quinta-feira, 11 de novembro de 2021

A Lei 9/2020 e os seus efeitos nas prisões

 A Lei 9/2020 e os seus efeitos nas prisões

Em 10 de Abril de 2020 foi publicada a lei nº 9/2020 que estabeleceu um regime excecional de flexibilização da execução das penas e de medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, pretendendo descongestionar as prisões perante a ameaça de graves problemas de saúde pública nos estabelecimentos prisionais, devido à concentração excessiva de pessoas em espaços sobrelotados.

Essa lei não se aplicou a todo o tipo de crimes e definiu requisitos específicos de aplicabilidade para o perdão de penas, para o indulto excecional e para a concessão de licença de saída administrativa extraordinária, assim como não definiu limite de tempo da sua vigência.

Passado um ano e meio da aprovação da lei, constata-se que ela abrangeu cerca de três mil reclusos, sendo poucos os casos em que os reclusos abrangidos reincidiram na prática de crimes ou desobedeceram aos condicionamentos que lhes foram aplicados.

Os sistemas penal e prisional, em Portugal, têm sido objeto de variada polémica. Nos últimos vinte anos a população prisional tem variado entre o mínimo de 10.807 reclusos no ano de 2008 e o máximo de 14.284 em 2013, sendo o valor no ano 2000 de 12.675 reclusos e no ano 2020 de 11.412. Em 1 de novembro último a população prisional era de 11.428 reclusos. Em muitos dos anos deste século a população prisional foi superior à lotação dos estabelecimentos prisionais que é, atualmente, de 12.618 reclusos (fontes: Pordata e DGRSP).

A dimensão da população prisional e a duração das penas colocam Portugal como um dos países da União Europeia com maior tempo médio de cumprimento de pena e a lei 9/2020 deu, apenas, um pequeno contributo para a sua diminuição, não destronando Portugal desse triste lugar cimeiro na aplicação e duração das penas privativas da liberdade.

Desde o início da vigência da lei que algumas pessoas e entidades têm vindo a clamar contra a sua aprovação, exigindo a sua revogação, não tendo em conta o êxito da sua aplicação, quer na diminuição da população prisional, quer nas medidas preventivas da propagação da Covid19 nos estabelecimentos prisionais. Nem o facto da esmagadora maioria dos reclusos abrangidos pela lei terem retomado a sua vida normal em sociedade tem sido tido em consideração por quem quer a sua revogação, como que encolhendo os ombros perante as observações de organizações, nacionais e internacionais, que trabalham sobre as prisões e sobre a desumanidade que lá se vive. Quase parece uma obsessão pelo castigo, pela repressão e pela vingança, num país em que a maioria da população se assume como católica, religião esta que baseia a sua filosofia e ação nos princípios cristãos do humanismo, do perdão e da misericórdia. O trabalho que tem vindo a ser desenvolvido, pela Subcomissão para a Reinserção Social e Assuntos Prisionais da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, tem demonstrado, nas audições parlamentares efetuadas, o muito que há a fazer para levar os princípios da dignidade humana e do Estado de Direito para dentro das prisões, tendo ficado patente, nessas audições com as múltiplas pessoas e entidades ouvidas, que tal caminho não passa pela obsessão ou teimosia pela via punitiva e da privação da liberdade.

A O.V.A.R. – Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos, que se congratulou com a aprovação da lei 9/2020, foi premiada, pela Assembleia da República, por unanimidade de todas as forças políticas lá representadas, com o prémio “Direitos Humanos 2018” pelo seu trabalho pela humanização do sistema prisional. Será de esperar que a mesma Assembleia da República que lhe outorgou o prémio seja sensível à postura da O.V.A.R., que se mantém desde há muitos anos, de apoiar todas as medidas tendentes à diminuição das penas e da população prisional, incluindo a vigência da lei 9/2020 e de todas as medidas que ponham em prática os valores consagrados nos referenciais internacionais de direitos humanos, aplicáveis às prisões, de que Portugal é Estado-parte.

Porto, 8 de Novembro de 2021

Manuel Hipólito Almeida dos Santos

Presidente da O.V.A.R. – Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos

quinta-feira, 29 de julho de 2021

Facetas das Ditaduras/Democracias

 Vários são os conceitos sobre a caracterização dos regimes ditatoriais, assim como o posicionamento de tais regimes ao longo da história da humanidade. Tais indefinições aplicam-se, também, aos regimes que se identificam como democracias, sendo que as dificuldades de caracterização dos regimes foram, recentemente, devido à Covid19, substancialmente aumentadas.

Aquilo que nas últimas dezenas de anos esteve a contribuir para corroer as bases dos regimes está em crescimento permanente e acelerado.

