terça-feira, 20 de maio de 2008

A Cerâmica no Dia a Dia

Cerâmica no dia a dia

NOÇÕES PRÁTICAS

Introdução

Apesar da cerâmica acompanhar a presença humana à face da Terra desde há milénios, continuamos a conviver com os mais variados produtos cerâmicos sem conhecer muitas das suas características, as formas mais adequadas de uso, os cuidados a ter na sua utilização, os inconvenientes de certos produtos e suas limitações, enfim, ignorando as qualidades e defeitos duma companhia com quem contactamos todos os dias, não tirando as vantagens que esse conhecimento proporciona.
A necessidade duma melhor compreensão das diferentes características dos produtos cerâmicos é cada vez mais pertinente, tendo em conta que o avanço científico e tecnológico nos põe em presença de exigências novas, sem que tenhamos tempo de sedimentar o saber da experiência que nos possibilite acompanhar e assimilar as principais e mais importantes potencialidades daquilo com que nos confrontamos.
Certamente que já nos interrogamos muitas vezes sobre certos aspectos inerentes à utilização de materiais cerâmicos. Quem é que já não se questionou sobre:
- Será que esta chávena pode ir ao micro-ondas?
- Será que os pratos que usamos são os mais adequados para lavar na máquina de lavar louça?
- Será que a louça com dourados tem algum inconveniente ou fragilidade?
- Porque é que algumas jarras marcam os fundos nos móveis e outras não?
- Porque é que alguns tipos de azulejos caem das paredes e outros não?
- Quais são as decorações que resistem à máquina de lavar?
- Qual o melhor tipo de louça para ir ao forno, ao congelador e à máquina de lavar?
Muitas destas e outras perguntas colocam-se-nos frequentemente, mas, por ausência de informação, passamos adiante e continuamos a usar os produtos orientados quase exclusivamente pelo preço, pela estética e pelo nome da fábrica. Ora, qualquer destes critérios pode nada ter a dizer com o fim a que destinamos as peças cerâmicas. Há peças caras que não são as melhores para fins comuns (Ex: as peças com ouro não devem ser utilizadas frequentemente em fins utilitários nem quando a louça é lavada em máquinas); há decorações bonitas mas que são desaconselháveis para colocar alimentos; há louças cuja composição mineralógica e porosidade são potenciais focos de doenças; etc. ...
Nos capítulos seguintes procurar-se-à responder a estas e outras questões, relacionadas com a cerâmica doméstica e decorativa.
A abordagem é feita propositadamente em termos práticos, procurando que os aspectos técnico‑científicos sejam expostos de forma mais acessível, deixando de lado questões e conceitos, assim como cerâmicas especiais e de consumo restrito, que por não se revestirem dum interesse mais imediato para o comum dos consumidores, poderiam tornar mais longa e menos prática esta publicação.

O que são Produtos Cerâmicos?

É clara a definição dum produto cerâmico: é todo o produto resultante da transformação irreversível de matérias primas naturais por acção do calor. O que quer dizer que misturando matérias primas naturais, em quantidades proporcionalmente calculadas, e submetendo esta pasta a uma temperatura suficientemente elevada para transformar essas matérias primas, estamos na presença dum produto cerâmico. Se é barro, faiança, grés, porcelana, vidro, etc. ..., isso depende das matérias primas, percentagens e temperaturas de cozedura que utilizamos . Mais adiante veremos as diferenças entre cada um dos produtos e suas formas de identificação. Mas quando falamos de cerâmica estamos a falar dum conjunto alargado de produtos, pelo que precisamos sempre de especificar mais pormenorizadamente aquilo a que nos queremos referir.
E quais são as matérias primas mais importantes usadas no fabrico das peças cerâmicas?
Tal como se disse, são naturais (existem tal e qual na natureza) e são do domínio comum: quartzo (a areia corrente é constituída maioritariamente por quartzo); feldspato (outro mineral comum e que é um dos constituintes do granito); misturas argilosas (a mais conhecida é o Caulino); outros materiais em menor percentagem mas que permitem efeitos e comportamentos necessários caso a caso (carbonatos, fosfatos, óxidos metálicos, etc. ...)
Estes materiais são tratados adequadamente (por ex: o quartzo e o feldspato têm de ser finamente moídos já que as dimensões em que aparecem na natureza não são ideais para fabricar pastas cerâmicas), misturados segundo proporções estudadas para cada produto (por ex: para fabricar porcelana é necessário preparar uma pasta com, aproximadamente, 50% de Caulino, 25% de quartzo e 25% de feldspato), moldados de acordo com as formas pretendidas, e submetidos a uma, ou mais, cozeduras. No final estamos na presença dum produto cerâmico e as matérias primas usadas na composição da pasta já se encontram transformadas, de forma que já não é possível separá-las e fazê-las voltar ao estado inicial, quer sob o ponto de vista químico, quer sob o ponto de vista mineralógico.Estamos então na presença dum produto cerâmico que resultou da transformação de matérias primas naturais por acção do calor.

Caracterização Básica dos Produtos Cerâmicos

Pode dizer-se que há uma característica (a porosidade) que divide os produtos cerâmicos em dois grandes grupos: produtos porosos e produtos não porosos.
Como a própria palavra indica os produtos porosos são aqueles que contêm poros na sua constituição, isto é, existem pequenos espaços (microscópicos) entre a estrutura constituinte do produto.
Por outro lado, os produtos não porosos são compactos, não tendo, portanto, qualquer poro na sua estrutura constituinte.
Como exemplos de produtos porosos podem referir-se os barros e as faianças.
Como não porosos temos o grés, a porcelana e o vidro (ou o pirex).
Esta característica (porosidade) é a primeira grande referência que devemos ter em conta na utilização dum produto cerâmico, já que a sua não observância pode proporcionar-nos surpresas desagradáveis. Esta característica é por si só indicativa sobre algumas aplicações utilitárias de peças correntes. Tratando-se de produtos porosos, o corpo da peça é constituído por materiais sólidos e espaços vazios (ainda que microscópicos), pelo que as peças porosas absorvem substâncias líquidas com que estejam em contacto (ex: água e gorduras) assim como outras substâncias que contenham líquidos (alimentos cozinhados por ex), não sendo, portanto as mais indicadas para usos alimentares ou para serem usadas em máquinas de lavar. É certo que a sua superfície é normalmente vidrada para proporcionar um certo isolamento, mas esta protecção é insuficiente na quase totalidade das utilizações domésticas. Mais adiante voltaremos a esta questão com mais pormenor.Os produtos não porosos são compactos pelo que não absorvem quaisquer outras substâncias com que estejam em contacto.
Há algumas maneiras simples de se diferenciar um produto poroso dum produto não poroso. Vamos só referir as quatro mais exequíveis por qualquer pessoa, sem necessidade de recurso a técnicas ou instrumentos complicados .
- Uma peça porosa é sempre mais leve que outra peça com as mesmas dimensões mas não porosa. Logo, se segurarmos em duas peças iguais em dimensões (comprimento, largura, espessura, etc...) e sentirmos diferença no peso, então a mais leve é porosa.
- Encostando a língua na parte desvidrada das peças (ex: no frete ou no pé das peças) se sentirmos que a língua fica ligeiramente presa é sinal que a peça está a absorver a saliva e, portanto, estamos na presença duma peça porosa.
- Encostando a ponta duma caneta de feltro, ou qualquer caneta com tinta líquida, à superfície desvidrada duma peça, se verificarmos que o ponto de contacto da caneta alastra é sinal de que a peça está a absorver a tinta e, portanto, estamos na presença duma peça porosa.
- Pesa-se uma peça seca e a seguir mergulha-se em água durante, por ex: duas horas. A seguir retira-se da água, limpa-se bem e volta-se a pesar. Se o peso aumentou é sinal de que a peça absorveu água e, portanto, estamos na presença duma peça porosa.

Produtos Cerâmicos Porosos

Os dois produtos mais conhecidos neste grupo são o barro e a faiança.
Sendo dois produtos classificados no grupo de materiais porosos, têm, no entanto, diferenças de composição e apresentação que os distinguem fácilmente.
O barro é o produto cerâmico constituído por matérias primas menos exigentes, normalmente de uma argila ou mistura de argilas, e com baixa temperatura de cozedura (cerca de 600 – 800 ºC). São exemplos deste tipo de produtos o barro vermelho ou o barro negro. Quando se destinam a usos utilitários (assadeiras, tigelas, pratos, etc...) são vidrados com vidros de baixa temperatura, sendo ainda, frequentemente, usado o chumbo como fundente do vidrado, o que torna este tipo de produtos desaconselhável já que o seu uso pode provocar problemas de saúde, tendo em conta que o chumbo quase não é eliminado pelo organismo, acumulando-se nos rins e no fígado, além de que a porosidade permite a infiltração de resíduos alimentares na estrutura das peças, podendo provocar distúrbios gastrointestinais. São produtos com baixa resistência mecânica (quebram-se com facilidade) e mais adiante abordaremos as implicações destes produtos com os seus usos.
A faiança é um produto cerâmico que, continuando a ser um produto poroso, já é obtido a partir duma composição mais elaborada, não necessitando, todavia, de matérias primas de grande exigência. Contém, na sua composição, os três grandes constituintes duma pasta de cerâmica fina (argilas, areias e fundentes), tratados individualmente antes da mistura, com cozedura a uma temperatura próxima dos 1.000 ºC, tendo um campo de aplicação que vai desde utensílios domésticos à azulejaria. São produtos com fraca resistência mecânica. A sua utilização tem, também, limitações semelhantes às do barro, que veremos mais adiante.

Produtos Cerâmicos não Porosos

Os produtos cerâmicos mais comuns existentes neste grupo são o grés, a porcelana e o vidro/pirex/cristal.
Todos são caracterizados por não absorverem quaisquer ingredientes com que estejam em contacto, já que a sua estrutura é compacta e impermeável. Apresentam, também, composições e características diferenciadas, assim como podem ter aplicações distintas.
O grés tem uma composição mineralógica já com características de alguma elaboração, tendo em conta a necessidade da sua impermeabilidade e a exigência dos usos a que se destina (desde a louça doméstica até aos usos industriais, como tubos de saneamento, sanitários, pavimentos, etc...). É cozido a temperaturas entre os 1.100 ºC e os 1.250 ºC. Apresenta-se no mercado, normalmente, em cores variadas (castanho nos usos industriais até ao branco ou beje nas usos domésticos), não tem translucidez e a sua resistência mecânica e refractária é alta.
A porcelana é a mais elaborada das pastas cerâmicas correntes. Obtida a partir de matérias primas de boa qualidade (Caulino, quartzo, feldspato e outras argilas em quantidades menores), é cozida a temperaturas entre os 1280 ºC e os 1400 ºC. É, geralmente, branca e tem uma alta resistência mecânica e refractária. Uma característica que a distingue de todas as outras pastas cerâmicas é a sua translucidez (deixa-se penetrar pela luz), o que lhe confere particularidades estéticas duma maior beleza e profundidade. É a pasta utilizada para peças de prestígio e de elevada exigência qualitativa.
O vidro é um produto cerâmico constituído esmagadoramente por quartzo (areia), com um alto grau de pureza. É cozido a temperaturas entre os 1.400 ºC e os 1.600 ºC, e, geralmente, é transparente. Frequentemente, com o objectivo de obtenção de efeitos estéticos especiais produzem-se vidros opacos ou coloridos. Tem baixa resistência mecânica e refractária.
O pirex e o cristal distinguem-se do vidro tendo em conta o objectivo de efeitos especiais tais como, por ex:, o aumento do grau refractário no pirex e um aumento de brilho e sonoridade no cristal com a adição de chumbo na sua composição.

Como se Produzem as Peças Cerâmicas?

