terça-feira, 11 de junho de 2013

Pobreza Infantil – Uma Violação dos Direitos Humanos

Exija Dignidade é a campanha que a Amnistia Internacional tem em curso “Por um caminho para fora da Pobreza, na rota dos Direitos Humanos! Por todo o Mundo, pessoas em situação de pobreza exigem dignidade. Querem pôr um fim à injustiça e à exclusão que os mantém cativos da privação. Querem ter controlo sobre as decisões que afetam as suas vidas. Querem que os seus direitos sejam respeitados e que as suas vozes contem.” Dentro da pobreza em sentido global assume particular relevância a pobreza infantil, já que se trata duma faixa populacional que, pela sua natureza, está completamente dependente dos adultos e do mundo por estes construído. Não têm poder político nem económico e sofrem impotentes as consequências sociais que impedem o acesso aos direitos humanos que lhes são inerentes. A fome ou a carência de alimentos de conteúdo nutricional básico com os consequentes distúrbios físicos e psicológicos e os traumas associados, a deficiente assistência médica e medicamentosa, a ausência de serviços públicos essenciais (água, electricidade, comunicações, etc…), a discriminação automática no acesso à educação e aos materiais escolares necessários com a carência de instrumentos de estudo (livros, internet, materiais de apoio, etc…) vivendo em clima subalterno no seio da comunidade escolar e arrastando a marca de pobres com o traumatismo que tal lhes provoca, a impossibilidade de acederem a bens culturais (teatro, música, cinema, etc…), as limitações de meios de transporte, o vestuário insuficiente, o ferrete que as acompanha devido à sua situação de pobres, são marcas na vida das crianças que, além da vergonha que permanentemente as acompanha, as limitam no seu desenvolvimento e na construção dum futuro de dignidade e participação na vida em sociedade. A ideia de que a desigualdade económica se justifica enquanto reflexo de diferenças no mérito não pode razoavelmente ser aplicada às crianças. Poucos negarão que crescer em situação de pobreza aumenta consideravelmente o risco de vir a sofrer problemas de saúde, desenvolvimento cognitivo reduzido, baixo aproveitamento escolar, menos aptidões e aspirações, perpetuando a desvantagem duma geração para a seguinte. A pobreza infantil crescente em muitos países do mundo, incluindo Portugal, arrasta para as crianças consequências dramáticas, criando complexos de inferioridade e vergonha que não podem ter lugar numa sociedade que se diz civilizada. É inaceitável a hipocrisia que os poderes políticos manifestam perante a pobreza duma forma geral e a pobreza infantil em particular. Por um lado aprovam e ratificam tratados e protocolos internacionais, como recentemente aconteceu com o Protocolo Facultativo do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais e do 3º Protocolo Facultativo da Convenção dos Direitos da Criança. Por outro lado, formam governos que promovem o desemprego, a diminuição de rendimentos de grupos vulneráveis, a supressão e restrição dos apoios sociais, dificultando o acesso à saúde e à educação, entrando em contradição flagrante com o disposto nos referenciais internacionais que, voluntariamente, assinaram e ratificaram. É uma hipocrisia inaceitável! A pobreza infantil vista pelas organizações internacionais As diferentes organizações internacionais abordam a problemática da pobreza infantil a partir de conceitos nem sempre iguais, além de que, por vezes, se confunde pobreza com privações. A UNICEF, através do Innocenti Research Centre, divulgou em 2012, no Report Card 10, uma nova tabela de pobreza infantil nos países ricos. Nesta tabela os países são ordenados de acordo com a percentagem de crianças (entre os 1 e os 16 anos) que têm falta de dois ou mais dos seguintes catorze itens: três refeições por dia; pelo menos uma refeição diária com carne, peixe ou o equivalente vegetariano; fruta fresca e vegetais todos os dias; livros adequados para o nível de conhecimento das crianças além dos livros escolares; equipamento de distração de exterior (bicicleta; skate, etc…); actividades regulares de distracção (natação; música; participação em organizações de jovens, etc…); brinquedos caseiros (pelo menos um por criança, incluindo brinquedos para bebés, jogos de secretária, jogos de computador, etc…); dinheiro para participar em excursões escolares e eventos; um local sossegado com espaço suficiente e iluminação para efectuar os trabalhos de casa; uma ligação à internet; algumas roupas novas (quer dizer não só em segunda mão); dois pares de calçado apropriado (pelo menos um par para todas as estações); oportunidade para, de tempos a tempos, convidar amigos para brincar e comer em sua casa; oportunidade para celebrar ocasiões especiais, tais como aniversários, feriados, eventos religiosos, etc., A linha da pobreza representa o patamar para um padrão de vida minimamente aceitável, nos países desenvolvidos actuais, tendo a ver com padrões de alimentação, vestuário, habitação, água corrente, saneamento, cuidados de saúde, educação, transportes e distracções disponíveis para um lar saudável com um nível que não o do passado. Uma pessoa é considerada em risco de pobreza se vive numa habitação com rendimentos equivalentes a menos de 60% da média nacional. Uma outra definição, a de privação, assenta no facto duma pessoa não reunir quatro ou mais dos seguintes nove critérios: não poder fazer face a despesas inesperadas; não poder dispor duma semana de férias fora do seu lar uma vez por ano; não poder pagar as dívidas de amortização de empréstimo ou renda da habitação e contas dos serviços públicos essenciais ou alugueres de compras a prestações; não ter acesso a uma refeição com carne ou peixe dia sim dia não; não poder dispor de aquecimento adequado na habitação; não ter máquina de lavar; não ter televisão a cores; não ter telefone; não ter automóvel. Por esta definição estima-se que 40 milhões de pessoas na EU estão em privação. A situação familiar das crianças é importante no risco de pobreza e de privação. E algumas das crianças e jovens em maior risco de pobreza não vivem em ambiente doméstico tradicional; elas vivem em instituições, lares de crianças, acomodações temporárias, pensões, hospitais, prisões, asilos e abrigos de refugiados, em casas temporárias ou nas ruas. É também possível que algumas das crianças em maior risco não estejam representadas nos inquéritos domésticos porque vivem em áreas remotas ou em famílias e comunidades nas quais a sua presença possa ser ilegal e não registada Alguns destes grupos ‘non-mainstream’ são como que estatisticamente invisíveis. Já a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) no seu relatório “Crescimento Desigual? Distribuição do Rendimento e Pobreza nos Países da OCDE – 2011” constata que existe uma preocupação generalizada de que o crescimento económico não está a ser partilhado de forma justa.