A intolerância e os sentimentos de ódio e vingança são formas de estar com presença acrescida, de que o comportamento hostil para com opiniões divergentes é um exemplo, assistindo-se a quebras de amizade nas relações sociais apenas por diferenças de posicionamento perante aspetos banais da vida quotidiana. São os medos da doença, as restrições e condicionamentos à liberdade, a obrigatoriedade do uso de máscara, as imposições “ditas” higiénicas, etc…, que acabam por criar grupos de afinidades hostis aos que neles não se integram.

A tendência que se vinha insinuando, insidiosamente, nas últimas dezenas de anos, de aumento da repressão e da punição encontrou, com o argumento da Covid19, espaço para se impor, com o apoio duma base alargada de cidadãos medrosos e cobardes (o medo e a cobardia aparecem, quase sempre, associados). São as multas, as coimas e as penas de prisão que se assumiram como elementos condicionadores da liberdade e da cidadania.

À boleia da criação dos castigos e punições, proporcionado pela Covid19, assiste-se a uma dinâmica do seu  alargamento para aspetos que já vinham a ter espaço relevante na opinião pública, assistindo-se, por exemplo, a um exagero desmedido na abordagem polémica das relações entre homens e mulheres, de que a criminalização do piropo e o condicionamento da indumentária corporal assumem feições caricatas, não considerando como naturais e saudáveis os mecanismos de sedução inerentes a todas as espécies vivas, desde o olhar às expressões verbais e corporais, quase parecendo que a liberdade de assunção da identidade sexual é um privilégio das correntes lgbtqi+ e que o risco de violação está ao virar da primeira esquina . Por outro lado, instalou-se um fundamentalismo ecológico/ambiental incoerente e contraditório na utilização de bens de consumo, proibindo e penalizando a utilização de certos materiais (ex: sacos de embalagem e transporte de bens), esquecendo o princípio há muito aceite de que, para todo o tipo de materiais, se deve praticar as regras dos 3R (reduzir, reciclar, reutilizar), substituindo-o, levianamente, pelo proibir e punir. Este fundamentalismo assume, por vezes, a defesa de posições primárias e negativas, como seja a rejeição de produtos processados industrialmente em prol dos denominados “biológicos”, quando, muitas vezes, estes são mais nocivos para a saúde e para o ambiente de que os processados industrialmente (ex. pão e enchidos cozidos e fumados em fornos de lenha são mais nocivos do que os cozidos em atmosfera neutra como a gerada por energia elétrica).

Esta cultura, baseada na ignorância e de raiz não democrática, de punir, obrigar, reprimir e condicionar, em vez de informar, sugerir e aconselhar, leva à criação de uma sociedade de autómatos, seres sem consciência e obedientes às ordens do poder instituído, acabando por se traduzir numa sociedade de reduzida participação na construção do interesse coletivo, de que a elevada percentagem de abstencionistas nos atos eleitorais é disso exemplo. Como se podem intitular representantes democráticos os eleitos onde a maioria dos eleitores se abstém? E isto verifica-se não só nas eleições de cariz político-partidário, como nas que decorrem para associações, clubes e organizações não governamentais.

É urgente repensar a vida em sociedade livre, de seres humanos conscientes, tolerantes e fraternos.

É urgente a criação de uma nova ordem política, económica, social e cultural.


  

quarta-feira, 9 de junho de 2021

10 de Junho

 Comemoramos o 10 de junho o dia de Portugal de Camões e das comunidades, ou o Dia da Raça como se designava este dia antes da revolução dos cravos, exaltando a intrepidez, a coragem, a valentia, o espírito de sacrifício e a dedicação à nação de que os portugueses têm dado mostras ao longo da história, mas não o medo, o pânico, o egoísmo e a cobardia no enfrentar os perigos, desafios com que somos confrontados no tempo presente.

Saibamos entender o espírito da ressurreição constante dos evangelhos com o desejo de Camões que se exaltem aqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando.

Façamos por estar vivos na memória dos que nos sucederem como corajosos, valentes e dedicados a ajudar os outros a viverem livres de todos os condicionamentos e restrições, não hipotecando a liberdade por muito alto que seja o preço que tenhamos de pagar.

Viva a liberdade, a igualdade e a fraternidade!

Viva Portugal!

quinta-feira, 27 de maio de 2021

Ainda a Covid19

 Os chamados "especialistas" do Infarmed não têm demonstrado serem de espírito aberto a todas as implicações das medidas que têm vindo a ser tomadas, demonstrando parcialidade na defesa das limitações e condicionamentos, numa ação corporativa de imposição da visão sanitária obsessiva, o que tem levado a uma paranóia de medo e pânico, com a aceitação de medidas de repressão policial e punitiva.


sábado, 1 de maio de 2021

Os Paranoicos no Triunfo dos Porcos

 As restrições  decorrentes da pandemia estão a potenciar uma sociedade policial de bufos pidescos, de denunciantes, de covardes, de medrosos, de aterrorizados, de carneiros, de paranoicos, que, sem sentido crítico, engolem tudo o que o poder autoritário ameaçador lhes impõe.  Uma sociedade desumana, repressiva e punitiva. Uma sociedade açaimada privada de direitos fundamentais. Uma sociedade em que os governantes e esses governados obedientes são os figurantes do "Triunfo dos Porcos" glosados por George Orwell.


terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

O Depois da Tragédia

 

Quando, há cerca de um ano, fomos confrontados com a tragédia que, desde então, tem feito parte das nossas vidas, perspetivei, em intervenção pública, um conjunto de aspetos, a seguir   referidos, não antevendo que, um ano depois, se mantinham atuais.