Duas formas bem distintas se podem empregar na produção de peças cerâmicas: moldando a composição das matérias primas à temperatura de fusão (família das areias - vidro/pirex/cristal) ou à temperatura ambiente (família das argilas - barro/faiança/grés/porcelana).Enquanto que na produção de peças da família das areias a composição é injectada nos moldes no estado de fusão, ou trabalhada manualmente no estado plástico próximo da fusão, na família das argilas a composição é trabalhada antes da fusão, quer no estado líquido (as matérias primas estão numa suspensão com água), quer no estado plástico, depositando, ou prensando, a pasta em moldes com a forma da peça pretendida.
A formação das peças na família das areias é feita de acordo com o molde onde é injectada a composição com os materiais fundidos, ou trabalhada manualmente, ou por prensagem, de acordo com a forma pretendida pelo artesão.
A formação das peças na família das argilas é feita de forma semelhante à anterior, exceptuando no que toca ao estado das matérias primas como atrás se disse. Quando a composição contém água necessária ao processo de fabrico, a formação da peça obtem-se pela absorção, pelos moldes de gesso, da água existente na composição da pasta (é frequente designar este tipo de composições por barbotinas), ficando aderente à parede dos moldes de gesso a peça pretendida na espessura desejada. Na prensagem, como a quantidade de água pode ser quase nula na composição da pasta, utilizam-se moldes de gesso, de aço e de materiais sintéticos.Daqui se vê que, para se obterem peças mais finas, basta diminuir a quantidade de matérias primas ou o tempo de contacto com os moldes. Logo, uma peça mais fina gasta menos matéria prima e o tempo de fabrico é menor. Só que é mais leve e frágil além de, esteticamente, ser diferente.Na família das areias, as peças, depois de moldadas, à temperatura de fusão, têm de ter um arrefecimento gradual, após o que se segue o acabamento final, ou sem acabamento nas peças correntes.Na família das argilas o processo de fabrico é mais extenso. Após a moldação, geralmente à temperatura ambiente, segue-se o acabamento; 1ª codezura ou chacotagem (nalguns produtos existe só uma cozedura – por ex: pavimentos, cuja decoração, normalmente por serigrafia, e vidração são feitas antes da cozedura); pintura de grande fogo, se for o caso; vidração; 2ª cozedura – grande fogo; pintura ou aplicação de decalcomanias, de baixo fogo; cozedura da decoração de baixo fogo; acabamento final.A decoração com ouro, nas peças de ambas as famílias, tem de ser feita numa cozedura de baixo fogo, já que o ouro, nas suas diferentes composições, não suporta temperaturas acima dos 800 ºC.
Como atrás se diz, para se poder falar de produto cerâmico este tem de ser produzido a partir de matérias primas naturais transformadas pela acção do calor. Por conseguinte, é obrigatória, pelo menos, uma cozedura para se poder obter um produto cerâmico.As temperaturas a que são cozidos os produtos cerâmicos mais correntes são:
- Família das areias:
- Moldagem: 1400 ºC a 1.600 ºC
- Recozimento: 600 ºC
- Família das argilas:
- Chacotagem (ou primeira cozedura): 900 ºC a 1.000 ºC
- Cozedura:Barro: 600 ºC a 800 ºC
- Faiança: 900 ºC a 1.000 ºC
- Grés: 1.100 ºC a 1.250 ºC
- Porcelana: 1.280 ºC a 1.400 ºC
- Cozedura da decoração (baixo fogo): 600 ºC a 800 ºC

Em certos casos, e com pastas de características especiais, estas temperaturas poderão ser diferentes.

Principais Formas de Decoração nas Peças Cerâmicas

De uma forma simplificada, podemos dizer que são três os processos mais utilizados na decoração das peças cerâmicas:
- Decalcomania;
- Serigrafia;
- Pintura à mão.
A decoração por decalcomania caracteriza-se pelo facto dos motivos decorativos serem executados com recurso, na maioria das vezes, a processos fotográficos, informáticos e de impressão mecânica, que possibilitam a obtenção da decoração, com todas as cores necessárias, antes da sua aplicação nas peças cerâmicas.Depois de produzidos os decalques, estes são colados em folhas de papel, com uma cola sem resíduos minerais, de forma a que, após a sua aplicação na peças, a cola desapareça, através da cozedura, sem deixar vestígios. Para essa aplicação nas peças, torna-se necessário destaquar os motivos decorativos das folhas de papel onde estão colados e aplicá-los no local das peças cerâmicas onde se deseja a decoração.É um processo que recorre a meios mecânicos para a sua produção e usa-se, normalmente, quando é necessária uma grande quantidade de peças com o mesmo motivo, já que os custos envolvidos na preparação e execução dos decalques só são rentabilizados com séries de significativa dimensão.
A decoração por serigrafia, processo em diminuição de utilização, tem algumas semelhanças com a decoração por decalcomania. Mas não há produção de decalques, sendo os motivos “picotados” numa tela serigráfica e, por sobreposição da tela nas peças cerâmicas, procede-se à passagem da tinta, com a cor desejada, através desse “picotado” para a peça a decorar.Este processo de decoração por serigrafia tem vindo a perder campo de aplicação, à medida que a mecanização da decoração por decalcomania atinge produtividades e potencialidades significativamente superiores.Prato de porcelana com decalcomania.
A decoração por pintura à mão processa-se por acção directa, sobre a peça a pintar, dos procedimentos para a obtenção do efeito decorativo desejado. Para tal, utilizam-se pincéis adequados que o pintor manuseia de forma a que, gradualmente, a pintura vai-se desenvolvendo na superfície da peça. Com este processo nunca se consegue obter duas peças iguais, por muito que o pintor tente aproximar-se. No entanto, se esse for o objectivo desejado, é possível conseguir peças com uma aproximação que permite dizer que se trata de peças semelhantes.
Qualquer dos três processos de decoração pode ser utilizado nos diferentes tipos de produtos cerâmicos, após o processo de fabricação estar terminado, pelo que a decoração é mais uma operação subsequente à fabricação da peça, sujeitando as peças, quase sempre, a mais uma cozedura de “baixo fogo”. Em produtos de pouca qualidade, esta decoração é feita com tintas plásticas que não são sujeitas a cozedura, pelo que a sua aderência à peça é muito fraca.
Nos produtos da família das argilas é possível efectuar a decoração numa fase intermédia do fabrico das peças (decoração em crú e decoração sobre o chacote), chamando-se, normalmente, a este tipo de decorações de “grande fogo”, já que as tintas são cozidas simultâneamente com o vidrado à temperatura máxima do fabrico das peças. Num dos capítulos seguintes iremos ver o interesse particular deste tipo de decorações de grande fogo.
As formas de distinguir qual dos três processos de decoração existe numa peça cerâmica são, por vezes, pouco acessíveis ao utilizador comum. No entanto, há algumas regras práticas que, na maioria dos casos, possibilitam uma aproximação grande à identificação do processo de decoração.
- Na decoração por decalcomania e por serigrafia, os diferentes elementos que compõem a decoração são sempre, rigorosamente iguais;
- Na decoração por pintura à mão, nunca se consegue pintar, rigorosamente, dois elementos iguais;
- Nas decorações por decalcomania, as superfícies adjacentes aos contornos das diferentes cores aparecem sempre com igual distância e na mesma posição;
- Nas decorações por serigrafia e pintura à mão, as superfícies adjacentes aos contornos das diferentes cores dificilmente aparecem sempre com igual distância e na mesma posição;
- A linearidade dos traços em pintura à mão nunca se consegue com total rigor geométrico, sendo visível a expressão do trabalho manual, ao contrário das decorações por decalcomania e serigrafia em que os traços podem ter uma forma geométrica totalmente definida.
Convém, no entanto, ter em atenção que, com o objectivo de imitar a pintura manual, já se fazem decalcomanias e serigrafias com elementos diferentes e propositadamente não rectilíneos. Neste caso, deve-se observar duas peças e verificar se essas diferenças propositadas são iguais em ambas as peças. Se o forem estamos em presença de decoração por decalcomania ou serigrafia. Se forem diferentes poderemos estar em presença duma pintura manual.

Principais Aplicações dos Produtos Cerâmicos

Os produtos cerâmicos são utilizados em vários domínios da actividade humana, desde a física nuclear até à simples chávena de café com que todos os dias contactamos. Tendo em conta o carácter prático desta publicação, referimos a seguir, apenas, as utilizações mais comuns:
Na construção civil
- Tijolos- Telhas- Azulejos e ladrilhos- Sanitários- Lavatórios- Pavimentos- Etc...
Na indústria
- Material de laboratório- Revestimento de fornos- Suportes refractários- Acessórios de equipamentos- Material eléctrico- Isolamento térmico- Etc...
Na habitação
- Louça de mesa, chá e café- Louça de forno- Peças decorativas- Utilidades de jardim- Paineis de azulejos- Acessórios diversos- Etc...

Recomendações, Inconvenientes e Precauções a Observar na Utilização de Produtos Cerâmicos.

A evolução registada, durante a segunda metade do século XX, nas exigências legais a observar em todo o tipo de produtos, obrigaram os fabricantes cerâmicos a adequarem os seus métodos e formas de fabrico às novas realidades, com a consequente necessidade de acompanhar as inovações e a responder às novas solicitações dos consumidores.Tendo em conta o fim a que se destinam, podemos sintetizar as recomendações, inconvenientes e precauções a ter nos quatro tipos de utilizações que requerem cuidados particulares:

1 - Produtos cerâmicos que contactam com alimentos
Todas as peças que contactam com alimentos devem, quando decoradas, ter a decoração por debaixo do vidrado, de forma a evitar o contacto directo dos alimentos com a tinta das decorações, prevenindo eventuais contaminações, assim como a descoloração das decorações (frequentemente olhamos para as peças dum serviço e verificamos estarem com cores muito diferentes, principalmente quando têm filagens ou outras aplicações de ouro – as peças com decorações por cima do vidrado, ou com aplicações de ouro, devem ser evitadas nos usos domésticos, nomeadamente quando são sujeitas aos fornos micro-ondas ou às máquinas de lavar louça). Para minimizar o eventual efeito da contaminação dos alimentos com as tintas, quando a decoração é por cima do vidrado, tem vindo a ser imposto, pelas autoridades de quase todos os países, um controlo apertado do teor máximo que pode ser libertado dos metais empregues nas tintas, nomeadamente de chumbo e cádmio.Por outro lado, não é recomendável (nalguns países até é proibido) usar produtos cerâmicos porosos na confecção e transporte de alimentos, já que há o forte risco de se infiltrarem resíduos de alimentos nas partes não vidradas e fendilhadas das peças, com a consequente criação de germens patogénicos que poderão causar perturbações gastro-intestinais, além de os produtos cerâmicos porosos serem mais susceptíveis de racharem, nomeadamente quando usados nos fornos micro-ondas e nas máquinas de lavar louça.Como exemplo de produtos a serem evitados para confecção de alimentos, apesar de muito populares e, até, serem recomendados por “especialistas” de culinária, são alguns tipos de barro vermelho. Trata-se dum produto poroso, logo dos mais frágeis, como, também, ser ainda frequente o uso de chumbo na composição do seu vidrado (cozido a baixa temperatura), pelo que é fácilmente atacado pelos elementos ácidos existentes nos alimentos, nomeadamente o limão ou o vinagre, que, atacando a superfície do vidrado, transportam para os molhos e para os alimentos os metais existentes na composição desse vidrado.Não é por acaso que se diz que os assados nas assadeiras de barro vermelho ficam mais saborosos, principalmente quando as assadeiras são novas com aquele aspecto brilhante tentador. Na verdade, ficam mais saborosos porque o chumbo é um metal com sabor agradável. Só que é tóxico!Como recomendação, quando queremos peças cerâmicas para confeccionar e transportar alimentos, devemos optar por produtos cerâmicos não porosos (porcelana, grés, vidro e pirex) e com decoração por debaixo do vidrado. Para distinguirmos se um produto é ou não poroso basta seguir as hipóteses práticas atrás enunciadas na caracterização básica dos produtos cerâmicos. Para distinguirmos uma peça com decoração por cima do vidrado de outra com decoração por debaixo do vidrado, basta passarmos os dedos levemente por cima dos locais decorados. Se sentirmos alguma aspereza é porque estamos a contactar directamente com a decoração, logo é decoração por cima do vidrado. Se não sentirmos qualquer aspereza e, apenas, o toque macio da superfície vidrada, então estamos na presença duma peça com decoração por debaixo do vidrado.Existe, ainda, uma outra forma de decoração: incorporada no vidrado, o que quer dizer que a decoração foi aplicada por cima do vidrado e foi cozida à temperatura de fusão deste. Este tipo de decoração tem, praticamente, o mesmo campo de aplicações das decorações por debaixo do vidrado.