(…) Dois terços da população em 34 países pensavam que “os desenvolvimentos económicos dos últimos anos” não tinham sido partilhados justamente. Na Coreia, Portugal, Itália, Japão e Turquia, mais de 80% dos inquiridos concordaram com esta afirmação. Existem muitas outras sondagens e estudos que sugerem o mesmo. Portanto, as pessoas têm razão ao pensarem que “os ricos se tornaram mais ricos e os pobres mais pobres”? A pobreza de rendimentos entre os mais idosos continuou a diminuir, enquanto que aumentou entre os jovens adultos e famílias com crianças. De acordo com o relatório "Doing better for families" (2011), publicado pela OCDE, referindo dados da última década, Dinamarca, Noruega e Finlândia têm as menores taxas de pobreza infantil, com 3,7%, 4,2% e 5,5%, respetivamente, e Portugal tinha a 8ª maior taxa de pobreza infantil entre os 34 países da OCDE, somente à frente de Israel, do México, da Turquia, dos Estados Unidos, da Polónia, do Chile e de Espanha. Também a CARITAS refere que quase um terço das crianças portuguesas, gregas, italianas, espanholas e irlandesas estão no limiar da pobreza. “Muitos dos problemas que afectam a pobreza infantil advêm não da questão da pobreza infantil, ela própria, (…), mas como resultado da situação da sua própria família. Agregados familiares com algum rendimento por via do trabalho tiveram um corte enorme, e há casos gravosos em que ambos os cônjuges estão em situação de desemprego”. No seu relatório “O Impacto da Crise Europeia” sublinha que as crianças estão em maior risco de pobreza ou exclusão social que o resto da população, em 21 dos 25 Estados-membros, sendo que os níveis de pobreza infantil continuam a subir. Ainda, recentemente, a CARITAS revelou que mais de quinhentas mil crianças portugueses estão em risco de pobreza. Por outro lado, o Conselho da Europa, no relatório apresentado em Julho de 2012 pelo comissário Nils Muiznieks, refere que a pobreza infantil está a aumentar em Portugal. Isto acontece como consequência da elevada taxa de desemprego e das medidas de austeridade tomadas. Segundo o relatório, os cortes nos benefícios de cuidados infantis, os preços crescentes de cuidados de saúde e de transportes públicos, bem como o aumento do número de despejos resultantes da falta de pagamento de hipotecas, causam um impacto particularmente negativo sobre os direitos das crianças. A CRIN (Child Rights Information Network) afirma que o subdesenvolvimento pode ter efeitos negativos pesados nas crianças de todo o mundo, arrastando a extrema pobreza e limitando o acesso à educação, cuidados de saúde e alimentação. O impacto nas crianças é chocante: seiscentos milhões de crianças vivem em pobreza absoluta, trinta mil crianças morrem todos os dias devido à pobreza, mais de trezentos milhões de crianças vão todos os dias para a cama com fome, estando o custo de erradicação da pobreza no mundo estimado em 1% do rendimento global. A pobreza na infância é um forte constrangimento ao crescimento. Investindo nas crianças diminuem-se os obstáculos ao desenvolvimento dos países, especialmente pela criação duma geração educada e saudável que pode efetivamente contribuir para a economia. Os países precisam de focar os seus orçamentos nas necessidades e nos direitos das crianças. Outra ONG dedicada às crianças, a Eurochild, define a pobreza infantil como a situação de crianças que vivem com rendimentos e recursos disponíveis, durante o seu crescimento, que são inadequados para as prevenir de terem um padrão de vida que seja considerado aceitável na sociedade onde elas vivem, suficiente para o seu desenvolvimento e bem estar social, emocional e físico. O crescimento na pobreza, delas e das suas famílias, pode experimentar múltiplas desvantagens, seja pelos baixos rendimentos, habitação e ambiente pobres, seja por cuidados de saúde inadequados e barreiras na educação. Elas são muitas vezes excluídas e marginalizadas das actividades sociais, desportivas, recreativas e culturais, que são normais noutras crianças. O seu acesso aos direitos fundamentais pode ser restringido e elas podem experimentar discriminação e estigmatização e as suas vozes podem não ser escutadas. Numa publicação conjunta da Eurochild e da EAPN-Rede Europeia Anti-Pobreza (Towards Children’s Well-Being in Europe - 2013”, é referido que “Vinte e cinco milhões de crianças na UE estão em risco de pobreza e exclusão social (uma criança em cada quatro). A maioria destas crianças cresce em famílias pobres o que contribui fortemente para não terem uma vida decente. É um crime social que a EU proclame o seu modelo de respeito pelos direitos fundamentais e falhe em investir nas crianças e no seu futuro.(…) A pobreza infantil relatada na imprensa – Alguns títulos Crianças portuguesas são das mais carenciadas da OCDE – Diário de Notícias (29/05/2012). Pais estranham refeições cada vez mais baratas nas escolas – Jornal de Notícias (17/01/2012). Catorze milhões de jovens da U.E. não estudam nem trabalham – Público (28/10/2012). Mais de um quarto das pessoas traficadas no mundo são crianças – Público (13/12/2012). Mais de metade dos jovens tem trabalho precário - Jornal de Notícias (08/07/2010) Crianças são quem tem maior risco de pobreza – Jornal de Notícias 28/06/2010) Na Grécia são cada vez mais as crianças entregues a instituições – Público (30/11/2011). Há mais de dez mil alunos com fome nas escolas portuguesas – Jornal de Notícias (09/11/2012) Portugal entre os piores países para se ser criança – Jornal de Notícias - JN (29/05/2012) Risco de pobreza já atinge mais de meio milhão de crianças portuguesas – JN (06/03/2013) Mortalidade infantil aumentou para níveis de há 10 anos em nove regiões de Portugal – Jornal i – (07/01/2013) Os normativos jurídicos internacionais Convenção sobre os Direitos da Criança (…) Artigo 3º - 2. Os Estados Partes comprometem-se a garantir à criança a protecção e os cuidados necessários ao seu bem-estar, tendo em conta os direitos e deveres dos pais, representantes legais ou outras pessoas que a tenham legalmente a seu cargo e, para este efeito, tomam todas as medidas legislativas e administrativas adequadas. (…) Artigo 24º - 1. Os Estados Partes reconhecem à criança o direito a gozar do melhor estado de saúde possível e a beneficiar de serviços médicos e de reeducação. Os Estados Partes velam pela garantia de que nenhuma criança seja privada do direito de acesso a tais serviços de saúde.(…) Artigo 26º - 1. Os Estados Partes reconhecem à criança o direito de beneficiar da segurança social e tomam todas as medidas necessárias para assegurar a plena realização deste direito, nos termos da sua legislação nacional.