segunda-feira, 25 de abril de 2011

Dádivas de sangue

Apesar do avanço do conhecimento científico, a medicina ainda não conseguiu descobrir um substituto para o sangue humano, o que coloca a sociedade perante a generosidade dos dadores de sangue para as necessidades das cirurgias que diariamente se efectuam nos estabelecimentos de saúde, assim como para a obtenção de inúmeros preparados necessários ao fabrico de medicamentos e de vários tipos de tratamentos.
Durante muitos anos as dádivas de sangue puderam ser remuneradas, o que era um recurso para pessoas que se encontravam em situação económica de extrema necessidade e um aliciamento para as dádivas. Havia um espaço de tempo que era necessário cumprir entre duas dádivas, a remuneração era paga no final da dádiva e ao dador era-lhe proporcionada uma ligeira refeição (sandes e uma bebida).
Razões várias levaram a que há cerca de 40 anos se proibisse o pagamento do sangue (dádiva e a sua utilização na transfusão), sendo a que teve maior peso a que radicava no facto de que se tratava dum bem insubstituível para a vida que não seria possível obter por outra via que não fosse o próprio ser humano.
Sou dador gratuito de sangue (nunca recebi qualquer remuneração mesmo quando tal era possível), tenho uma medalha do Instituto Português de Sangue pelo número elevado de dádivas que já efectuei, mas tenho constatado um facto que me tem mantido incomodado ao longo do tempo. Trata-se da realidade conhecida dos serviços de recolha de que a esmagadora maioria dos dadores são pessoas pobres tocadas pelas campanhas de recolha e que dão o seu sangue gratuitamente, não se incomodando se ele vai parar a pessoas economicamente abastadas, que não são dadoras por comodidade e egoísmo, e que hostilizam esses mesmos pobres acusando-os de não quererem trabalhar, de beneficiarem do rendimento social de inserção indevidamente e de passarem o dia nos cafés e pastelarias a gastarem o dinheiro das prestações sociais. Será que quando precisam de sangue essas pessoas que estão bem na vida perguntam quem deu o sangue? Quantas delas devem o facto de estarem vivas a generosidade dos pobres que vituperam? Porque é que as classes alta e média têm poucos dos seus membros como dadores de sangue?
Este tema tem sido nos últimos anos considerado quase tabu mas é tempo de o trazer para a ordem do dia. Temos de acabar com o parasitismo das classes alta e média, que sendo, eventualmente, os maiores consumidores de sangue, (o seu poder de compra permite-lhes serem os maiores utilizadores dos serviços de saúde que exigem transfusões, que por maior informação, quer por maior influência junto dos prestadores de cuidados de saúde), se afastam oportunistamente da sua obrigação de também contribuírem com as suas dádivas.
E se os pobres dissessem basta e seguissem o seu mau exemplo de egoísmo?
Estou de acordo quanto à gratuitidade da dádiva de sangue se este princípio se aplicar a todos os outros problemas graves de saúde. Tal como a situação actualmente se encontra, em que os pobres têm cada vez mais de pagar para os cuidados de saúde que necessitam ainda que sejam dadores benévolos de sangue, estamos perante uma injustiça e um acto de oportunismo e parasitismo inaceitáveis por parte de quem podendo não quer contribuir para o bem comum.