2 – Produtos cerâmicos sujeitos a condições ambientais adversas
Várias situações se podem colocar neste capítulo: locais exteriores, sujeitos ao sol, à chuva e a temperaturas extremas; locais interiores sujeitos a humidades e a amplitudes térmicas significativas; locais com forte probabilidade de ocorrência de solicitações ao choque.Como exemplos poderemos citar os painéis de azulejos, os objectos decorativos de exterior e os objectos de natureza lúdica (peças de jogos).Em todos estes casos, estamos perante situações em que é conveniente dispormos de peças cerâmicas com um reduzido, ou quase nulo, coeficiente de dilatação, para suportarem variações de temperatura sem o risco de fendilharem ou partirem. É, também, necessário que as peças não disponham de qualquer possibilidade de absorverem água e de aguentarem esforços mecânicos razoáveis, tendo em conta que os materiais cerâmicos não são inquebráveis.Neste sentido, é fundamental que a opção se diriga para produtos cerâmicos não porosos, resistentes a algumas solicitações mecânicas, de que são exemplo o grés e a porcelana, que, sendo decorados, o sejam por debaixo do vidrado (ou com a decoração incorporada no vidrado).

3 – Produtos cerâmicos para fins sanitários e de revestimento
Neste caso, estamos perante situações comuns e que, normalmente, dependem mais dos construtores civis do que do consumidor no seu dia a dia.No caso dos produtos cerâmicos para fins sanitários, de que os exemplos mais frequentes são os lavatórios, bidés e sanitas, em que só se utiliza, e ainda bem, o grés e a porcelana, já que é absolutamente necessário que se utilize produtos não porosos e com resistência mecânica. No entanto, ainda há no mercado algumas peças deste tipo em faiança, o que é fortemente desaconselhado.No caso dos materiais de revestimento para chão e paredes, importa ter em conta que, tratando-se, normalmente, de áreas com dimensões significativas, tem-se cedido a qualidade dos materiais em detrimento dos custos. Podemos dizer que, actualmente, todos os pavimentos são já (e bem) em grés, mas no caso da azulejaria de revestimento ainda se utiliza, na maioria dos casos, azulejos de faiança, com inconvenientes consideráveis, mas que, dado o custo significativamente inferior os torna ainda fortemente presentes no mercado. É que, como já sabemos, a faiança é porosa e tem baixa resistância mecânica, pelo que é frequente, num tempo de vida curto, o aparecimento de azulejos fendilhados e, até, partidos, danificando uma estética que, em muitos casos se deseja manter, além de se perder a capacidade de isolamento que se requer a um revestimento. Pelo menos, nas zonas contíguas aos lava-louças, lavatórios, banheiras e outras zonas afins, dever-se-á aplicar azulejos de grés ou porcelana. Mas, recomenda-se que todos os revestimentos sejam constituídos por materiais não porosos e mecanicamente resistentes (grés e porcelana),pois, além dos requisitos físicos serem melhores, possibilitam uma estética decorativa de maior alcance, nomeadamente quando se trata de azulejos de porcelana. Tal recomendação é mais fortemente sugerida quando se trata de revestimentos exteriores, assim como nos revestimentos de tanques e piscinas, em que devem ser feitos somente com materiais não porosos e resistentes mecanicamente.Refira-se, ainda, o caso das lareiras e fogões de sala, cujo revestimento é feito de placas e tijolos refractários. A composição e fabrico destes materiais refractários têm em conta a necessidade de resistirem a grandes amplitudes térmicas e a solicitações mecânicas consideráveis. Também aqui o consumidor, normalmente, não interfere na escolha dos materiais, já que os fogões de sala e as lareiras vêm equipadas de origem na sua quase totalidade. Importa, no entanto, ter em conta que na proximidade das lareiras e fogões de sala não devem ser aplicados materiais com grandes coeficientes de dilatação, nomeadamente nas paredes adjacentes em que os azulejos, caso existam, devem ser de grés ou porcelana.

4 – Produtos cerâmicos para fins decorativos de interior
Trata-se da situação menos exigente do ponto de vista das solicitações a que os produtos cerâmicos vão ser sujeitos.Logo, aqui, pode ser o efeito estético o mais preponderante, pelo que qualquer produto cerâmico pode ser utilizado. Importa, no entanto, ter em conta as características de cada produto de forma a que não surjam surpresas desagradáveis, Por exemplo, no caso de se optar por produtos porosos, é natural o aparecimento de fendilhagem nas peças ao fim de algum tempo (por vezes já estão à venda com o vidrado fendilhado). No caso de jarras este aspecto é grave, pois, tratando-se dum produto poroso, a água que se encontra no interior escorre pelo corpo da jarra (é um produto poroso) para o pé e marca os móveis onde está pousada.Por outro lado, tendo em conta que os efeitos decorativos desejados são valorizados com as peças cerâmicas utilizadas, convem ter em conta que quanto melhor for o produto cerâmico mais se valoriza esteticamente o espaço. Por exemplo, utilizando a porcelana pode-se tirar partido da sua capacidade de translucidez o que valoriza extraordinariamente qualquer efeito decorativo.

A Relação Qualidade/Preço
O preço não é tudo num produto cerâmico. De que adianta comprar um painel de azulejos mais barato se passado pouco tempo o vidrado começa a fendilhar e os azulejos caem , destruindo aquilo que queriamos que fosse um adereço de longa duração? De que adianta comprarmos uma peça mais barata se ela vai partir com mais facilidade nos fornos ou na máquina de lavar louça? De que adianta comprarmos uma peça com uma decoração muito rica se essa decoração vai descorar fácilmente perdendo-se todo o efeito de conjunto e estético? De que adianta comprarmos uma jarra mais barata se passado algum tempo (ou até logo no dia seguinte) ela passa a deixar a marca do fundo nos móveis estragando-os e degradando a estética da peça?Muitas vezes (quase sempre) somos condicionados pelo preço, na compra de um produto cerâmico, esquecendo que uma peça barata, mas que, por exemplo, quebre mais facilmente, acaba por ficar, ao fim de pouco tempo, mais cara do que outra peça com preço mais alto mas com maior resistência mecânica. Além de que as peças com melhores características físicas produzem efeitos estéticos de maior beleza.Espero que o que atrás fica dito, num tom que quis leve e fácil de entender por não especialistas, possa ser útil para quem gosta de saber o que utiliza e porque utiliza.

Características dalguns Materiais Cerâmicos
Porosidade(absorve resíduos)
Tendência para a fendilhagem
Resistência
Adequação
Estética
Choque mecânico
Choque térmico
Micro-ondas
Máquina de lavar
Congelador
Barro11231111
Faiança22221113
Grés55455553
Vidro55114453
Pirex55144453
Porcelana
55555555

1 – Pior
5 – Melhor

Ficha TécnicaTítulo:A Cerâmica no dia-a-dia
Autor:Manuel Almeida dos Santos
Composição Gráfica:Alexandra Manuela Santos MartinsFernando Manuel Sousa MartinsTiragem:100 Exemplares
Depósito Legal nº:244298/06Junho de 2006

Prisões: Que Esperança?

Prisões: Que Esperança?