(…) Artigo 27º - 1. Os Estados Partes reconhecem à criança o direito a um nível de vida suficiente, de forma a permitir o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social.(…) Artigo 28º - 1. Os Estados Partes reconhecem o direito da criança à educação e tendo, nomeadamente, em vista assegurar progressivamente o exercício desse direito na base da igualdade de oportunidades.(…) Artigo 31º - 1. Os Estados Partes reconhecem à criança o direito ao repouso e aos tempos livres, o direito de participar em jogos e actividades recreativas próprias da sua idade e de participar livremente na vida cultural e artística.(…) Artigo 32º - Os Estados Partes reconhecem à criança o direito de ser protegida contra a exploração económica ou a sujeição a trabalhos perigosos ou capazes de comprometer a sua educação, prejudicar a sua saúde ou o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social. (…) Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança (…) Preâmbulo Reconhecendo que a situação especial e de dependência das crianças pode criar dificuldades reais para elas na busca de soluções para as violações de seus direitos, Considerando que o presente Protocolo irá reforçar e complementar mecanismos nacionais e regionais que permitam às crianças apresentar queixas por violações dos seus direitos (…) Artº 5º - Comunicações individuais 1 - As comunicações podem ser apresentadas por, ou em nome de um indivíduo ou grupo de indivíduos dentro da jurisdição dum Estado Parte, alegando ser vítima de violação por esse Estado Parte de qualquer dos direitos estabelecidos nos seguintes instrumentos de que o Estado é partícipe. a) Convenção sobre os Direitos da Criança b) Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda de crianças, à prostituição infantil e à pornografia infantil c) Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados (…) Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos Sociais e Culturais Artigo 10.ºOs Estados Partes no presente Pacto reconhecem que: 1. Uma protecção e uma assistência mais amplas possíveis serão proporcionadas à família, que é o núcleo elementar natural e fundamental da sociedade, particularmente com vista à sua formação e no tempo durante o qual ela tem a responsabilidade de criar e educar os filhos. O casamento deve ser livremente consentido pelos futuros esposos.(…) Artigo 11.º 1. Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de todas as pessoas a um nível de vida suficiente para si e para as suas famílias, incluindo alimentação, vestuário e alojamento suficientes, bem como a um melhoramento constante das suas condições de existência. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas destinadas a assegurar a realização deste direito reconhecendo para este efeito a importância essencial de uma cooperação internacional livremente consentida.(…) Artigo 12.º 1. Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de todas as pessoas de gozar do melhor estado de saúde física e mental possível de atingir. 2. As medidas que os Estados Partes no presente Pacto tomarem com vista a assegurar o pleno exercício deste direito deverão compreender as medidas necessárias para assegurar: a)A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o são desenvolvimento da criança, (…) Artigo13º 1. Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda a pessoa à educação. Concordam que a educação deve visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido da sua dignidade e reforçar o respeito pelos direitos do homem e das liberdades fundamentais. Concordam também que a educação deve habilitar toda a pessoa a desempenhar um papel útil numa sociedade livre, promover compreensão, tolerância e amizade entre todas as nações e grupos, raciais, étnicos e religiosos, e favorecer as actividades das Nações Unidas para a conservação da paz. 2. Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem que, a fim de assegurar o pleno exercício deste direito: a) O ensino primário deve ser obrigatório e acessível gratuitamente a todos; b) O ensino secundário, nas suas diferentes formas, incluindo o ensino secundário técnico e profissional, deve ser generalizado e tornado acessível a todos por todos os meios apropriados e nomeadamente pela instauração progressiva da educação gratuita; c) O ensino superior deve ser tornado acessível a todos em plena igualdade, em função das capacidades de cada um, por todos os meios apropriados e nomeadamente pela instauração progressiva da educação gratuita; d) A educação de base deve ser encorajada ou intensificada, em toda a medida do possível, para as pessoas que não receberam instrução primária ou que não a receberam até ao seu termo; e) É necessário prosseguir activamente o desenvolvimento de uma rede escolar em todos os escalões, estabelecer um sistema adequado de bolsas e melhorar de modo contínuo as condições materiais do pessoal docente. (…) Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional dos Direitos Económicos Sociais e Culturais (…) Relembrando que cada Estado Parte no Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (doravante designado como o «Pacto») se compromete a agir, quer através do seu próprio esforço, quer através da assistência e da cooperação internacionais, especialmente nos planos económico e técnico, no máximo dos seus recursos disponíveis, de modo a assegurar progressivamente o pleno exercício dos direitos reconhecidos no Pacto por todos os meios apropriados, incluindo em particular por meio de medidas legislativas; (…) Artigo 2.º - Comunicações As comunicações podem ser submetidas por ou em nome de indivíduos ou grupos de indivíduos, sob a jurisdição de um Estado Parte, que aleguem serem vítimas de uma violação, por esse Estado Parte, de qualquer um dos direitos económicos, sociais e culturais enunciados no Pacto. Sempre que uma comunicação seja submetida em representação de indivíduos ou grupos de indivíduos, é necessário o seu consentimento, a menos que o autor consiga justificar a razão que o leva a agir em sua representação sem o referido consentimento. (…) Algumas instituições envolvidas no combate à pobreza infantil - Amnistia Internacional Portugal - www.cogrupodireitosdascriancas.blogspot.pt/ - CARITAS - www.caritas.org - Comité dos Direitos da Criança – ONU – www2.ohchr.org/english/bodies/crc/ - Conselho da Europa - www.coe.int/t/dg3/children/ - CRIN – Child Right´s International Network - www.crin.org - Eurochild - www.eurochild.org - Forum sobre os Direitos das Crianças e dos Jovens - http://forumsobredireitoscrianca.blogspot.pt/ - Rede Europeia Anti-Pobreza - www.eapn.eu - Save the children - www.savethechildren.org - Unicef - www.unicef.org Grande é a alegria, a bondade e as danças Mas o melhor do mundo são as crianças Fernando Pessoa