O que temos visto em Portugal e em variados países do mundo, é uma tragédia sustentada na ameaça da Covid19, já que o poder político pôs em causa muito da vida em sociedade.

Num curto espaço de tempo, assistiu-se ao estabelecimento de Estados de Emergência e de Calamidade, com a legitimação do uso do poder arbitrário pelas forças policiais, baseado em “ações musculadas”, para impor a limitação à liberdade de circulação e de reunião, com disrupções no sistema produtivo, com a alteração profunda na vida das pessoas, e nas relações sociais, e com a imposição do poder totalitário do Estado.

A pandemia do pânico e do medo implementou-se com a aquiescência da maioria das pessoas e de confissões religiosas, já que o medo da morte impôs-se de forma absoluta, suplantando a pandemia da Covid19, esquecendo que viver tem riscos e que a morte é o fim natural dos seres vivos. George Orwell, há quase um século, enfatizou que “O importante não é mantermo-nos vivos, é mantermo-nos humanos”. Ora, esta pandemia do pânico e medo sobrepôs a vontade de viver à custa do que quer que seja, ainda que seja sobre a desumanidade imposta aos outros seres humanos, implantando-se modelos de cobertura do parasitismo (enquanto uns ficavam em casa outros tinham de sair para trabalhar), exaltando a cobardia e dando espaço aos bufos que, pidescamente, foram denunciando os que tiveram a coragem da desobediência. Foi a vitória da repressão e da imposição, com relevância de lobbies corporativos. Foi a vitória do egoísmo sobre a fraternidade.  

Estamos, agora, em vias de terminar com mais um Estado de Emergência, não se sabendo, ainda, quando a tragédia vai acabar. Importa, todavia, alertar para princípios basilares que devem nortear toda a acção humana, em quaisquer circunstâncias.

O futuro próximo (O Depois da Tragédia) tem de ser construído no respeito pelos direitos humanos universalmente consagrados, construídos na segunda metade do século XX e constantes, nomeadamente, da Declaração Universal dos Direitos Humanos e normativos jurídicos dela derivados (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Pacto Internacional dos Direitos Económicos Sociais e Culturais, Convenção dos Direitos da Criança, Convenção Europeia dos Direitos Humanos, etc…), tendo em conta que, de acordo com a Declaração de Viena das Nações Unidas de 1993, todos os direitos humanos são iguais, universais, indivisíveis e interdependentes (por exemplo, a saúde é tão importante como a liberdade ou a educação, nem mais nem menos, não se devendo beliscar um direito para priorizar qualquer outro). Neste sentido, há que repor princípios que estão a ser desrespeitados dentro dos Estados de Emergência e de Calamidade, nomeadamente a liberdade de circulação e de reunião, o direito de resistência e a não discriminação em razão da idade (é aviltante a forma como estão a ser discriminados os idosos e as crianças, infringindo gravemente o direito à igualdade na dignidade). Como exemplos de situações desumanas que temos vivido, além das limitações à liberdade, podem-se citar as restrições na prestação de assistência a familiares e amigos internados nos lares, nos hospitais e a cumprir penas nas prisões, ou na participação nos funerais dos que nos são queridos, assim como no acesso à igualdade na educação, já que se agravaram as desvantagens das crianças oriundas de famílias pobres com as novas modalidades de ensino adotadas, além da destruição significativa de postos de trabalho lançando na pobreza e exclusão social largas camadas da população, assim como pela gravidade de outras consequências das medidas tomadas, de que é exemplo a negligência perante as doenças não-covid19 nas quais as patologias relacionadas com a saúde mental têm tido preocupante agravamento.            

Importa aproveitar a oportunidade para, “Depois da Tragédia”, implementar uma nova ordem política, económica, social e cultural, assente nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, já que o modelo anterior à pandemia do pânico e do medo (Covid19), assente, de forma crescente, na escravatura e exploração de seres humanos, criando desigualdades gritantes, se estava a afastar dos referenciais humanistas subjacentes aos normativos de direitos humanos atrás mencionados que é urgente repescar. Tenhamos em conta que a democracia não se esgota em eleições livres e periódicas, nem na existência de partidos políticos ou na vontade totalitária da maioria.

Relembremos o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos; “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”

 

Porto, 09/02/2021

 

Manuel Almeida dos Santos