficazes na reincidência e na prevenção dos atos
anti-sociais. A população prisional tem crescido de forma constante em Portugal
e no Mundo, demonstrando a ineficácia deste sistema de justiça punitiva. As
estruturas de direitos humanos das Nações Unidas têm recomendado a substituição
da via punitiva pelas vias da reabilitação e justiça restaurativa. As prisões
constituem uma violenta agressão ao exercício da liberdade e à consideração
desta como valor absoluto. Quem defende a liberdade não pode admitir a
coexistência de prisões numa sociedade civilizada.
Esta situação continua a persistir já que se nota um
autismo da sociedade em geral, e do poder político em particular, perante as
denúncias, quer da própria Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais
(através dos seus relatórios de actividades), quer de algumas ONGs. Infelizmente, o trabalho destas ONGs não tem
levado a mudanças significativas, assistindo-se, inclusivamente, ao apagamento
dalgumas delas por inclusão no aparelho e funcionamento de Órgãos do Estado,
num colaboracionismo reprovável cujos resultados se traduzem na manutenção da
desumanidade do sistema prisional. Por outro lado, o passo positivo dado há já
muitos anos, de descriminalização do consumo de drogas, não foi acompanhado
duma nova filosofia para esta problemática das drogas e sua comercialização,
continuando-se uma política de combate que se tem revelado infrutífera ao invés
de encarar a realidade, enquadrando-a legalmente (vejam-se os exemplos já
conhecidos do tabaco e do álcool).
Chegados ao Outono de 2016, não resta outra
alternativa que não seja a continuação do combate a este sistema, desajustado
dos valores civilizacionais construídos na segunda metade do século XX. É
gritante a necessidade de descongestionamento das prisões portuguesas e de
diminuição da duração das penas. A alteração do código penal e a aprovação duma
amnistia são atos urgentes que só a ausência de coragem política impede de
concretizar. Também, é necessária a ajuda duma pastoral penitenciária diocesana
que envolva os cristãos.
Na sua
recente visita à Polónia, o Papa Francisco esteve nos campos de concentração e
extermínio de Auschwitz-Birkenau, e comentou que a crueldade praticada pelo
regime nazi na primeira metade do século XX ainda hoje se mantém, nas situações
como o encarceramento massivo. Disse o Papa: “Recordar dores de 70 anos atrás:
quanta dor, quanta crueldade! Mas é possível que nós, homens criados à
semelhança de Deus, sejamos capazes de fazer estas coisas? As coisas foram
feitas… Eu não gostaria de vos deixar amargurados, mas devo dizer a verdade. A
crueldade não acabou em Auschwitz, em Birkenau. Também hoje, hoje!... Hoje
existem homens e mulheres em prisões superlotadas: vivem – perdoem-me – como
animais! Hoje existe esta crueldade”, enfatizou o Pontífice.
Esta intervenção do Papa foi objecto duma notícia no site do
Pastoral Carcerária do Brasil que a titulou:” As prisões são uma Auschwitz do
nosso tempo”.
Não queiramos deixar para os vindouros a desculpa de que não
sabíamos. Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar, como proclamou Sofia de
Melo Breyner Andresen.
As prisões são uma Auschwitz do nosso tempo.
Porto, 17 de Outubro
de 2016
Manuel Hipólito Almeida dos Santos - Presidente da O.V.A.R. – Obra Vicentina de Auxílio aos
Reclusos
domingo, 24 de abril de 2016
Viva o 25 de Abril !
Há cerca de três séculos Johann
Goethe, autor alemão, proclamou que “ Só
é digno da liberdade, como da vida, aquele que se empenha em conquistá-la”.
Na passagem do 42 º aniversário
da data em que o povo português se empenhou em conquistar a liberdade, palavra
muito cara a todos os cidadãos, cumpre-nos hoje dar testemunho do nosso
envolvimento afectivo com tal comemoração. Não só no plano simbólico mas, também,
no nosso empenhamento em dar continuidade a tal conquista, tendo em conta que a liberdade de quem quer tê-la convive,
hoje, com o medo de deixar de vir a tê-la ou, até, de a estar perder
paulatinamente.
Ora, o medo não é bom
acompanhante, pois só é livre quem não tem medo. O medo de perder a liberdade
de reunião, de associação, de pensamento e de circulação, tem de dar lugar à
coragem para a sua defesa. E temos de associar à liberdade, a igualdade e a
fraternidade, valores que corporizam a essência
da dignidade reconhecida a todos os cidadãos.