A Tortura Existe

Celebra-se a 26 de Junho o Dia Mundial de Apoio às Vítimas da Tortura. Esta data, e este tema, fazem parte da lista que a ONU aprovou para lembrar ao mundo a sua obrigação de pensar nas grandes causas que afectam a vida de muitas pessoas. Em 2009, para celebrar esta data, o secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, declarou: “Apesar do impressionante quadro jurídico e institucional estabelecido para impedir a tortura, ela continua sendo uma prática amplamente tolerada e até utilizada pelos governos, e a impunidade dos seus perpetradores persiste. O Dia Internacional de Apoio às Vítimas da Tortura é uma ocasião para reafirmar o direito de todos, homens e mulheres, a viverem em liberdade e sem medo da tortura. Não existe justificação para a tortura ou qualquer outro tratamento ou pena cruel, desumano e degradante em qualquer sociedade, a qualquer tempo, sejam quais forem as circunstâncias.” Apesar das leis proibirem a tortura e todos as outras penas e tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, estas práticas continuam em quase todo o mundo. Ainda no mês passado a Amnistia Internacional divulgou o seu relatório anual, onde consta que a tortura é praticada em 112 países, entre os quais Portugal. E o que é a tortura? A sua definição diz-nos que é o acto pelo qual é infligida uma dor ou sofrimento, físico ou mental, com o fim de obter uma confissão, punir um acto, de intimidar ou coagir uma determina pessoa. Nesta definição simplificada não está considerada a visão do filósofo contemporâneo Michel Foucault, que leva a tortura à modelação dos seres humanos em entes passivos transformados em objectos do poder. Os métodos de tortura, e as entidades que a praticam, têm grande variedade. Desde os interrogatórios policiais, a vida no interior das prisões, a violência desproporcionada das autoridades e dos cidadãos, o desemprego e a prática de condições de vida e de trabalho miseráveis, até à pressão intensa sobre as crianças para um alto aproveitamento escolar que tem levado muitas delas ao suicídio por não aguentarem essa pressão. Um dos exemplos que mais chocou a opinião pública nos últimos anos relacionou-se com o tratamento dado aos suspeitos de estarem envolvidos no ataque às torres gémeas de New York, que continua na ordem do dia com a manutenção da prisão de Guantanamo e a opacidade que rodeia o envolvimento de muitos governos, incluindo o português, nos chamados voos secretos da CIA com o transporte e tortura de prisioneiros. Portugal ratificou recentemente o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outras Penas e Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes, permitindo a constituição dum mecanismo nacional de prevenção da tortura, que terá poderes para aceder a todos os locais onde se suspeite que esta possa estar a ser aplicada. O actual governo já anunciou que estas funções vão ser sediadas na Provedoria de Justiça. Mas bom seria que este mecanismo englobasse representantes da sociedade civil para assegurar uma transparência que um organismo do Estado nem sempre está em condições de oferecer (ademais quando órgãos desse mesmo Estado usam ou são coniventes com a prática da tortura). A abolição da tortura é um dos requisitos essenciais para a busca duma vida em comunidade justa e perfeita, de beleza e sabedoria, em paz e harmonia.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Prisões em notícia