Há 20 anos Emídio Santana, vulto destacado do pensamento português do século XX e um dos que mais pugnou, além do mais, pelo respeito pela dignidade humana, deixou-nos um testemunho onde descreve a crueldade, a ineficácia e a desumanidade do aparelho de justiça em geral e do sistema prisional em particular, publicado pela Assírio e Alvim com o título “Onde o homem acaba e a maldição começa”. No prefácio a este livro começa por dizer-nos Emídio Santana:
As prisões, lugares de expiação penal, absolutamente confinadas no seu espaço de reclusão e de exclusão, à margem da sociedade e no seu segredo, reservam-se no seu silêncio e isolamento como o instituto «da dor, sofrimento e expiação». São uns constantes aglomerados de gente em forçado convívio e fechado na sua adversidade, como lugares de maldição que apenas degradam mas não redimem, nem reabilitam, um submundo agreste envolvido no silêncio e na proscrição, um inferno próximo de todos nós, que estigmatiza e não suscita compaixão.….Neste meio confinado de todas as horas, de todos os dramas de cada um, fermentam também, naturalmente, os sedimentos dos desejos, das vontades e das necessidade reprimidas como do desespero em busca de qualquer satisfação e que se manifestam ou afloram de várias maneiras. Será sempre o homem com os ímpetos vitais como serão também os seus próprios dramas que sofreram ou estão vivendo, como ainda o que o próprio cárcere exacerba no seu isolamento e amargura porque é somente o lugar de punição que o amaldiçoa para sempre.……….Hoje as cadeias regorgitam de encarcerados como é do domínio público e pelos conflitos que têm ocorrido. Pode-se assim avaliar o que será o drama no interior das cadeias quando o sistema funciona arbitrariamente na presunção de ser a defesa da sociedade.……..”
Isto era assim em meados do século passado (Michel Foucault, no seu livro “Vigiar e Punir”, diz-nos que nos últimos dois séculos o sistema de justiça tem mantido características de desumanidade de forma permanente).
Neste início do século XXI teremos um panorama muito diferente?
Infelizmente a resposta não pode ser positiva. Vejamos porquê, num retrato da situação das prisões na actualidade (Os dados estatísticos referem-se a finais de 2006 e a 2007).
Nos últimos tempos a população prisional em Portugal tem vindo a descer dos mais de 13.000 reclusos em 2004 para 11.675 reclusos em 31 de Dezembro de 2007. Mesmo assim, Portugal é dos países europeus um dos que têm maior taxa de reclusão (cerca de 110 reclusos por 100.000 habitantes). Para esta população prisional estão directamente afectos cerca de 6.100 funcionários públicos, dos quais 4.500 guardas prisionais. Do total de reclusos 20% eram estrangeiros e as mulheres eram 7% do total de reclusos. A taxa de reincidência era superior a 50%, sendo de cerca de 80% o total de reclusos que cumpria penas superiores a 3 anos.Mais de 50% dos reclusos não tinha ocupação aquando da prisão e 45% eram portadores de doenças na altura do início do cumprimento da pena. A maioria dos crimes (55% nos homens e 80% nas mulheres) estão ligados à droga. Mais de 50% eram toxicodependentes e a maioria continuou a consumir droga no interior das prisões. Cerca de 70% dos reclusos não tem qualquer ocupação e 45% padece de algum tipo de doença.Os gastos com os serviços de saúde nas prisões são de mais de 30 milhões de euros anuais e só em medicamentos são gastos mais de 10 milhões de euros por ano, na maioria em psicotrópicos (60% do pessoal médico e paramédico têm vínculo precário). Há cerca de 100 crianças a morarem com as mães nas prisões e um elevado número de crianças, que vivem em liberdade com familiares ou tutores, vão passar o fim de semana com as mães às prisões.A maioria dos reclusos que trabalham nas prisões exercem a actividade de faxinas, com salários inferiores a € 1,00 por hora, praticando as cantinas das prisões preços superiores aos verificados no exterior (nalguns casos superiores em 40%) em artigos necessários aos reclusos.A alimentação de um recluso custa menos de € 5,00 por dia, para todas as refeições (Pequeno almoço, almoço, jantar e lanche de reforço para a noite).As habilitações literárias dos reclusos variam entre 10% de analfabetos, 40% com o 1º ciclo do ensino básico, 40% com o 2º e 3º ciclos e 10% com formação de ensino secundário e superior.Para este universo existiam em Portugal 52 prisões, nas instâncias judiciais e fiscais portuguesas estavam pendentes cerca de dois milhões de processos e quase 200.000 portugueses encontravam-se afectos a organizações de segurança e justiça.
E como é a vida no interior das prisões?
Vejamos o retrato que nos deixou Emídio Santana:
O condenado que entra numa penitenciária é como uma mercadoria que se arrecada num armazém. Toma o registo e um número que lhe é posto como uma etiqueta permanente, que substitui todas as designações anteriores que usava até aí, e é arrecadado na sua cela.Tem um período de adaptação e de silêncio durante o qual, acidentalmente, começa a ver outras mercadorias semelhantes e então, pouco a pouco, vai entrando no abismo dos malditos, dos ex-homens, com os seus conflitos e farrapos de tragédia, mas também e de algum modo, com a vida que continua exigindo os seus direitos, a dor e a comédia como o traquejo para sobreviver.……O dia a dia é sempre monótono e desgastante com o seu quotidiano de farsa e de tragédia, de loucura e rebeldia.”
E qual é o retrato que nos é dado por responsáveis actuais pelo sistema de justiça?O Ministro da Justiça, Dr. Alberto Costa, declarou que o sistema penitenciário clássico falhou nos seus propósitos. O Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Dr. António Clunny, expressou que o actual sistema de justiça está fora deste tempo e deste modelo de sociedade. O Dr. Germano Marques da Silva, professor de Direito Penal, manifestou a sua opinião de que a experiência dos últimos 200 anos tem sido um fracasso e que as prisões não reinserem mas, por vezes, fomentam a própria criminalidade, custando, além disso, muito dinheiro. O Dr. Diogo Lacerda Machado, ex-Secretário de Estado da Justiça, constatou que 75% das decisões dos tribunais são de forma e não de fundo, sendo que nos últimos 30 anos a população prisional e os meios financeiros para a justiça triplicaram, ao passo que o número de processos aumentou vinte vezes (cada processo concluído custa, em média, cerca de € 12.500 ao Estado). O actual Sub-director Geral dos Serviços Prisionais, Dr. João Guimas, expressou a sua opinião, já em Janeiro de 2008, de que o sistema prisional falhou em toda a linha e de que este sistema facilita a carreira criminosa.
O Orçamento Geral de Estado para 2008 consigna para o Ministério da Justiça o valor de € 1.215.531.227,00 e deste total está afecto aos Serviços de Investigação, Prisionais e de Reinserção (SIPR) o valor de € 328.990.981,00. Estes valores representam, relativamente a 2007, uma subida de 2% para o Ministério da Justiça mas uma descida de 1,7% para os SIPR.
A esta dimensão poder-se-ia acrescentar muitas outras vertentes.
Por exemplo, o número de voluntários autorizados a exercerem a sua missão humanitária no interior das prisões ultrapassa o milhar de pessoas, pertencentes a mais de sessenta instituições, nomeadamente religiosas.Como pessoa pertencendo a este grupo de visitadores posso constatar que, no meu contacto com reclusos e reclusas, vejo um horizonte muito sombrio no caso de não se produzir uma mudança radical no actual sistema social, de justiça e penitenciário. Dos testemunhos que vou tendo nas visitas semanais que faço às prisões, raros são os casos de perspectiva positiva perante o futuro dos reclusos. O mais frequente é a continuação da delinquência como horizonte.Um recluso, a cumprir a sua 3ª sentença de cinco anos por furto (já tinha cumprido duas sentenças anteriores por crimes semelhantes), relatou-me o que se passou à chegada a casa na última vez em que saiu em liberdade:
Cheguei a casa, sem qualquer ajuda do Instituto de Reinserção Social, e a minha mãe disse-me logo: Rapaz, vê lá se arranjas emprego porque somos pobres e não temos condições para te sustentar muito tempo sem ganhares dinheiro. No dia seguinte tentei algumas fábricas mas nada consegui porque ao dizer que tinha estado preso logo me diziam que não precisavam de pessoal. Cheguei a casa e não tinha resposta para a minha mãe. No dia seguinte passou-se o mesmo. Ao 3º dia fui roubar e cheguei a casa com dinheiro. Continuei assim até voltar a ser preso. Agora, quando voltar a ser libertado não tenho dúvidas que vou retornar ao mesmo: roubar. ”
Um outro ex-recluso confessou que “é quase impossível resistir à tentação de regressar à vida do crime, que possibilita altos rendimentos e o acesso ás coisas boas, quando a alternativa é um emprego pago com o salário mínimo.
Mas o contacto com os reclusos mostra-nos que o ser humano continua a existir, desde que a oportunidade certa seja possível, e que essa humanidade se expressa com valores muito altos. Há casos de reclusas que, sendo mães, guardam todos os géneros alimentícios que podem das suas refeições nas prisões (fruta, doces, bolachas) para enviarem para os seus filhos que, muitas vezes, ficam ao cuidado dos vizinhos ou de outros familiares.Infelizmente, quer as condições no interior das prisões, quer a sensibilidade da comunidade para com os presidiários, não ajudam a reabilitação e a prevenção de reincidência. O Padre Georgino Rocha, professor da Universidade Católica, constata que enquanto a situação no interior das prisões estiver como está, não nos encontramos em vivência cristã (Mais de 90% dos portugueses assumem-se como cristãos). Por outro lado, o Provedor de Justiça, no seu relatório sobre as prisões, diz que não é possível aspirar a qualquer tratamento de mínima qualidade no combate à reincidência.Além de tudo isto, é muito elevado o número de casais que se divorciam com a reclusão de um dos seus membros, dificultando a recuperação do recluso. Por outro lado, não é difícil adivinhar como se processa um divórcio com um dos cônjuges preso e a sua limitada capacidade de intervenção na partilha de bens e regulação do poder paternal. Tudo se processa através do advogado que o visita esporadicamente, a quem o preso não pode pagar pois, normalmente, o outro cônjuge não lhe permite o acesso aos meios que eram do casal. Em muitos casos, o recluso fica sem família e sem meios.
Há perspectiva de uma modificação significativa?
Com a propensão do Estado em diminuir o seu papel como interveniente na definição dum quadro social assente numa perspectiva humanista (o modelo repressivo é aquele que, actualmente, mais conquista a maioria dos cidadãos) – dois milhões de portugueses vivem em situação de pobreza e nos primeiros 4 anos deste século XXI a Europa dos 15 (a Europa rica) gerou mais um milhão de pobres em cada ano a acrescentar às dezenas de milhões já existentes – importa encontrar resposta para a questão levantada por Frei Bento Domingues:” A quem aproveita o desenvolvimento? Como é possível deixar uns afundados na miséria e outros no luxo?”O arrepiar do caminho que nos está a levar para um beco sem saída, que não reinsere os delinquentes nem assegura a reparação às vítimas (estas são duplamente vítimas – do crime que as afectou e deste sistema de justiça), tem de passar pela prioridade à diminuição da conflituosidade, ao invés do que se está a passar em que a prioridade é dada aos meios repressivos. A sucessiva dotação de mais meios para a repressão – mais tribunais, mais juízes, mais oficiais de justiça, mais prisões, mais guardas prisionais, mais polícias, mais esquadras, mais multas e mais pesadas, etc… - não tem tido resultados. Se este reforço de meios fosse dedicado a uma política assumida de diminuição da conflituosidade na sociedade os resultados seriam muito melhores em todos os sentidos.A aposta na repressão nunca, ao longo da história, foi o caminho para uma sociedade melhor. Mesmo na actualidade, nos países em que o sistema penal é mais repressivo (China, Rússia, Estados Unidos da América) é onde se verifica maior taxa de criminalidade e de reclusão. Logo, o modelo repressivo não é dissuasor da prática criminosa, quase parecendo provar-se o contrário: quando maior é a repressão maior é a taxa de criminalidade.Acresce que a imagem do Estado perante os cidadãos deixou de ser influenciadora de comportamentos ditos civilizados. A forma de funcionamento dos diferentes órgãos de soberania e dos partidos políticos com acusações de todo o tipo em guerrilha permanente, o envolvimento de altos responsáveis em acções censuráveis do ponto de vista criminal e ético, o desmantelamento acelerado do “Estado Social” com a colocação de faixas enormes de pessoas em situação desprotegida (25% dos jovens dos países que integram a Organização Internacional de Trabalho vivem com menos de dois euros por dia), enfim, o apagar da figura do Estado como pessoa de bem, não são exemplos propiciadores duma tendência para a diminuição da criminalidade.
A desumanidade que conduz à insegurança, à delinquência e à criminalidade não está só nos criminosos que vão parar às prisões. Está, também, em quem tem a responsabilidade de conduzir as estruturas da sociedade com observância dos direitos universalmente consagrados, a que estão obrigados por força da ratificação dos instrumentos legais aprovados, mas que, ao arrepio desses valores, colocam os interesses pessoais e dos lobbies que os sustentam acima do respeito pelos direitos dos cidadãos a quem deviam servir. E a situação não é pior porque a marginalidade social crescente que não encontra resposta nas estruturas do Estado vai sendo atenuada por organizações de voluntários (Cerca de 80% das políticas de apoio social em Portugal são executadas por organizações ligadas à Igreja Católica). Além disso, a maioria que se encontra fora das margens é, normalmente, sustentáculo para o status quo.Etiene de la Boetie, filósofo francês do século XVI, dá-nos um exemplo claro deste comportamento no seu livro Discurso sobre a Servidão Voluntária:“ É espantoso como o povo se deixa levar pelas cócegas. Os teatros, os jogos, as farsas, os espectáculos, as feras exóticas, as medalhas, os quadros e outras bugigangas eram para os povos antigos engodos de servidão, preço da liberdade, instrumentos de tirania. Deste meio, desta prática, destes engodos se serviam os tiranos para manterem os súbditos sob o jugo. ……. Os tiranos ofereciam o quarto de trigo, o sesteiro de vinho e o sestércio. ……. Nem o mais esclarecido de todos eles trocaria a malga da sopa pela liberdade da república de Platão. ……. O povo sempre assim foi.”Ouçamos ainda Nietzsche: Ai! Onde se praticam mais loucuras do que entre os misericordiosos? E haverá no mundo maior causa de sofrimento do que as loucuras dos misericordiosos? Pobres dos que amam, se não sabem dominar a sua própria piedade. O diabo falou-me assim um dia: “Deus também tem o seu inferno; é o seu amor pelos homens”. E recentemente ouvi-lhe dizer estas palavras “Deus morreu; foi a sua piedade pelos homens que o matou”. Assim falava Zaratustra.
Tem sido a incapacidade humana de perspectivar um outro caminho para o tratamento da delinquência que faz com que cheguemos ao século XXI com os mesmos problemas do passado.Michel Foucault, em Vigiar e Punir, constata: “Vamos admitir que a lei se destine a definir infracções, que o aparelho penal tenha como função julgá-las e que a prisão seja o instrumento da repressão; temos então que passar um atestado de fracasso. Ou antes – pois para estabelecê-la em termos históricos seria preciso poder medir a incidência da penalidade de detenção no nível global da criminalidade - temos que nos admirar de que há 150 anos a proclamação do fracasso da prisão se acompanhe sempre da sua manutenção. A única alternativa realmente apontada foi a deportação que a Inglaterra abandonara desde o começo do século XIX e que a França retomou sob o Segundo Império, mas antes como uma forma ao mesmo tempo rigorosa e longínqua de encarceramento.”
O caminho para a prevenção e tratamento dos conflitos tem de passar por uma mudança profunda das políticas que estão a ser seguidas. O modelo repressivo não defende os interesses das vítimas, não repara os danos do crime, não dissuade da prática de novos crimes nem reinsere os ex-reclusos numa sociedade em que os valores do perdão, da misericórdia, da paz e da concórdia estão submergidos. A prática da cordialidade tem de se sobrepor à da agressividade, não devendo ser delegada na repressão a solução para a conflituosidade.Tem de ser incrementada a obrigação moral de combate à solidão, à marginalidade, aos maus tratos e ao abandono (… mas as crianças Senhor? Porque lhes dais tanta dor? Porque padecem assim?). Deve ser separado o erro e a infracção (corrigindo e perdoando, com recurso aos tribunais arbitrais e à justiça restaurativa, por exemplo) da patologia e da anormalidade (que são tratadas noutras instâncias que não nas prisões). Deve ser fomentada a relação fraterna com os outros rejeitando o ódio, a vingança e a indiferença. Tem de ser aumentada a cultura humanista, relevando os sentidos da honra, da vergonha, do exemplo e da boa-fé.Muitas centenas de pessoas com ligações às prisões (funcionários, visitadores, religiosos, etc…), vão tentando, junto dos reclusos e das suas famílias, que se inverta o caminho para a queda no precipício, que não haja mais vítimas, que não haja sofrimento em consequência de actos censuráveis e desnecessários. Mas o êxito destas acções está comprometido pela evolução social actual. Com os níveis de desemprego e de trabalho precário, com o aumento de pessoas em situação de pobreza, com o agravar da iletracia, o caminho para a prática de actos anti-sociais está facilitado. Ainda recentemente, numa conferência internacional “Por um desenvolvimento global e solidário – um compromisso de cidadania”, promovida pela Comissão Nacional de Justiça e Paz, se concluiu:“Há cerca de vinte anos que existem no País programas mais ou menos compreensivos de luta contra a pobreza, integrados nos programas correspondentes de âmbito europeu. Muito se aprendeu e se fez no decurso deste tempo. Ocorre, no entanto, perguntar a razão por que, não obstante esse esforço rodeado de grandes expectativas, persistem situações como as seguintes:- A taxa de pobreza no País tem-se mantido quase constante, à volta dos 20%, taxa que corresponde a cerca de 2 milhões de portugueses;- Durante o período 1995-2000 passaram pela pobreza (em pelo menos um ano), 47% das famílias portugueses, dentre as quais 72% foram pobres durante 2 ou mais anos;- 40% dos representantes desses agregados familiares eram pessoas empregadas por conta doutrem ou por conta própria e a percentagem dos reformados era superior a 30%;- É anormalmente elevada, no contexto europeu, a transmissão geracional da pobreza.”Obviamente que isto tem reflexo nos comportamentos anti-sociais, nomeadamente na delinquência e, por consequência, no caminho para a prisão. Não é por acaso que a população prisional em Portugal se situa num dos níveis percentuais mais elevados da União Europeia.
A Amnistia Internacional, no seu relatório anual de 2007, denuncia:De acordo com a Direcção Geral dos Serviços Prisionais, em Maio de 2006, 70% das cadeias tinham a lotação acima das suas capacidades inicialmente previstas, (…) tinham mais do dobro do número previsto de prisioneiros. A sobrelotação diminuiu os recursos disponíveis para cada recluso e agravou as deficientes condições de higiene e a transmissão de doenças infecciosas. Das 91 mortes de reclusos durante 2006, 74 foram devido a doença, 14 foram causadas por suicídio e três foram registadas como homicídio.Em Junho o Ministro Alberto Costa anunciou os planos do governo para encerrar 22 cadeias e alargar outras, aumentando a capacidade total de 12.000 para 14.500 pessoas.
Como se está a ver o objectivo não é diminuir o número de reclusos mas sim aumentar a lotação das prisões. É espantoso que numa sociedade que se reclama humanista vejamos as medidas governamentais apostarem no acréscimo dos meios repressivos, enquanto se assiste a um proclamar de ausência de condições económicas para melhorar as condições sociais que levariam à diminuição da delinquência e, por conseguinte, à diminuição do número de presos, com as consequências nas relações de cidadania e na diminuição das rupturas dos laços familiares.As recentes alterações aos códigos penal e do processo penal são um reconhecimento da ineficácia do sistema prisional. Amenizaram o excessivo carácter repressivo dos códigos anteriores e introduziram medidas que substitui a prisão por outras formas de censura e reparação dos danos causados pelos delinquentes.
Mas as questões de fundo continuam de pé.É urgente arrepiar caminho. Enquanto assim não for corremos o risco de se poder aplicar às prisões a imagem que Dante nos dá do Inferno na Divina Comédia: Vós que entrais, abandonai toda a esperança!Não podemos aceitar passivamente, em nome dos direitos humanos universalmente consagrados, que se mantenham fundadas suspeitas da continuidade da imagem deixada porEmídio Santana:
É afinal o submundo dos ex-homens, dos malditos e dos proscritos, o lugar onde o homem acaba e a maldição começa com o seu quotidiano e onde todos os problemas humanos se enxergam e se colhem numa infernal cultura ou nos pormenores de várias tragédias humanas arquivadas nos registos judiciais que, quando vistos em separado, se tornam nítidos e explícitos.”
Prisões. Que esperança?