No dia de
hoje, importa averiguar se a dignidade se encontra ameaçada com os maus
exemplos da nova escravatura dos baixos salários e da precariedade, das guerras
disseminadas com execuções extrajudiciais comandadas à distância, dos refugiados que nos batem à porta, das chagas do desemprego da miséria e dos sem-abrigo , das crianças e dos jovens maltratados e sem esperança, das relações afetivas instáveis e conflituosas, dos presos a
quem é negada o perdão e a misericórdia, da nova roupagem da tirania. E importa
averiguar se podemos festejar a liberdade com tais atropelos à dignidade ou se
estamos dominados pela cegueira como Shakespeare retratou na seguinte reflexão:
“Que tempo terrível este em que os idiotas dirigem os cegos.”
Chegou há dias ao meu conhecimento que a nota de 20
dólares americanos vai passar a ter a fotografia da rebelde negra, libertadora
de escravos, Harriet Tubman. Também ela teve dificuldades em lutar contra a
escravatura, mas Tubman nunca deixou nenhuma das centenas de pessoas que
libertou para trás, e nunca ninguém morreu sob a sua vigilância. “Podia ter
libertado mais” garantia ela, “se os tivesse conseguido convencer que eram
escravos”. A luta pela sobrevivência
adia o querer de revolta dos escravos.
A sociedade tem pergaminhos onde
consta a sua luta contra estes males, pelo que temos de convencer os novos
escravos da sua condição, libertando-os desta escravatura moderna. Neste
sentido, exorto todos os cidadãos a reflectiram sobre o como podem levantar bem
alto o seu grito de liberdade sem se envergonharem dos muitos infelizes com que
tropeçamos nas ruas.
Voltaire, o grande filósofo das
luzes, foi bem claro quando disse que “o
homem que é livre deve governar-se mas se tem tiranos deve destroná-los”.
Os verdadeiros cidadãos não podem ter para com esta nova tirania económico-financeira onde
medram ladrões legalizados, vaidosos sem ética e sem vergonha, nem para com os novos
tiranos e seus sequazes, o comportamento que Zeca Afonso, o trovador de Abril,
denunciou na sua canção dos Eunucos:
Em
vénias malabares à luz do dia
Lambuzam
da saliva os maiorais
E
quando os mais são feitos em fatias
Não
matam os tiranos, pedem mais.
Viva o 25 de Abril !
terça-feira, 23 de fevereiro de 2016
O Domínio do Establishment
O Domínio
do Establishment
Vivemos uma época dominada
por poderes que rejeitam e reprimem qualquer sinal de mudança no modelo de
sociedade vigente. O poder político, através dos partidos políticos, e o poder
económico-financeiro, através das suas instituições, infiltrados por poderosos
grupos de interesses de que o lobby LGBTI é um exemplo, receiam que qualquer alteração
significativa da ordem político-social possa por em causa os seus interesses e
privilégios. Como têm conseguido impor e alargar a sua hegemonia na liderança
mundial, torna-se quase impossível esperar qualquer mudança nas linhas
directrizes que governam o mundo. O actual establishment (ordem ideológica,
económica e política que constitui uma sociedade ou um Estado) está implantado
solidamente.
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Vários exemplos podem ser
apontados como corroborando esta constatação, todos eles bem evidentes e
assumidos, sem rebuço, por responsáveis ao mais alto nível, não havendo já o
pudor de os tentar encobrir. O apoio inesgotável, ilimitado e permanente ao
sector financeiro, a diabolização, descrédito e sabotagem de iniciativas que
não se insiram na estratégia dos poderes instituídos, a sedução e corrupção de
líderes emergentes imbuídos de ideais políticos denominados de “radicais”, o
desencadear de guerras locais para impor poderes “amigos”, a implementação de
políticas repressivas com vista a impedir o surgimento de dinâmicas
alternativas ao status-quo, com mais polícias, mais leis punitivas, mais
intimidação, etc…, são formas usadas para o establishment impor a sua força.