Foi divulgado no mês passado o relatório do Conselho da Europa relativamente às condições desumanas e degradantes das prisões em Portugal, detectadas durante as inspecções que os peritos do Comité efectuaram em Fevereiro do ano passado. Desde celas apinhadas de reclusos, às deficientes condições médicas e sanitárias, maus tratos aos reclusos, dificuldade de acesso dos reclusos a um advogado, punições disciplinares excessivas, etc…, o relatório do Conselho da Europa, mais uma vez, denuncia o incumprimento por Portugal das condições mínimas a que estamos obrigados por força de sermos Estado-parte de tratados e convenções internacionais que a isso nos obrigam. Já não é a primeira vez que a opinião pública toma conhecimento das más condições das prisões portuguesas. É necessário que pensemos seriamente no que queremos com o cumprimento duma pena de prisão. Queremos que o recluso saia em condições de não voltar para a vida do crime ou queremos continuar no risco de sermos vítimas de actos de criminalidade? O princípio proclamado pelas mais altas instâncias políticas e religiosas é de que a prisão contenha objectivos de ressocialização, de modo a que uma vez cumprida a pena o recluso retome uma vida digna. Mas, para tal, teremos de proporcionar condições de dignidade que evitem tornar o recluso num revoltado com a sociedade que o tratou de forma desumana dizendo que o quer reinserir. E as situações referidas no relatório do Conselho da Europa são apenas uma amostra da realidade. Pode-se acrescentar a deficiente alimentação, em qualidade e quantidade, as poucas possibilidades de ocupar os reclusos com trabalho, as limitadas oportunidades de valorização escolar e profissional (os reclusos não têm acesso à internet – ferramenta indispensável nos dias de hoje a qualquer estudante), à má remuneração do trabalho prestado aproximando-se da escravatura, à falta de produtos higiénicos como sabonete ou papel higiénico, à dificuldade da manutenção das ligações familiares e a tudo que se possa imaginar num ambiente de cariz medieval, autoritário e desumano como é o das prisões. Torna-se necessário sermos coerentes com os objectivos que proclamamos. Se queremos diminuir a criminalidade proporcionando mais segurança aos cidadãos, se queremos diminuir o número de vítimas, não podemos fomentar o aumento de criminosos. A inexistência duma política séria de reinserção social faz-nos antever um futuro negro. Só nos últimos dez anos o número de técnicos de reinserção social na administração pública central diminuiu de 902 para 652 e o número de equipas de reinserção social diminuiu de 98 para 57. Isto faz antever o pior, já que diminuindo a reinserção social se vai aumentar a conflitualidade e a criminalidade. Por outro lado é, também, necessário desmistificar a opinião muito divulgada de que as penas são leves e de se deveria aumentar o tempo de permanência na prisão. Em Portugal o tempo médio de cumprimento de pena ultrapassa os dois anos enquanto a média do Conselho da Europa é de nove meses. Além de que o espaço disponível nas prisões está sobrelotado (a lotação máxima das 49 prisões portuguesas é de 12.077 reclusos mas em 15 de Abril último já lá estavam 14.020 reclusos). Isto não faz esquecer a solidariedade com que nos devemos comportar com as vítimas dos actos anti-socais, o que reforça a necessidade de prevenir a reincidência de forma a que não se criem mais vítimas nem mais reclusos. Em Janeiro do corrente ano Portugal ratificou o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura que prevê a criação de Mecanismos Nacionais de Prevenção da Tortura. É com expectativa que aguardamos a implementação destas estruturas, esperando que tal possa contribuir para a melhoria das condições prisionais. Se queremos viver em paz e sem o receio de podermos ser vítimas de práticas criminosas temos de prevenir as condições que propiciam o seu aparecimento. Num país que se diz católico é bom que pratiquemos o perdão e a misericórdia, de forma a que possamos colaborar na recuperação de quem, por razões que muitas vezes escapam ao seu querer profundo, caiu no erro da prática de actos anti-sociais. E devemos pensar como vivem os mais de 500.000 portugueses que já deixaram de receber os subsídios de desemprego e de inserção. É que a vida do crime muitas vezes surge como a única possibilidade. O desemprego, a toxicodependência, os despejos da habitação, as penhoras múltiplas, o sobreendividamento, o aumento de conflitos sociais, etc…, são fontes para a alimentação do crime.