10/09/2007

O Triunfo dos Porcos

O Triunfo dos Porcos

Com mais ou menos felicidade, o Triunfo dos Porcos é uma das traduções que é dada a um dos mais conhecidos livros (Animal Farm) de George Orwell. Este escritor, falecido em 1950, não teve a felicidade de viver no tempo presente, já que, se fosse vivo, não teria necessidade de substituir os detentores do poder por porcos, pois temos hoje no poder quem se adeqúe perfeitamente ao cenário criado por Orwell.
Triste realidade aquela em que vivemos. Os valores que erigimos, nos quarenta anos seguintes à segunda guerra mundial, e que constam dos inúmeros tratados, convenções e declarações internacionais são letra morta para os porcos, pois, como animais iletrados, não os compreendem. A solidariedade, a tolerância, a fraternidade e o espírito de servir são, pelos porcos, substituídos por aquilo que só sabem fazer: servir-se. A gamela onde se servem é sempre pequena para o seu apetite. E é vê-los clamar: a ração é baixa, pois temos de atrair os mais competentes e estes só são sensíveis à quantidade de ração, já que os valores humanos, para eles, não contam; têm de aumentar as nossas rações e os nossos parentes e amigos também têm de comer da gamela. E lá vão criando gamelas e mais gamelas, exigindo que os novos escravos lá ponham as rações. Se para isso se tem de diminuir as comparticipações nos custos com a saúde, se houver que diminuir as comparticipações com a segurança social, se piorar a qualidade do sistema educativo, se o sistema fiscal persegue o pequeno contribuinte de forma vampiresca, pouco importa. A ração para os detentores do poder é que tem de aumentar! Quer seja em remunerações, ajudas de custo, subsídios diversos, viaturas de uso pessoal, cartões de crédito, telefones gratuitos, viagens com companhia (aprovadas por unanimidade), etc, etc, etc... . E é vê-los debitar teorias para se produzirem mais rações. “É preciso criar sinergias!” dizem uns; “Temos de fazer parcerias!” dizem outros; “Os escravos têm pouca produtividade!” concluem enfurecidos.E os valores emanados da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos Pactos Internacionais dos Direitos Civis, Políticos, Económicos, Sociais e Culturais ? Estão fora do tempo, pois foram criados para uma sociedade de pessoas, mas em “O Triunfo dos Porcos” os porcos são iletrados e, portanto, o que não se percebe não se pratica.
Os porcos são, por natureza, ignorantes, obcecados, incultos, em suma: primários. E em vez de liberdade temos repressão (nunca o Estado teve tantos servidores nos organismos dedicados à repressão), em vez de solidariedade temos egoísmo, em vez igualdade temos desigualdade, em vez de fraternidade temos solidão, em vez de democracia temos plutocracia.E como conseguir fazer vencer que a realidade é que os seres humanos competentes dedicam-se por princípios e não pela quantidade de ração? Aqueles cuja motivação é o tamanho da gamela nunca terão a sua presumida competência preocupada com o servir a comunidade, mas sim em servir-se da comunidade.A gravidade do momento é tal que a modificação deste estado de coisas já parece só ser possível com uma nova ordem política, económica, social e cultural. Mas os porcos não estão para aí virados pois isso fá-los-à saltar das gamelas.
E como correr com os porcos?
Tempos difíceis se avizinham.

O Terrorismo no Triunfo da Polícia e do Medo

O Terrorismo no Triunfo da Polícia e do Medo

Parece haver uma contradição na proclamação simultânea do triunfo da polícia e do medo, já que seria de esperar que quando a polícia triunfa é porque foi reforçada a segurança dos cidadãos e, por conseguinte, a diminuição do sentimento de medo.E pode-se dizer que há um triunfo da polícia, em sentido restrito, e dos órgãos intervenientes na justiça, em sentido lato? Pode-se! Mas não no sentido da sua participação na diminuição da insegurança, na diminuição da criminalidade e numa postura de cidadania (ainda não há muitos anos os polícias tinham a alcunha de “cívicos”), mas sim no contínuo reforço, nem sempre justificado, de mecanismos postos à sua disposição, com perda dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Após a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Organização das Nações Unidas, em 10 de Dezembro de 1948, a humanidade encetou um caminho de construção dum conjunto de pilares que proporcionassem à comunidade mundial uma convivência mais harmoniosa, solidária e de valorização dos referenciais de cidadania. Neste sentido, foram aprovados os Pactos Internacionais dos Direitos Civis e Políticos e dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, a Convenção dos Direitos da Criança, a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desunamos e Degradantes, a Convenção contra Todas as Formas de Discriminação Racial, Os Princípios e Regras Para o Tratamento de Reclusos, etc…, etc…, etc… .
Passados mais de 50 anos da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a comunidade internacional passou a dispor de mais de duas dezenas de grandes instrumentos jurídicos de respeito, valorização e promoção dos direitos humanos universalmente consagrados, que estão em vigor em mais de 100 países, em que se incluem todos os que integram a União Europeia, já que a ratificação desses instrumentos os tornou Estados-Parte e, portanto, vinculados à sua observância.
Enquanto se foi construindo este caminho, assistimos a manifestações alargadas de regozijo pelos passos dados e, também, a declarações permanentes de respeito pelos compromissos assumidos, por parte de muitos dirigentes políticos actualmente no poder, assistindo-se ainda, até há pouco tempo, a um progresso efectivo assinalável no campo dos direitos civis, políticos, culturais, económicos e sociais.
De repente, parece que tudo o que se construiu de nada vale. Nos últimos anos assiste-se a um retrocesso preocupante nas declarações de compromisso anteriormente feitas de aprofundamento do já consignado, assim como a posta em causa de princípios até há pouco considerados intocáveis. São as intenções de buscas domiciliárias, de dia e de noite, por parte das forças de segurança sem mandado judicial; é o acesso indiscriminado às agendas telefónicas dos cidadãos com o arquivamento do registo de todas as chamadas telefónicas efectuadas; é o possível não conhecimento, injustificado, do executado da penhora de bens por solicitadores judiciais; é o cruzamento de bases de dados das mais diversas instituições com prejuízo do direito de salvaguarda da vida privada; é a criação de figuras jurídicas aberrantes para permitirem a detenção e o tratamento degradante de presumíveis terroristas (muitos dos detidos foram libertados sem acusação, após anos de detenção!); é a constatação da ineficácia e inutilidade do sistema prisional, apesar do crescente aumento do número de presos, de prisões, de juízes e de tribunais, com os custos inerentes que começam a ser insuportáveis, quando o caminho deveria ser o da busca das vias para a diminuição da criminalidade; etc… . E já não se fala na crise social com a precaridade no trabalho (ou a certeza do desemprego), no agravamento do fosso entre pobres e ricos, na passividade (ou com declarações de circunstância) perante o dumping social que a globalização está a criar com o alargar da miséria e da exploração humana em todo o mundo, e por aí fora. Implanta-se um outro medo: o medo de viver.É, enfim, a consumação do 1984 de George Orwell.
Mas, entretanto, continuam em vigor os referenciais de direitos humanos nos países que agora deles se afastam. E porque não assumem a postura ética de derrogarem os instrumentos jurídicos que querem deixar de cumprir? Que legalidade é esta de se ser Estado-Parte dum instrumento jurídico e aceitar servir uma política diferente? Quem ouve as instituições e as pessoas que trabalharam na construção desses instrumentos referenciais a denunciarem o seu incumprimento?Uma sociedade mais segura, tolerante, fraterna, justa e perfeita só é possível com o respeito pelos direitos humanos universalmente consagrados, empregando a força, beleza e sabedoria que conduzem a uma construção sólida. O caminho da repressão, com desrespeito dos valores básicos já aceites como necessários, só conduz à desigualdade, à injustiça, à insegurança, ao ódio e à vingança.
A violência não se combate com mais violência e os Estados não podem ser cultivadores de tal postura. Os Estados têm de ser o exemplo da Cultura da Paz, tão enfaticamente enunciada mas tão pouco visível no tempo presente. A menos que baixemos os braços à constatação de Sophia de Mello Breyner Andresen nos últimos anos de vida: “ A civilização a que chegamos é tão errada que nela o pensamento se desligou da mão”.
O artº 21º da Constituição da República Portuguesa consagra o direito de resistência a qualquer ordem que ofenda os direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não for possível recorrer à autoridade pública. Se eu invocar este preceito constitucional estarei a caminho de ser considerado terrorista?
Agosto - 2005