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Por outro lado nota-se a ausência
de procura de soluções profundas para problemas sociais, já que a manutenção
destes problemas ocupa as pessoas que os sofrem e não as liberta para
questionar o modelo. O acentuar da pobreza, resvalando para a escravatura (mais
de 600.000 famílias portuguesas estão em incumprimento por dívidas), reforça a
imobilização dos pobres para se envolverem politicamente na mudança da sua
situação, já que quem está na indigência esgota-se a sobreviver. O impasse na
solução para o negócio da dependência da droga, e o reforço da sua repressão (cerca
de 80% dos reclusos cumprem pena por ligação, direta ou indireta, à droga),
parece um propósito desejado já que obriga a quem está inserido no seu circuito
se ocupe só do “jogo do gato e do rato”, ficando sem tempo e disponibilidade
para outras preocupações. As crianças vivem ao sabor das experiências
sucessivas das novas famílias e dos modelos educativos, que têm muito mais em
conta os interesses dos pais e dos professores do que o superior interesse das
crianças como seres portadores de direitos (mais de 70.000 crianças encontram-se
anualmente em sinalização nas Comissões de Proteção de Crianças e Jovens). Os
conflitos familiares crescem em catadupa (o número de divórcios e de casos de
violência doméstica aumenta constantemente), traduzindo uma sociedade de
inimizade onde o ódio e a violência marcam presença. A comunidade, em geral,
faz questão de ignorar a desumanidade patente nas prisões como instituições
medievais, arcaicas e indignas dos padrões civilizacionais que se esperariam no
século XXI, utilizando o trabalho dos presos como mão de obra escrava com
pagamento de poucos cêntimos por hora pela produção de bens que são vendidos no
mercado (Portugal (Portugal é dos países da Europa Ocidental com maior taxa de
reclusos em cumprimento de pena – 140 reclusos por 100.000 habitantes, num
total de mais de 14.200 reclusos). A maioria dos poucos que se preocupam com
estes antros de tortura e maus tratos não anseia mais do que dar uma migalha a
quem precisa de muito pão, exultando, até, com esse miserável contributo.
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A mesma comunidade, que,
em grande parte, se reclama de católica, ouve, mas não pratica, a exortação do
Papa Francisco para uma postura ativa de perdão e misericórdia, preferindo a
vingança e a indiferença para com os seus semelhantes.
E, assim, o establishment
vai-se consolidando, autodenominando-se de democrático e diabolizando quaisquer
iniciativas que o possam pôr em causa. As eleições vão surgindo mas os
pretendentes ao poder não fogem das linhas gerais do mesmo modelo, não sendo de
estranhar a elevada abstenção. Para reforçar as suas bases de sustentação,
aceita-se o aumento de conflitualidade pessoal na sociedade (as pessoas
ocupam-se com os seus conflitos pessoais), incrementam-se as diversões que
desviam as pessoas do escrutínio do poder (futebol, telenovelas, concursos e
sorteios televisivos, reality shows como a “Quinta”, etc…, ocupam os primeiros
lugares das audiências), institui-se a repressão e o medo e faz-se tábua rasa
dos referenciais internacionais de direitos humanos. As ONGs, que até há pouco
tempo exerciam um papel de denúncia e contrapoder, foram tomadas por dentro e
são, hoje, instrumentos de sustentação do modelo político-económico-social
vigente, conseguindo, ainda, beneficiar do capital de prestígio e
honorabilidade alcançado no passado. O progresso verificado ao
longo da história tem tido, nos tempos recentes, uma injusta e desigual
repartição, com um aumento escandaloso do fosso entre os pobres e os
ricos.
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Assiste-se, por parte do
establishment, a uma demagógica denúncia dos problemas sociais, tais como o
crescimento da pobreza e da conflitualidade, do desemprego, do surgimento da
escravatura moderna, do sofrimento, da precariedade das condições de vida, sem
que se vislumbre uma procura genuína duma estratégia que vá além dalgumas
acções pífias de pretensos contributos de solução, mas com grandes coberturas
mediáticas como propaganda balofa. Para os interesses instituídos convém não
produzir grandes alterações no actual modelo de sociedade.
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Longe vão os tempos da
esperança em dias melhores para a esmagadora maioria das pessoas. Enquanto os
detentores dos diferentes poderes se entretêm em se sustentarem no poleiro,
cada vez mais enriquecido, os seus súbditos vegetam na procura da
sobrevivência, até ao dia em que se assista a uma convulsão que não será pacífica.
Mas não antevejo quando chegará esse dia. Não vendo grande probabilidade nesta
convulsão social, até porque os poderes instituídos têm refinado a máquina
repressiva e dissuasora, só outras duas hipóteses poderão mudar o quadro
existente, ainda que utópicas: uma catástrofe astronómica (há milhões de anos
que o equilíbrio interplanetário se mantém praticamente inalterável,
nomeadamente no que respeita ao planeta Terra) e o colapso do sistema
informático de que depende toda a organização da sociedade (através, por
exemplo, dum vírus informático que apague todos os ficheiros e ultrapasse todos
os antivírus). Mas qualquer destas três hipóteses só o são teoricamente, não se
vendo, no horizonte, a possibilidade da sua concretização.
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Pressentindo
que o establishment vai incrementar a imposição da sua força, os cidadãos são
chamados para a defesa dos ideais da liberdade, da igualdade e da fraternidade
que vivem dias sombrios. Temos de adaptar o lema ecológico, de reduzir,
reutilizar e reciclar as coisas, para valores humanistas: Reduzir o ódio e a
vingança, Reciclar o perdão e a caridade, Reutilizar a capacidade de amar.