Castigos Corporais sobre as Crianças – Da Barbárie à Civilização

Bater nos adultos é considerado agressão Bater nos animais é considerado crueldade Bater nas crianças é considerado para seu próprio bem (Conselho da Europa – Raise your hand against smacking!) O avanço civilizacional verificado na segunda metade do século XX ficará para a história como um marco relevante na construção do edifício onde se alojam os referenciais internacionais de direitos humanos. As raízes lançadas têm permitido o aprofundamento destes referenciais, continuando-se a assistir à aprovação de tratados e protocolos que aperfeiçoam e aprofundam as convenções e declarações já existentes. Este quadro estende-se aos direitos humanos específicos das crianças, que se encontram cobertos por vários referenciais, nomeadamente no âmbito da Organização das Nações Unidas e do Conselho da Europa. Os castigos corporais sobre as crianças têm ocupado lugar de destaque nas preocupações de quem trabalha esta área particular dos direitos humanos, não se tendo conseguido, até ao momento, afastar este flagelo do quotidiano de muitos milhões de crianças em todo o mundo. Marta Santos Pais, Representante Especial do Secretário Geral do ONU sobre a Violência contra as Crianças, mencionou no seu relatório, em Agosto de 2011, que somente 5% das crianças em todo o mundo beneficiam de proteção legal contra os castigos corporais. Foi para acabar com esta realidade que, recentemente, um conjunto alargado de organizações internacionais intergovernamentais (Conselho da Europa, Comité dos Direitos da Criança da ONU e UNICEF) e de organizações não governamentais ( CRIN – Child Rights International Network, Eurochild, Save the Children e outras) envolveram-se numa campanha para eliminar os castigos corporais da vida das crianças. “O problema é sério e está enraizado. Em toda a Europa as crianças são, quotidianamente, sovadas, esbofeteadas, sacudidas, beliscadas, pontapeadas, socadas, chicoteadas, batidas com réguas e com cintos, agredidas e brutalizadas pelos adultos, principalmente por aqueles em quem elas têm mais confiança. Estas violências podem corresponder a um acto de punição ou a uma reação impulsiva dos pais ou de um professor irritado. Em todos os casos constituem uma violação dos direitos humanos. O respeito pela dignidade humana e o direito à integridade física são princípios universais. Noções jurídicas, tais como castigo razoável ou correção legítima, advêm do facto de uma criança ser percebida como propriedade dos seus pais. Isto é o equivalente moderno das leis em vigor há um ou dois séculos atrás que autorizavam os mestres a baterem nos seus escravos ou servidores, assim como os maridos a baterem na sua mulher. Estes direitos repousam no poder imposto pelo mais forte ao mais fraco e são exercidos pela violência e pela humilhação. Só recentemente é que as crianças passaram a estar protegidas juridicamente da mesma forma que os adultos contra as violências deliberadas, proteção esta que os adultos têm geralmente como adquirida. Como é possível que as crianças, que se reconhecem particularmente vulneráveis às agressões físicas e mentais, tendo em conta o seu estado de desenvolvimento e a sua menor compleição física, beneficiem duma proteção menor contra as violências infligidas ao seu corpo, ao seu psiquismo e à sua frágil dignidade?...........................” Conselho da Europa -Comissariado dos Direitos Humanos (Comm DH 2006) 1 – Castigos corporais - Definição – (ONU - Comité dos Direitos da Criança) “Todo o castigo no qual a força fisica é empregue com a intenção de causar um certo grau de dor ou incomodidade, mesmo ligeira. Na maioria das vezes isto consiste em golpear (palmadas, bofetadas, sova) uma criança com a mão ou com um objecto: uma régua, um chicote, um cinto, uma colher de pau, um sapato. Além disto pode, também, consistir, por exemplo, em dar pontapés, sacudir ou atirar ao chão, arranhar, beliscar, morder, puxar os cabelos, puxar as orelhas, a obrigar a estar numa posição desconfortável, queimar, escaldar, a fazer ingerir pela força alguma coisa (por exemplo, lavando a boca com sabão ou forçando a engolir especiarias picantes). No entendimento do Comité dos Direitos da Crianças da ONU, o castigo corporal é invariavelmente degradante. Acresce ainda que existem outras formas não físicas de castigo também cruéis, degradantes e, portanto, incompatíveis com a Convenção dos Direitos da Criança. Isto consiste, por exemplo, em castigos que procuram rebaixar a criança, humilhá-la, assustá-la, denegri-la, fazê-la de bode expiatório, ameaçá-la, aterrorizá-la ou ridicularizá-la.” 2 – Five years on: A global update on violence against children – ONU 2011 (Destaques e enquadramento do relatório) - As crianças são os doentes dum ser chamado futuro. - Nenhuma violência contra as crianças é justificada e toda a violência contra as crianças tem prevenção. - As recomendações e orientações dos referenciais internacionais são elaboradas após estudo longo, participado e reflectido, de especialistas reconhecidos na matéria. - Cláusula 19ª da Convenção dos Direitos da Criança) - 1. Os Estados Partes tomam todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educativas adequadas à protecção da criança contra todas as formas de violência física ou mental, dano ou sevícia, abandono ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, incluindo a violência sexual, enquanto se encontrar sob a guarda de seus pais ou de um deles, dos representantes legais ou de qualquer outra pessoa a cuja guarda haja sido confiada. - As crianças continuam a serem humilhadas, agredidas, enxovalhadas e abusadas sexualmente por adultos. - Um obstáculo fundamental para não se terminar com a violência sobre as crianças é a continuada aceitação social de tais procedimentos. - Somente 11% dos crimes violentos contra crianças são objecto de participação policial enquanto que para os adultos tal valor se eleva a 37%.. - Entre 2006 e 2011 o número de Estados que adoptaram a proibição total de castigos corporais, em todos os aspectos da vida das crianças, incluindo no seio familiar, cresceu de 16 para 30 (incluindo Portugal). - O Conselho da Europa lançou uma campanha em 2008 para a proibição de todos os castigos corporais nos seus 47 estados-membro. 3 - Porque devemos abolir os castigos corporais infligidos às crianças Há muitas e boas razões para a abolição dos castigos corporais infligidos às crianças. Os castigos corporais: - constituem uma violação dos direitos das crianças, ao respeito pela sua integridade física, à sua dignidade humana e à protecção igual perante a lei; - podem pôr em risco os direitos da criança ao desenvolvimento, saúde, educação e mesmo à vida; - podem causar danos físicos e psicológicos graves às crianças; - ensinam às crianças que a violência é uma estratégia aceitável e adequada para resolver os conflitos ou para obter o que se quer dos outros; - são ineficazes como meio de impor a disciplina. Existem formas positivas de ensinar, corrigir ou disciplinar as crianças que são melhores para o seu desenvolvimento e contribuem para construir relações baseadas na confiança e respeito mútuos; 4 - Código Penal - Portugal Artigo 152.º Violência doméstica 1 — Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: a) Ao cônjuge ou ex -cônjuge; b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão de idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite; é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. 2 — No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos. 3 — Se dos factos previstos no n.º 1 resultar: a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos; b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos. ................................................ Artigo 152.º -A Maus tratos 1 — Quem, tendo ao seu cuidado, à sua guarda, sob a responsabilidade da sua direcção ou educação ou a trabalhar ao seu serviço, pessoa menor ou particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez, e: a) Lhe infligir, de modo reiterado ou não, maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais, ou a tratar cruelmente; b) A empregar em actividades perigosas, desumanas ou proibidas; ou c) A sobrecarregar com trabalhos excessivos; é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. 2 — Se dos factos previstos nos números anteriores resultar: a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos; b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos. 5 - Estratégia do Conselho da Europa para os Direitos da Criança – 2012-2015 Em 15 de Fevereiro de 2012 o Conselho da Europa adoptou uma nova estratégia para proteger e promover os direitos das crianças (Council of Europe Strategy of the Rights of Child 2012-2015 - Building a Europe for and with children – A Council of Europe programme for the promotion of children’s rights and the protection of children from violence). Esta estratégia é a resposta às necessidades expressas pelos governos, profissionais que trabalham com crianças, sociedade civil e pelas próprias crianças, que solicitam mais esforços para que sejam implementados os referenciais existentes. Para tal, o Conselho da Europa proporcionará orientação e apoio aos seus 47 estados-membro para que melhor colmatem as lacunas entre os direitos e a realidade das crianças na Europa. A estratégia focar-se-à nos seguintes quatro objectivos principais: Promoção de sistemas e serviços amigos das crianças (nas áreas da justiça, saúde e serviços sociais); Eliminação de todas as formas de violência contra as crianças (incluindo violência sexual, tráfico, castigos corporais e violência nas escolas); Garantia dos direitos das crianças em situações de vulnerabilidade, tais como, com deficiência, em detenção, em cuidados alternativos, migrantes e crianças ciganas; Promoção da participação da criança. Para que estes objectivos sejam atingidos, o Conselho da Europa continuará a actuar como organização de liderança no campo dos direitos das crianças. Neste sentido está em curso a campanha contra os castigos corporais sobre as crianças “Levante a sua mão contra a palmada!”. O castigo corporal é a mais alargada forma de violência contra as crianças e é uma violação dos seus direitos humanos. Ineficaz como meio de disciplina, transporta uma errada mensagem e causa sérios danos físicos e mentais. O Conselho da Europa enfrenta o castigo corporal numa campanha pela sua total abolição e pela promoção positiva da parentalidade não violenta nos seus 47 estados-membro. Como parte desta campanha foram produzidos materiais que se encontram disponíveis no seu website. Vinte e dois estados-membro já aboliram os castigos corporais e mais seis comprometeram-se a fazê-lo. Muitas personalidades conhecidas, incluindo chefes de estado e artistas, disponibilizaram-se para apoiar a campanha. A Suécia foi o 1º país a interditar os castigos corporais sobre as crianças em 1979. Portugal fê-lo em 2007. 6 – A Amnistia Internacional e os castigos corporais nas crianças Como organização não governamental empenhada na promoção, respeito, aprofundamento e divulgação dos direitos humanos universalmente consagrados, a Amnistia Internacional participa nas ações tendentes a interdição dos castigos corporais nas crianças. A violência sobre as crianças é uma chaga que tem de deixar de estar presente na vida das crianças, a par do acesso sem restrições aos serviços públicos essenciais (água, electricidade, saneamento, comunicações, etc...), à não discriminação económico/social, à parentalidade afetiva, à saúde, à educação, ao direito ao lazer e às actividades lúdicas. O Cogrupo sobre os Direitos das Crianças da Amnistia Internacional Portugal está a participar nas ações e campanhas levadas a efeito pelas mais variadas instituições com o objectivo de, o mais rapidamente possível, as crianças serem seres humanos a quem os seus direitos são respeitados. 7 – Instituições envolvidas na interdição da violência sobre as crianças - Amnistia Internacional Portugal - www.cogrupodireitosdascriancas.blogspot.pt/ - Comité dos Direitos da Criança – ONU – www2.ohchr.org/english/bodies/crc/ - Conselho da Europa - www.coe.int/t/dg3/children/corporalpunishment/ - CRIN – Child Right´s International Network - www.crin.org - Eurochild - www.eurochild.org - Forum sobre os Direitos das Crianças e dos Jovens - http://forumsobredireitoscrianca.blogspot.pt/ - Global Initiative to End all Corporal Punishment of Children - http://www.endcorporalpunishment.org - Save the children - www.savethechildren.org - Unicef - www.unicef.org Grande é a alegria, a bondade e as danças Mas o melhor do mundo são as crianças Fernando Pessoa