Quem são os Pais do Big Brother?

Quem são os pais do Big Brother?

Os sinos tocam a rebate! Uma corrente avassaladora de comportamentos que fogem ao padrão do “moralmente correcto” está a pôr os cabelos em pé a um leque alargado de bem pensantes, com eco cada vez mais forte em alguma comunicação social. O Bar da TV e o Big Brother parece que foi a gota que fez transbordar o copo.
E como é que se chegou a tal estado de coisas? Como é que se foi enchendo o copo? Quem é que foi acrescentando conteúdo? Quem ajudou a abrir a caixa de Pandora? Onde estão os responsáveis?
A caracterização dalguns ingredientes que têm vindo a encher o copo não é difícil. Vejamos alguns deles.
O distanciamento cada vez maior entre a lei, a moral e a ética, conduz a que o que importa é ter leis que se adequem aos interesses dominantes, pois tal proporciona a cobertura e a impunidade para os seus procedimentos, sejam eles quais forem. É que o que se ouve nas elevadas instâncias do poder, é a defesa do primado da lei mas não do primado da moral e da ética. E depois ficam impunes os “crimes” das facturas falsas, do Fundo Social Europeu, de Macau e o célebre fax, dos ministros que investem na bolsa em empresas de que têm informação privilegiada, dos pagamentos por fora nas empreitadas de obras públicas, etc... etc..., etc... . A generalização do branqueamento das irregularidades a quem se abriga na corte dos “padrinhos”, utilizando procedimentos legais (prescrições, adiamentos, recursos e, até, alteração do quadro legal se necessário), chega ao cúmulo de se utilizarem de forma criminosa mecanismos que foram criados com fins altruístas e de interesse público. Como exemplo, basta citar que ao abrigo da lei do mecenato, consta-se que algumas entidades que aparecem aos olhos da comunidade como beneméritas, fazem donativos se as instituições que os recebem aceitarem documentos (factura/recibo) do dobro ou triplo do valor, ao que estas acedem pois a sua contabilidade, por serem entidades sem fins lucrativos, enquadra facilmente tal postura. Como os donativos concedidos ao abrigo da lei do mecenato são fortemente majorados, basta fazer as contas para verificar que tais donativos, por dedução no IRS/IRC, se convertem em lucros para quem os faz e possibilita alguns esquemas a quem os recebe. Logo quem é o doador é o cidadão contribuinte sem o saber!
Por outro lado, a governação do mundo, seja qual for a côr política, tem vindo a pautar-se quase só pelos interesses e não pelos princípios, ainda que, hipócritamente, assine e ratifique todos as convenções e tratados acolhendo os valores humanos mais elevados, com os seus dirigentes e ex-dirigentes a encherem páginas dos jornais com uma retórica sublime. Cingindo-me ao caso português , que autoridade moral têm governantes e ex-governantes para virem bradar aos céus, quando, no âmbito das suas funções condecoraram ditadores, torcionários e falsos democratas, como Mobutu, Hassan II e Filipe Gonzalez (não nos esqueçamos da conivência deste ex-primeiro ministro de Espanha na criação dos GAL, que executaram cidadãos bascos com métodos terroristas semelhantes aos que se criticam à ETA)? Que autoridade moral querem ter quando foram responsáveis pelas privatizações de tudo e mais alguma coisa, enfraquecendo o Estado da sua possibilidade de intervenção na gestação de Big Brothers e Bares da TV? Que autoridade moral têm aqueles que defenderam o endeusamento do lucro e andaram (e andam) às palmadinhas nas costas com os tubarões da economia mundial (e o Bar da TV dá lucro)? Que autoridade moral têm aqueles que diminuiram (e diminuem) a importância do vector humanista no sistema de ensino, dizendo que o que precisamos é de mais técnicos e que a prioridade é a sociedade de informação, sem dizerem que o mais importante é sermos melhores pessoas? Que autoridade moral têm aqueles que nada fazem para atenuarem o crescente agravamento do fosso entre ricos e pobres, antes dizem que os políticos estão mal pagos? Quem assim tem procedido (e procede) não são os que estão a gerar o Big Brother e o Bar da TV?
O arrepiar de caminho passa por uma nova abordagem dos valores da sã convivência social e pelo não envolvimento, nesta nova estratégia, de responsáveis coniventes com as causas que nos fizeram chegar a este estado de coisas, de forma a que os novos caminhos não estejam inquinados logo de início.A comunidade não pode continuar a viver num clima de aumento de agressividade e intolerância nos comportamentos quotidianos. Não podemos continuar a assistir passivamente ao desagregar de importantes pilares de sustentação, como por ex., na família (se quiserem chamem-lhe tradicional) e no trabalho (com que desumanidade se assiste ao desmoronar de empresas que eram sustentáculo de valores de cidadania, com base em meros critérios economicistas), correndo o risco de destruição do edifício social.Não podemos continuar a pactuar com a inexistência duma cultura de responsabilidade em todas as esferas de acção, de que os muitos exemplos de leviandade no gerar e criar os filhos são indicadores do egoísmo desumano que prolifera, assistindo-se ao esquecimento no virar de esquina a que são votadas muitas crianças pelos seus progenitores, bastando ver várias situações de divórcio em que os pais e as mães só pensam em si próprios e não nas consequências para os filhos, criando vítimas inocentes.Não podemos continuar a ignorar o terreno pantanoso em que se movem os interesses materiais dos partidos políticos e das empresas que à volta deles gravitam, muitas delas em que altos responsáveis têm interesses directos, incluindo organizações que granjearam respeitabilidade ao longo de anos e agora se tornaram muletas do poder. Sobre estão questão de “Hegemonia do Poder” já há algum tempo escrevi denunciando a promiscuidade entre o poder político e algumas ONG(s). A situação continua a agravar-se.
E depois de tudo isto, que são só meros exemplos, deveremos ter a expectativa de que o poder judicial funcione, de que os professores sejam mestres educativos, de que os cidadãos se relacionem em ambiente de fraternidade? Deveremos ficar, apenas, como consolação, a observar a esperança que ficou sozinha no interior da caixa de Pandora?
É necessário que a mudança seja apoiada em suportes não inquinados, para criar uma justa expectativa de que os referenciais são sólidos e não têm pés de barro.
Neste sentido, os pais do Big Brother e Bar da TV deveriam limitar-se a confessarem os seus pecados, a mostrarem-se arrependidos e a deixarem o caminho livre para quem não tem as mãos sujas.Uma nova dinâmica assente em verdadeiros valores de ética e cidadania tem de emergir rapidamente. Quem estiver disposto a dar-lhe corpo não pode deixar a ribalta para aqueles que são os pais do Big Brother e do Bar da TV.
Abril de 2004

Por uma Cultura de Ética e Cidadania

Por uma cultura de Ética e Cidadania

A humanidade em geral, e os portugueses em particular, encontram-se face a uma dinâmica sócio-económico-cultural que, a não ser alterada, vai tornar ausentes das relações humanas valores tais como a ética e a cidadania.
Os alertas têm vindo a ser dados por vários articulistas nos mais alargados órgãos de comunicação social, mas sem consequências face ao autismo que caracteriza as actuais estruturas do poder político.
Em apoio a esses alertas, sinto que é minha obrigação de cidadão dar testemunho público de que não quero partilhar na construção dos caminhos que conduzem à selva e à desumanidade.
Não podemos continuar passivos com a introdução de novos modelos de escravatura, quer seja na China, na Rússia, nos Estados Unidos da América ou na União Europeia, baseados na precariedade de emprego, na aceitação tácita de elevados níveis de desemprego, na prática de salários e pensões que não permitem as condições básicas duma vida digna, em contraste com remunerações escandalosamente elevadas que vêm ao conhecimento público e, ainda, com o aumento alarmante da pobreza, da exclusão social e do nível angustiante de idosos e crianças abandonadas.
Não podemos continuar passivos com o roubo do património do Estado praticado nas diferentes formas de gestão e alienação de entidades públicas, assim como com o esbulho praticado no fornecimento de serviços públicos essenciais aos cidadãos e, ainda, com o escândalo do aumento das assimetrias de desenvolvimento regional em consequência de decisões injustas da Administração Central.
Não podemos continuar passivos com a aceitação, pela comunidade política internacional, da violação dos direitos humanos universalmente consagrados, de que o exemplo mais recente é a tortura como processo de obtenção de declarações a detidos, ao arrepio de tratados e convenções internacionais de que somos parte.
Não podemos continuar passivos com o branqueamento de comportamentos ilícitos por parte de dirigentes com as mais altas responsabilidades políticas, obtendo benefícios políticos e materiais, quer sejam portugueses ou de outras nacionalidades, para os quais o “estado de direito” se tem revelado ineficaz e, até, complacente, com a agravante de se assistir ao assalto, por parte de lobbies específicos de natureza económica, sexual e outros, aos lugares influentes do sector público.
Não podemos continuar passivos com a leviandade e o egoísmo em que assenta o actual modelo de administração pública, assumindo encargos volumosos de utilidade questionável e atirando para os vindouros o seu pagamento, hipotecando o futuro das próximas gerações, esquecendo, além do mais, que nelas estarão os nossos filhos e netos.
Não podemos continuar passivos perante a opção obsessiva pela repressão como único caminho para o combate à delinquência e à criminalidade, esquecendo que a cultura dos valores da honra, da vergonha e do exemplo, decorrentes dum modelo educativo e social que privilegie a vertente humanista, é o melhor suporte para uma cidadania de paz e concórdia.
Não podemos continuar passivos perante isto e muito mais, pelo que, não me revendo no actual sistema político, económico, social e cultural em que o mundo está mergulhado ( a igreja católica tem alertado insistentemente para a necessidade da construção duma nova ordem) , nem nos seus dirigentes, dou testemunho público de que os pilares do caminho que quero ajudar a construir têm de assentar na força, na beleza e na sabedoria de pessoas que anseiam um futuro em que a liberdade, a solidariedade, a tolerância e a igualdade não sejam palavras vãs.
Janeiro de 2006