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sexta-feira, 1 de janeiro de 2016
Passagem do ano - Diz-me em quanto tempo se faz a revolução
Nos meus setenta anos de idade são já inúmeras as vezes que faço a festa da passagem do ano na baixa do Porto. Ontem, final de 2015, mais uma vez cumpri a tradição. Jantar aviado em família (as tradicionais batatas com bacalhau e pencas), bilhete de metro comprado com antecedência para evitar as bichas de última hora, e toca a rumar à Avenida dos Aliados para o ponto de encontro previamente combinado com a família e alguns amigos na esquina do edifício do BANIF (ironia do destino: este banco deixou de o ser há dias. Como se designará, no futuro, este ponto de encontro?). À chegada, por volta das onze horas da noite, toda a baixa é um mar de gente, sendo já uma façanha atravessar a avenida dum lado para o outro. Dizem os noticiários de hoje que lá estiveram mais de 100.00 pessoas e eu era uma delas. Pessoas de todas as idades e género, com um largo predomínio de jovens, irmanadas num genuíno espírito de paz e fraternidade, tornando grotesca e insultuosa a presença de muitos polícias fardados e fortemente armados. Quem tomou a decisão de colocar nas ruas estes polícias não tem a noção do ridículo e a noção de onde estão os mais perigosos terroristas, pois estes encontram-se nos gabinetes governamentais e nas sedes das instituições financeiras, onde uma simples assinatura numa lei ou num contrato pode arruinar e matar milhares de inocentes cidadãos, sem que por tal ato tenham de prestar contas. Tenho muito mais medo destes terroristas do que dos denominados do Estado Islâmico. Hoje, dia 1 de Janeiro, vi na televisão alguns desses senhores e senhoras a banquetearem-se nos casinos e hotéis de luxo expondo a sua verdadeira faceta de perigosos salteadores. Outro mau exemplo das autoridades foi dado pela administração do Metro do Porto ao sujeitar os passageiros a um controle apertado, na saída das estações, para verificação da validade dos títulos de transporte. Teriam tido uma postura de grande elevação se concedessem transporte gratuito para esta noite mas, para isso, era preciso que fossem seres humanos e não meros gestores das finanças.
Que grande lição de paz e tranquilidade deu o povo que se juntou nesta noite na baixa do Porto, ignorando estes maus exemplos e não se atemorizando com tais atos, nem com a ameaça de chuva apesar dos pingos que iam caindo.
E mesmo algumas coisas menos boas não ofuscaram a beleza desta noite. O lixo excessivo que se acumula nas ruas, o estado de embriaguez de algumas pessoas que se excederam nas bebidas, alguma desorganização e menor beleza do fogo de artifício, são situações não louváveis mas compreensíveis dada a dimensão do evento.
Resta uma constatação. É a passividade e resignação deste povo que permite que os governantes deste mundo o continuem a roubar e a explorar. O Pedro Abrunhosa, na sua atuação de mais de quatro horas, cantou-nos alguns dos seus bonitos poemas e num dos que mais liga à actual situação diz-nos:
...................................................................................................
“Diz-me em quanto tempo
Se faz a revolução,
Quantas cabeças de fora,
Quantos corpos no porão,
Quanta coca é vendida
Pelos altos da nação,
Quantos crimes redimidos
Pesam na religião?
Quantos novos-pobres faltam
Para fazeres a coleção,
Quantas esmolas escondem
A ausência do perdão,
Que diferenças são desculpa
Para a noite na prisão?
Por isso diz-me em quanto tempo
Se faz a revolução.
Quantas pastilhas
Para te soltares do chão?
Qual o preço do silêncio,
Quanto custa a redenção?
Não peço mais nada
Só quero a solução,
Por isso diz-me em quanto tempo
Se faz a revolução”
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Cheguei a casa por volta das quatro da manhã. Como não tinha sono pus-me a ler a revista do jornal Expresso ontem publicado. E não é que abre com um artigo da Clara Ferreira Alves que, sob o título, “Camarilha”, se atira aos que nos roubam e maltratam na gestão dos bancos? Volto ao Pedro Abrunhosa noutra das suas músicas:
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Gosto de ti como quem mata o degredo,
Gosto de ti como quem finta o futuro,
Gosto de ti como quem diz não ter medo,
Como quem mente em segredo,
Como quem baila na estrada,
Vestido feito de nada,
As mãos fartas do corpo,
Um beijo louco no porto
E uma cidade p’ra ti.
Enquanto não há amanhã,
Ilumina-me, Ilumina-me.
Enquanto não há amanhã,
Ilumina-me, Ilumina-me.
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Óh Pedro Abrunhosa: “…Diz-me em quanto tempo se faz a revolução”
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1 de Janeiro de 2016
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