quinta-feira, 7 de março de 2013

A LIBERDADE NOS CONSUMIDORES

A liberdade concreta supõe que esteja garantido ao indivíduo o direito de se desenvolver, enquanto tal, num mundo cuja razão de ser seja para ele evidente e, portanto, sensata. Joël Wilfert - O Estado: Realidade Efectiva da Liberdade ........Na passagem de mais um Dia Mundial do Consumidor, que se comemora a 15 de Março, no mesmo mês em que se celebra o equinócio da Primavera, dando início ao período de dias do ano em a duração da luz se sobrepõe à escuridão, devemos ter em conta esta reflexão do filósofo contemporâneo Joël Wilfert que coloca a sensatez do meio como condição necessária para o exercício da liberdade. Assim sendo, importa analisar se neste início do século XXI se verifica a existência da sensatez necessária à liberdade nos consumidores. É consensual que duas grandes posturas caracterizam o consumidor enquanto tal: uma postura consumista ou uma postura consumeirista. A postura consumista baseia-se no conceito que engloba o consumo irracional, não reflectindo as consequências, baseado em factores impulsivos, consequência da tentação e dos padrões dominantes. A postura consumeirista tem por base o conceito que engloba o consumo racional e reflectido, baseado em princípios de natureza económica, social e cultural, com respeito pelas necessidades e consequências inerentes à actividade humana. E como se comportam, na generalidade, os consumidores no mundo actual? Quais são os principais problemas que se colocam aos consumidores neste início de século? A projecção do modelo que vigora neste início do século XXI irá colocar aos cidadãos uma dificuldade que condicionará (já condiciona) profundamente a sua intervenção como consumidores: a total impossibilidade de acompanhar, informados, a dinâmica, e as suas consequências, de novas tecnologias e de novos produtos, o significado das terminologias das instruções, a distinção entre o essencial e acessório, as formas de resistência à cada vez maior tentação da manipulação propagandística. As “novidades” são tantas e a tal velocidade que a capacidade humana da sua percepção é incapaz de as acompanhar, com a lucidez necessária. Para se poder estar preparado para este modelo de sociedade de consumo é necessário o apoio das bases de consumerismo, próprias e da comunidade, começando pela existência dum poder emanado do Estado, assente em imperativos ético-morais, com capacidades múltiplas de investigação e acção, como condição necessária para o embate com os interesses, exclusivamente económicos, a que a "economia global" conduz. Isto obrigará a uma cultura de solidariedade entre todos (produtores, comerciantes, governantes, gestores, etc...), fazendo com que a frase muitas vezes repetida "Somos todos consumidores" deixe de ser uma figura de retórica. - 2 - Os novos direitos humanos (políticos, ambientais, civis, culturais, sociais, etc...) têm de ser assimilados pelos cidadãos como seus e imprescindíveis, mais do que um fraseado constante dos códigos (Os códigos não podem estar divorciados dos cidadãos). Necessário é implementar, junto dos vários agentes (produtores, intermediários, reguladores, etc...), uma pedagogia que reforçe o sentido ético na comunidade, assim como uma cultura de solidariedade, de igualdade e de simplicidade, não se podendo continuar a aceitar a lei do que tem mais meios. Na situação actual existe uma noção pouco clara sobre o papel das diferentes entidades ligadas à defesa do consumidor, sendo um factor de grande confusão junto da opinião pública (DECO; DGC; ASAE; CES; Tribunal Arbitral; Julgado de Paz; CIAC’s; etc...). É, também, pacificamente reconhecido que a opção pela globalização da sociedade, começando pela globalização da economia, comporta riscos enormes na defesa e protecção dos consumidores, nomeadamente: - Aumento do volume de importações de mercadorias provenientes das mais diversas origens, com a dificuldade inerente de controle de qualidade, já que a produção dos artigos de grande consumo tende a deslocalizar-se para países de mão de obra barata e em que, normalmente, a obediência a padrões ambientais, laborais e de respeito por normas de defesa do consumidor é praticamente inexistente. O seu baixo preço seduz o consumidor a comprar sem reflectir. - Concentração da produção de artigos e bens de grande consumo em empresas agrupadas em holdings, possuidoras de grande força junto dos governos que os impedem de tomarem medidas de defesa dos consumidores (Ex: Banca; Seguros; Energia; Telecomunicações, etc…) - Privatização das grandes empresas do sector público, ou abertura ao sector privado de sectores tradicionalmente públicos, em grande número das quais quase monopolistas no mercado, e que sem concorrência ou com um pequeno número de empresas que lhes permite concertarem-se, e sem a moderação do Estado, poderá permitir a prática de políticas em que o consumidor quase não tem alternativa (Ex: Banca, EDP, Águas e Saneamento, CTT, CP, Petrolíferas, etc), não tendo sequer em consideração se se tratam de serviços públicos essenciais; - Insuficiente preocupação humanista na política educativa, transformando o cidadão em mero agente produtor/consumidor com pouca consciência social (Ex: a cada vez menor participação dos cidadãos em associações); - Modelo de sociedade que apela cada vez mais ao cidadão como agente passivo e não agente activo. (Papel das televisões – o cidadão come aquilo com que a televisão o tenta e não aquilo que decide conscientemente, logo aquilo que é suportado por quem tenha poder económico para passar muitos spots, o que não é sinónimo de garantia para o consumidor). - 3 - Enfim, um modelo de sociedade que pode transformar o cidadão em número estatístico e consumidor nato ainda que não possua a formação e solidez económica para tal (Ex: endividamento excessivo – o nº de sobreendividados e suicídios é relevado principalmente como questão estatística), já que: - O Estado é menos interveniente (Controle legislativo; Justiça, Educação etc...). - Há um acréscimo de poder das organizações de grande poder económico e de influência política (Banca; multinacionais, etc...). - Há um refinamento elevado nas mensagens publicitárias (recursos tecnológicos; erotismo; vedetismo, etc...). - Há um poder tremendo nos canais televisivos ( A TV é a única fonte de informação para milhões de portugueses e a soma das tiragens dos diários portugueses pouco ultrapassa os 200.000 exemplares). - Há uma menor disponibilidade dos cidadãos para se “preocuparem”. - As próprias associações de consumidores têm um papel reduzido na formação duma consciência activa, apesar da sua importância significativa em número de associados. Um ex-ministro da economia do governo português, Dr. Augusto Mateus, declarou após a sua saida do governo (há mais de 10 anos): com o peso do crédito a particulares, a diminuição do crédito às empresas e a diminuição da taxa de poupança, estamos num modelo não sustentável. Para colocarmos a sensatez como elemento balizador da liberdade nos consumidores importa trazer para a ordem do dia as grandes áreas de ação do consumerismo: - O direito à informação - O direito à formação dos consumidores - O direito à protecção da saúde e segurança - O direito à protecção dos interesses económicos - O direito à prevenção e reparação dos danos - O direito à protecção jurídica - O direito à qualidade - O direito à representação - O direito à preservação ambiental Estas grandes áreas, ao integrarem o potencial dos consumidores, permitirão enfrentar muitas das práticas problemáticas, quer as atrás referidas, quer outras ancoradas em culturas e tradições, já que continuamos a ver ser defendida a continuidade de valores considerados tradicionais mesmo quando os novos conhecimentos científicos a tal não aconselham, como por ex: -. Não se pode continuar a defender que o pão cozido em fornos de lenha e os enchidos fumados são melhores que os confeccionados em fornos eléctricos pois tal não é verdade, já que a atmosfera de cozedura dos fornos de lenha, ou de outros combustíveis, contém cinzas microscópicas e fumos que se incorporam nos produtos (com o actual conhecimento da medicina as cinzas e fumos são um potencial agente cancerígeno). - 4 - - Não se pode continuar a defender a utilização de faianças, barros porosos (barro vermelho ou preto) e utensílios de madeira (colheres de pau) na confecção e suporte de alimentos, já que a porosidade e a composição de alguns vidrados e tintas nessas cerâmicas as torna desaconselháveis. - Não se pode defender a utilização imponderada de novas matérias-primas, fruto do desenvolvimento científico e tecnológico (como é a utilização das nanotecnologias e das biotecnologias), não havendo ainda um completo conhecimento das implicações que tais materiais possam vir a ter na saúde e os seus custos ambientais. - Deve ser evitada a utilização de formaldeído (anti-vincos e solvente), ftalatos (amaciador de produtos em PVC) e de certos polímeros ou metais pesados (da actual lista oficial dos SVHC – substâncias indesejáveis de elevada preocupação - da Agência Europeia dos Produtos Químicos , há 138 substâncias com efeitos nocivos já comprovados que causam doenças, alergias, irritação na pele, problemas de fertilidade e de perturbação do sistema hormonal, sendo de prioridade a observância do regulamento europeu REACH – Registo, Avaliação, Autorização e Restrição de Substâncias Químicas) . - Deve-se questionar a indefinição da obrigatoriedade do símbolo made in como uma clara definição da origem do produto, recomendando-se a extensão de sistemas de certificação como a Oeko-Tex Standard 100 , que é um sistema de certificação para têxteis em todas as fases da produção de fibras , fios , tecidos e produtos prontos para uso final, incluindo acessórios. Em síntese, estamos perante um modelo que não coloca em lugar importante a ética no consumo. Assiste-se, com a famigerada globalização, à disseminação de modelos e padrões de comportamento, que afastam da consciência dos cidadãos a obrigatoriedade de pautarem toda a sua acção, influência e relacionamento, pelos valores assentes nos princípios de ética e cidadania. Na construção das bases duma sociedade justa e pacífica e na convicção de que a felicidade humana está ligada, umbilicalmente, à existência em paz duma consciência esclarecida, importa intervir para que o trilhar do caminho da vida seja feito sobre pilares de ética e cidadania, ao arrepio dos caminhos assentes em valores primários que, infelizmente, são o suporte das políticas que actualmente governam o Mundo, apesar das declarações hipócritas de muitos governantes que nos querem fazer querer o contrário, assim influenciando o comportamento das pessoas. A via para a liberdade dos consumidores passa por cada pessoa interiorizar o seu compromisso com essa liberdade. Já Agostinho Silva nos dizia num dos seus bonitos poemas: “... A primeira condição para libertar os outros É libertar-se a si próprio. ...”