As Tradições e os Novos Conhecimentos

As Tradições e os Novos Conhecimentos

Apesar de ao longo da história encontrarmos vários exemplos de negação dos novos conhecimentos e, até, perseguições a quem se dedicou à nobre causa de aprofundar saberes que conduziram a avanços e benefícios para toda a humanidade, neste início do século XXI já não se encontra justificação para práticas em que o conhecimento científico demonstrou a existência de erros e inadequação de procedimentos, mesmo que para tal se invoque o argumento da tradição. Uma coisa é a constatação de que numa determinada época eram praticados certos usos e costumes. Outra coisa é persistir na defesa de erros posteriormente detectados pela evolução do conhecimento.
A dinâmica havida nos tempos mais recentes de relevar determinados aspectos da nossa história e das tradições, com particular incidência no património artístico, cultural, gastronómico, literário, etc, tem-se expressado num leque alargado de iniciativas, de que a criação de confrarias são um exemplo.Assumindo-se as confrarias como elemento relevante da causa a que se dedicam, importa que as posições que tomam sejam baseadas em estudos de elevado nível, incorporando os conhecimentos que a evolução do tempo possibilita, para que se saiba cada vez mais dessa causa, dos seus fundamentos e das correcções que importa introduzir para a melhorar.
A defesa dos valores tradicionais não pode assentar na continuação de processos actualmente considerados incorrectos mas que, por ignorância, no passado eram correntes.No entanto, continuamos a ver ser defendida a continuidade de valores considerados tradicionais mas que os novos conhecimentos tal não aconselham. Muitos exemplos podem ser dados. Na gastronomia, não se pode continuar a defender que o pão cozido em fornos de lenha é mais sadio que o pão cozido em fornos eléctricos pois tal não é verdade, já que a atmosfera de cozedura dos fornos de lenha contém cinzas e fumos que se incorporam no pão (com o actual conhecimento da medicina as cinzas são um potencial agente cancerígeno). O que se pode dizer é que tem um sabor diferente, pois além dos sabores da farinha, dos ovos, do fermento, da água, etc…, acrescenta-se o sabor das cinzas e dos fumos. Não se pode continuar a defender a utilização de barros e faianças (ou outros materiais porosos como a madeira - ex. colheres de pau) na confecção e suporte de alimentos, já que a porosidade e a composição de alguns vidrados nessas cerâmicas as torna desaconselháveis (ainda há barros que utilizam vidrados de chumbo o que os torna tóxicos). Também aqui o que se pode dizer é que têm um sabor diferente (o sabor do chumbo até é agradável. Mas é um veneno!), sendo preciso ter em conta que a decomposição dos alimentos nos poros do barro, da faiança e da madeira pode provocar desarranjos gastrointestinais (o conhecimento técnico-científico permite que hoje disponhamos de suportes de grés, porcelana e aço inoxidável sem os inconvenientes citados). Não se pode continuar a defender que os produtos orgânicos não sejam conservados em condições que impeçam a sua decomposição, nem a concessão de regimes de excepção para processos de fabrico e “utensilagem” que não cumpram as normas de higiene e segurança alimentar. Não é por acaso que o movimento de defesa dos consumidores tem vindo a ser cada vez mais exigente na defesa das condições necessárias para a boa conservação dos alimentos, não se podendo reivindicar que a ASAE (Alta de Segurança Alimentar e Económica) não cumpra a exigência da observância dos requisitos que assegure aos consumidores os padrões de higiene e segurança alimentar que o conhecimento possibilita.A exigência da defesa e promoção das tradições não pode passar pela persistência na ignorância de conhecimentos actuais, ainda que, no passado, o conhecimento então existente fazia com que tais usos e costumes fossem observados naturalmente. Podemos continuar a observar esses usos e costumes mas é necessário não só não esconder as consequências de tais práticas, como, necessariamente, informar e divulgar os conhecimentos que se vão obtendo.A defesa das tradições tem de ser feita com a demonstração dos saberes, passados e actuais.
Outubro de 2006

Direitos Humanos: Uma Questão Actual

Direitos Humanos - uma questão actual

Quando, em 10 de Dezembro de 1948, foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, uma grande responsabilidade foi assumida pela comunidade internacional, já que as Nações Unidas (ONU) se comprometeram a prosseguir as orientações constantes da Declaração.O direito à vida, ao trabalho, à saúde, à educação, à liberdade de expressão e de reunião, à liberdade de religião, etc., etc., etc.., passaram a ser direitos individuais e universais, sendo obrigação de todos os governos pautar a sua acção tendo em vista corporizar os valores emanados da Declaração.O conjunto de Convenções, Tratados, Protocolos e outros instrumentos jurídicos já hoje em vigor, constituem passos significativos no conhecimento dos Direitos Humanos como suporte essencial de uma sociedade civilizada.Passados que são quase 50 anos da aprovação, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pode-se dizer que muito foi feito, mas, também se pode dizer que muito ficou por fazer. Neste final de século, assiste-se, até, a alguns recuos e hesitações na aceitação de alguns valores emanados da Declaração.Alguns governos tem já declarado o entendimento de que valores alegadamente culturais dos seus povos tem preponderância sobre todos os outros, utilizando este argumento para manter formas opressoras de governação com recurso sistemático a atitudes aviltantes da natureza humana, como sejam o recurso à tortura e a outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, entre os quais a pena de morte, ou o não reconhecimento à liberdade de opinião e de associação.Por outro lado, a evolução de alguns aspectos da vida quotidiana trouxe novos riscos à observância dos Direitos Humanos. Por exemplo, o crescente envolvimento de meios informáticos no dia-a-dia dos cidadãos, com a utilização dos cartões de crédito/débito, elaboração de fichas de informações para os mais variados actos, informatização de actos correntes de consumo, etc., possibilitam a constituição de bases de dados na posse das mais variadas entidades, pondo em risco o art. 12.º da Declaração em que se diz: «Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada».Um outro exemplo pode ser o da utilização crescente de meios repressivos intoleráveis com o pretexto de combater o fenórneno da insegurança, tentando-se, inclusivamente, obter o apoio dos povos para a sua legitimação. A tortura e os maus-tratos constantemente verificados nas prisões e esquadras policiais são disso exemplo, em flagrante contradição com o disposto nos vários instrumentos de direitos humanos em vigor.A actualidade da questão dos Direitos Humanos tem de ser assumida por todos os cidadãos.Deve-se não só não permitir que os governos actuem ao arrepio dos valores já assumidos, como, também, cada pessoa tem de se colocar numa postura de vigilância e intervenção perante brechas que, declarada ou sub-repticiamente, se podem abrir naquilo que de mais valioso se pode ter: o direito à dignidade da pessoa humana.

O Direito dos Reformados à sua Pensão de Reforma

O Direito dos Reformados à sua Pensão de Reforma

A discussão sobre a sustentabilidade do sistema de pensões tem sido abordada numa errada perspectiva, recorrente em várias personalidades, algumas com responsabilidades governativas, nomeadamente na falsa afirmação de que "...A geração que trabalha paga os encargos da que já se reformou...".A verdade é que quando, em meados do século passado, foi criado o sistema público de pensões em Portugal, o modelo adoptado baseou-se na constituição dum capital gerado pelas contribuições dos trabalhadores e das entidades patronais, e a ser distribuído pelas diferentes componentes (pensões, subsídio de doença, abono de família, subsídio de morte e funeral, etc...) após decorridos prazos de garantia e, no caso das pensões, de acordo com o capital gerado na altura do seu início. O que quer dizer que as pensões eram pagas com o capital e a valorização ocorrida durante o tempo das contribuições (Os valores eram geridos com aplicações financeiras em obrigações do tesouro e obrigações das companhias estatais da energia e dosector financeiro). As primeiras pensões pagas após a criação deste sistema só ocorreram após o decurso dos prazos de garantia previstos e no valor que o capital gerado pelo beneficiário permitia. Posteriormente, foram concedidos estes benefícios a pessoas com carreiras contributivas insuficientes para tal, de acordo com as bases em que o sistema foi criado,cujos encargos deveriam ser suportados pelo Orçamento Geral do Estado e não pelos fundos criados pelas contribuições específicas.Chegados a 2006, temos pensionistas que usufruem das suas pensões através do capital que geraram ao longo da sua carreira contributiva e que, portanto,não estão a ser encargo da geração que actualmente trabalha. Se os capitais que geraram foram, e estão a ser, delapidados, através da má gestão dos fundos da segurança social, de que as remunerações e privilégios que os gestores e amigos colocados nas muitas entidades que pululam pelo sistema e que vão delapidando esse património são um exemplo, devem ser pedidas responsabilidades à classe política dirigente que tal permitiu e permite.O que não é justo é que os pensionistas que estão a receber as pensões de acordo com as contribuições que fizeram ao longo da sua vida passem por parasitas ou mendigos da solidariedade daqueles que actualmente trabalham. Não podemos deixar que a ignorância sobre as bases em que assenta o modelo que abrange muitos dos actuais pensionistas se sobreponha à verdade e à justiça.
Julho de 2007

O Que é a Democracia?

O Que é a Democracia?

O conceito de democracia surge, normalmente, associado à liberdade de expressão sob qualquer forma, à igualdade de todos os cidadãos como seres humanos, à justiça social em todas as componentes (trabalho; habitação; saúde; ensino; etc...), a eleições livres e periódicas, à inexistência de humilhados e privilegiados, etc... . Não é, certamente, o conceito de democracia sinónimo de corrupção, oportunismo, nepotismo, nem se esgota na existência de vários partidos políticos (ou menos ainda quando estes se aproveitam do poder duma forma totalitária).Mas o que é que se vê em Portugal sob o nome de democracia?
- Titulares de cargos políticos enchendo-se de dignidade (vencimentos, ajudas de custo, despesas de representação, automóvel, motorista, telefone, adjuntos, etc... - e o mais que nem sabe...), enquanto mais de 50% do povo se contenta com o salário mínimo, ou menos;
- Relações externas de amizade, a pretexto do interesse nacional, com países cujo comportamento é altamente censurado por organizações internacionais prestigiadas (Turquia, Marrocos, Zaire, Filipinas, Iraque, etc...);
- Escândalos económicos (Fundo Social Europeu; Redes de contra-bando de Aveiro, Setúbal e Viana do Castelo; Macau e a “árvore das patacas”; etc...) sem que se vejam os responsáveis a prestar contas;
- Procedimentos de altos responsáveis com irregularidades ou imoralidades reconhecidas mas sem qualquer sanção, nem mesmo política (Casos do Ministério da Agricultura - despachos do Supremo Tribunal Administrativo; Ministério da Saúde - Costa Freire e Leonor Beleza; Ministério das Finanças - Miguel Cadilhe, etc...);
Estes exemplos, e muitos outros existem, são admissíveis em democracia? Parece que sim! Estamos numa democracia magnânima em que o Povo (que é quem manda) fica com os ossos, dando a carne aos governantes (que são os mandados). E o Povo faz isto contente. Aplaude os governantes, exulta por lhes apertar a mão, mendiga o favor dum olhar e duma palavra, empenha-se em campanhas eleitorais e vai votar. Satisfeito e com a consciência tranquila do dever cumprido. Que mais ele quer? Trabalha por semana mais horas do que qualquer outro europeu. Tem autocarros para o levar a casa (desconfortáveis... mas não se pode ter tudo). Vê uma ou duas telenovelas por dia. Lê a Bola ou a Maria. Vai à missa ao Domingo (até o Presidente da República já começou a ir). Come carne de vez em quando. Os filhos lá vão para a escola (Ciclo? Secundário? C+S? Básico? Que complicação!) . Querem lá saber que os governantes se governem. Sempre se governaram! O que querem é paz e que possam ganhar o pão nosso de cada dia.Mas os 40% de abstencionistas também são o povo? Não! São perigosos indivíduos que não querem participar na democracia.E foi para isto que o Povo fez a revolução.Abençoado Povo.
90/06/10

O Sistema ... Faliu!

O Sistema Faliu!

"Nada é mais fa1ta de solidariedade que sacralizar textos legais, defender a imobilismo, acostumar-se a conviver com altas taxas de desemprego, sem fazer nada, sem propor alguma solução”(José António Griñan – ex-ministro do Trabalho e Segurança Social da Espanha – “El País” - 26/01/94)
Inúmeros testemunhos se poderiam citar para levantar a questão da falência do sistema (Não só em termos de so1idariedade - o sistema está falido em muitas das suas vertentes!).Como foi possível chegar a esta situação?Façamos uma abordagem a partir dalgumas constatações.
1 - “Durante o ano passado foram catorze os empresários no Alentejo que resolveram despedir-se deste mundo por não poderem satisfazer as hipotecas que recaíam sobre as suas propriedades, as quais acabariam por ir parar à mãos da banca para serem vendidas em hasta pública”(Jornal Expresso 12/02/94).Na óptica de muitos dos nossos dirigentes não se deve dramatizar o facto de as empresas encerrarem. É a consequência da economia de. mercado, da sua falta de adaptação a novas conjunturas ou da sua obsolência tecnológica.As consequências no factor humano são muito menosprezados. Os trabalhadores vão receber subsídio da desemprego e/ou frequentar cursos de formação profissional. Os empresários ou enriquecem no tempo das vacas gordas ou suicidam-se.Tudo isto é assumido com uma frieza arrepiante. O grau afectivo que une os empresários e os trabalhadores nas empresas não conta. A experiência e o saber acumulado deitam-se ao lixo. Os distúrbios da natureza psíquica a económica que atingem as pessoas afectadas, cada um que os resolva. O que interessa é que os critérios de convergência da União económica e monetária sejam atingidos.Esto insensibilidade dos governantes perante os problemas concretos que afectam cada vez mais pessoas 1eva a um afastamento gradual dos cidadãos ante as instituições do poder. É a descrença, a desi1usão, o suicídio.Situações deste tipo são cada vez mais comuns em todos os estratos sociais, com especial incidência naquelas que não estão li­gados a clientelas ou "lobbies". E enquanto se agravam as desigualdades sociais, o poder é cada vez mais generoso para aqueles que o servem. (Veja-se as figuras tristes na formação das listas de candidatos ao Parlamento Europeu). É gritante a falta de solidariedade da c1asse política e das organizações económicas dominantes (Ex: Banca) para com aqueles a quem as consequências dos modelos governativos atira para a valeta.
2 - “É difícil absorver os novos pobres que, em parte, são gerados pelo actual estado de desenvolvimento”.(Ministro Mira Amara1 - Diário de Notícias - 08/03/94)“Os sem-abrigo são o resíduo do sistema”(Dra. Manue1a Morgado - RTP 2 - Novembro de 1993)
Com que desumanidade são encaradas as vítimas dos modelos de “sucesso” perante os seus autores! Como se pode dizer que é difícil absorver os novos pobres e não se muda a forma de desenvolvimento? Como se pode encarar como uma fatalidade sem remédio que o sistema “produza” pobres que são deixados à sua sorte? Como se pode admitir que seres humanos sejam resíduos?É esta sobranceria, com que são vistos as deserdados, que magoa, que desespera, que revolta. Não se admirem que o germen do violência se instale e expluda a qualquer momento. E nessa altura nenhum sistema de autoridade será suficiente. Penso que o poder está a ter consciência disto e não é por acaso que reforça as polícias, os sistemas de vigilância, infiltre os seus agentes nos movimentos cívicos, crie redes de ficheiros pessoais com o objectivo de perseguir os descontentes (A própria Procuradoria Geral da República, em parecer emitido, reconhece legitimidade ao SIS para alguma margem de penetração nas estruturas e grupos sociais paro uma correcta percepção dos sentidos das respectivas movimentações. A missão do SIS é tanto mais útil quanto a antecipação em relação à concretização dos fenómenos, com a apreensão da respectiva génese, permitir a e1iminação de factores de maior nocividade ou uma melhor adequação das decisões ao interesse nacional). Que clareza de objectivos! Mas, apesar de todos os sistemas de governo autoritário assim terem feito não foi por isso que não caíram.Hoje a situação é menos grave pois tal fenómeno alarga-se a todo o mundo. É de crer que, a não se mudarem rapidamente as formas de governação e os mecanismos de relação entre todos os cidadãos, não estaremos longe de grandes e profundas revoltas cívicas, provavelmente com ramificações violentas, com todas as consequências que facilmente se adivinham.Quem governa, quem detém altas responsabilidades, tem a obrigação de evitar a criação de situações extremas e, muito menos, não as poder encarar como uma fatalidade sem so1ução.
3 - “Não há um único país do Mundo onde os direitos humanos não sejam violados”(José Ayola Lasso - Comissário do ONU para os Direitos humanos - Março de 1994)
Estamos perante uma refinada hipocrisia! Então, quando a maior parte dos países da ONU já ratificaram todas as Convenções, Pactos, Tratados e Protocolos sobre direitos humanos, como é possível que um alto responsável produza tal afirmação? E o mais arrepiante é que tal afirmação é verdadeira (o relatório do Amnistia Internacional de 1993 assinala vio1ações de direitos humanos em mais de 160 países).E Portugal está nesse grupo? Na verdade está. E não sá está como pactua, apoia a premeia outros responsáveis de actos abomináveis. Veja-se o que se passou com a forma entusiástica como foi recebido o rei Hassan II de Marrocos, aquando do sua visita ao nosso país em Setembro do ano passado. E foi condecorado assirn como muitos dos membros do seu governo. E não é que Marrocos tem centros de detenção secretos, que aos presos políticos não é dada a garantia de visitas de familiares a advogados, que os ju1gamentos (quando os há) são grosseiramente injustos, etc... E Portugal pactua, apoia e premeia. Como o faz, por ex:, com torcionários como Mobutu, Hafez Al-Assad, Jonas Sovimbi ou José Eduardo dos Santos, assim como muitos outros.Não há ética, não há princípios, não há respeito pelos cidadãos (o relatório da Amnistia Internacional diz que em Portugal os inquéritos sobre vio1ações de direitos humanos são frequentemente lentos e inconclusivos). E aqui estamos perante uma situação ainda mais preocupante pois a indiferença perante este estado das coisa estende-se a grandes estratos da sociedade, que prefere fazer que não vê, não ouve, nem sabe. A1ém da falta de solideriedade para com as vítimas revela-se uma ausência confrangedora de consciência cívica.
4 - “Na próxima reunião do Conselho de Ministros do U.E., De1ors colocará sobre a mesa, para combate à pobreza, uma proposta de dup1icação das verbas - de 55 para 110 mi1hões de ecus - para os próximos cinco anos. Se aquele dinheiro fosse distribuído por todos os pobres. cada um receberia 392 escudos”(Revista Visão - 10/03/94)“É muito grave que os homens gritem por ajuda e sejam apenas os ratos a responder”.(Padre Leonel Oliveira - Revista Visão - 10/03/94)
Haverá imagem mais significativa da demagogia com que são tratados os pobres? Será que os nossos governantes não vêm o descrédito em que caem quando se reunem pare discutir e aprovar programas ridículos? Não sentem que ficam irremediavelmente desacreditados perante quem tome conhecimento destas situações?O que é preocupante é que não vêm, não ouvem, nem sentem. Porque se vissem e sentissem não persistiriam nas mesmas políticas. E o pior é que tais exemplos estão a ser seguidos por outras organizações vocacionadas para a ajuda. É frequente vermos cessar a ajuda por porte dessas organizações sem se preocuparem com as consequências (Veja-se o caso recente da cessação da ajuda aos refugiados por parte da misericórdia da Lisboa).
Muitas outras constatações se poderiam fazer para comprovar a falência do sistema, para mostrar a selva onde vivemos. E todas as forças políticas são responsáveis por esta situação. Todas elas pactuam com a "status quo" apenas se preocupando em tentar retirar os maiores dividendos para as suas cores.A criação de alternativas à actual situação tem de passar por:
a) Desagravamento do leque salarial
É imoral que, quando o desemprego acelera, quando o número de pobres aumento, quando cresce o encerramento de empresas, haja pessoas a ganhar 49 contos por mês, enquanto outras ganham 1.000,2.000 e 3.000 contos. Por muita responsabilidade ou exigência de funções que existam, nada justifica tal disparidade. Na prática da mais elementar solidariedade, tal situação tem de ser corrigida rapidamente.A justiça na distribuição da riqueza não é compatível com essas disparidades.
b) Assumpção da responsabi1idade colectiva nas necessidades básicas da vida dos cidadãos
Infelizmente, temos vindo a assistir a um retrocesso na garantia dos cidadãos ao acesso à satisfação de necessidades básicas. A educação, a saúde, a segurança social, são bens cada vez mais difíceis de obter para a generalidade dos cidadãos. O acesso a estes bens não deve estar dependente de capacidade económica dos utentes. Também aqui, a solidariedade exige que todos tenham igual acesso.
c) Exigência de princípios éticos no exercicío do poder políticoA situação que vivemos, em que é generalizado o compadrio, o favorecimento de familiarea e amigos, sem qualquer justificação, conduz a um abaixamento da qualidade de governação e a um sentimento de frustração de quem se sente marginalizado. O princípio do reconhecimento da capacidade tem de ser claramente prosseguido, sob pena de o Estado deixar de ser respeitado. É o primeiro passo para a desobediência nos mais variados campos ( fiscal, civil, político, etc...).
d) Diminuição do peso partidário na vida po1ítica
É comunmente reconhecido que os partidos políticos assaltaram todos os mecanismos do poder e da administração. A continuar este processo, processa-se a divisão dos cidadãos em dois grupos: os que fazem parte dos partidos políticos e os “marginais”. O admitir esta dicotomia é colocar cidadãos em dois campos. É o fomento da “guerra”. E não nos podemos esquecer da tendência de quem está no poder para se eternizar. Para tal cria mecanismos de protecção, que assumem muitas vezes formas como as utilizadas pelos regimes ditatoriais (Veja-se como o poder tende a defender as forças policiais quando estas são acusadas de brutalidades sobre os cidadãos).Para evitar o estabelecimento da ditadura pluripartidária, têm os partidos políticos de aceitar partilhar o poder com os não partidários.E não abordarei o triste espectáculo rnediático e de marketing em que se transformaram as e1eições (A sua valia democrática é nula nos moldes actuais), já que foge ao âmbito desta comunicação.
e) Humanização das relações entre os indivíduos
Nos últimos tempos tem-se colocado os objectivos, nomeadamente os de natureza económica, como guias da sociedade a que se devem submeter os cidadãos, cometendo o erro grosseiro de não se ver que as pessoas são sentimentos e não coisas.Esta desumanização coloca já a um século de distância a conquista histórica da jornada de trabalho de 8 horas por dia (E há cem anos não se perdiam horas nas deslocações casa-emprego). O planeamento dos objectivos não toma em conta a limitação da exigência da disponibilidade das pessoas para o trabalho, mas considera que enquanto houver trabalho as pessoas têm de estar disponíveis. (Veja-se o que se passa na banca, por ex.).A humanização das relações entre os indivíduos passa pelo princípio de que nenhuma faceta da vida deve subjugar as restantes. A família, o lazer, o trabalho, a distracção, têm de conviver harmoniosamente e não subjugadamente.
A abordagem aqui feita da falência do sistema poderia continuar por uma série quase ininterrupta de situações. Penso que as expostas dão já um contributo para a reflexão e, pelo menos, para criarmos uma vontade firme de parar esta corrida para o precipício.
6 de Abril de 1994