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

A paz duma tarde de inverno ou a calmaria hegeliana de espírito

No terceiro sábado de Fevereiro do ano da graça de dois mil e treze, pelas 15 horas, vive-se a paz duma tarde de final de inverno, sentado ao abrigo duma varanda olhando para o jardim sul da Quinta das Rosas, com o sol já quentinho acompanhado duma brisa fria de norte. E esta paz adormece as preocupações da vida, coloca-nos de bem com a natureza, reconforta a alma e predispõe-nos para o "dolce fare niente". Bom para reflexões filosóficas. Que sentido tem o futuro dos seres vivos? Como se pode construir a felicidade no equilíbrio das várias relações afetivas? E como resolver as complicadas perturbações profissionais? Ou como tornar o dinheiro suficiente para garantir padrões mínimos dignos de vida? O jornal Público de hoje insere na sua última página a reflexão de Jean Jacques Rousseau "A espécie de felicidade que me falta não é tanto fazer o que quero mas não fazer o que não quero". É agradável a paz duma tarde fria e soalheira sem qualquer preocupação no horizonte próximo, usufruindo duma "calmaria hegeliana de espírito" como Pacheco Pereira refere na sua crónica de hoje no Público.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Desemprego e Criminalidade

Duas chagas têm vindo a dar, cada vez mais, sinal da sua presença na sociedade. E são chagas dolorosas, incómodas, desumanas e de difícil cura. E ninguém está seguro que alguma delas não lhe entre portas adentro. Há vacinas para a sua prevenção e a sua existência é fruto de erradas políticas que governam a comunidade. De acordo com uma notícia divulgada pelo jornal Financial Times há uma relação estreita entre estas chagas do desemprego e da criminalidade: por cada aumento de 1% no desemprego constata-se um aumento de 6% de homicídios ou crimes muito graves e por cada 1% de diminuição do PIB há um acréscimo igual de 1% em problemas sociais de dimensão significativa. Isto diz bem da sua importância e do seu frequente aparecimento nos boletins noticiosos dos órgãos de comunicação social. De acordo com as últimas informações das entidades que tratam com estatísticas (Eurostat; INE; IEFP) constatamos que dos mais de 900.000 desempregados portugueses cerca de 479.000 não recebem qualquer tipo de subsídio de desemprego (todos sabemos que além destes números oficiais há muitos mais desempregados e excluídos sociais que já não estão nas estatísticas). Alguns recebem o Rendimento Social de Inserção cujo valor médio por pessoa é de 89 euros mensais, sendo o valor médio mensal por família de 181 euros. E em finais de 2012 havia cerca de 2,3 milhões de portugueses a beneficiar de medidas sociais. Por outro lado, a Direção Geral da Reinserção e Serviços Prisionais, na sua divulgação periódica de reclusos nas prisões portuguesas, mostra-nos que nos últimos três anos a população prisional passou de 10.807 reclusos para 13.655, nos 49 estabelecimentos prisionais de Portugal. Ocorre perguntar: De que vive uma pessoa que não tem trabalho nem recebe qualquer subsídio? Onde arranjam estas pessoas meios para a sua subsistência e para pagar os encargos de habitação, água, electricidade, etc…? Como as instituições de solidariedade social têm vindo a proclamar, estas não dispõem de condições para auxiliar todas as pessoas que as procuram. Resta então a mendicidade e a criminalidade: E é a isso que estamos a assistir. Temos vindo a registar uma mendicidade crescente nas ruas e às portas das nossas casas que, pese a generalidade da bondade dos portugueses, deve sentir, com frequência a constatação que a poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen nos deixou cheia de poesia e amargura: “Ai dos pobres! Há sempre uma boa razão para lhes dizer não.” Na minha acção de voluntariado nas prisões confronto muitas vezes os reclusos com a violência e a desumanidade dos roubos e assaltos a pessoas. Seguem-se, normalmente, confissões angustiantes e justificações dolorosas de ouvir. Como reage um ser humano que nada tem mas a quem a sociedade exige o pagamento da renda ou da prestação da casa, da água, da electricidade, do passe para a escola dos filhos, etc…? Para já não falar de como será uma relação familiar numa casa cheia de carências. Ainda na passada época de Natal, altura em que os canais de TV dedicam mais tempo aos dramas humanos, assistimos a testemunhos de sofrimento inaceitáveis numa sociedade que se diz civilizada. A via para a criminalidade abre-se como quase o único caminho para quem já se fecharam todas as portas de acesso a uma conduta digna. Urge alterar a forma tecnocrática e fria como se olha para as consequências do modelo de sociedade que vê as pessoas como objectos ao serviço de estratégias económico-financeiras que não têm em conta a dignidade de todos os seres humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos tem de continuar a ser um farol e um guia para todas as pessoas. Urge arrepiar caminho!

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Dezembro

Sendo o último mês do ano no hemisfério norte, em que o Outono cede o lugar ao Inverno, e aquele que tem menos horas de luz solar, o mês de Dezembro contém, também, a data marcante na história da humanidade como é o Natal no dia 25, celebrando o nascimento de Jesus Cristo, dia este que tem em muitos países uma importância simbólica inigualável. No entanto, outra data do mês de Dezembro tem particular relevância como é a da proclamação, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 10 de Dezembro de 1948. Ambos os eventos tocam profundamente naquilo que de mais valioso afecta a vida das pessoas e, neste sentido, a segunda metade do século XX teve extraordinária importância no aprofundamento desses valores, começando nessa Declaração Universal dos Direitos Humanos e continuando nas sucessivas Convenções, Pactos e Protocolos, que permitem podermos dispor dum conjunto de referenciais jurídicos, consagrando na lei princípios e direitos que consideramos inalienáveis, tais como, a rejeição do ódio e da segregação, a primazia dos valores sobre os interesses, a valorização dos afectos, a liberdade como valor absoluto, o reconhecimento do estatuto específico da criança, o estabelecimento do direito à saúde, à educação, à segurança social, à protecção no desemprego, o direito à vida, a criação de requisitos básicos de vida digna (habitação, água, electricidade e outros serviços públicos essenciais), etc,etc,etc. A conjugação das duas datas de inegável alcance na história da humanidade, no mês de Dezembro, aprofunda a sensibilização de todos nós para os valores humanos da justiça, igualdade, fraternidade, liberdade e dignidade humana. Celebremos, então, estes ideais embalados pelo que de mais profundo neles encontramos: a paz e o amor ao próximo.

Fuga do Estado às suas Obrigações

Durante a segunda metade do século XX a comunidade internacional, através, nomeadamente, da Organização das Nações Unidas e do Conselho da Europa, acordou num conjunto significativo de referenciais jurídicos tendentes a assegurar aos seus cidadãos a garantia do direito aos mais variados aspetos que têm a ver com padrões dignos de vida, como sejam o acesso ao trabalho, à habitação, à saúde, à educação, aos serviços públicos essenciais (água, energia, saneamento, etc…), à segurança social, à liberdade de expressão, à liberdade de reunião e associação, etc… . Dos mais conhecidos pode-se salientar, por exemplo, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional dos Direitos Económicos Sociais e Culturais, a Convenção dos Direitos da Criança e a Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Os Estados ao ratificarem estes referenciais jurídicos (tratados, convenções, pactos e protocolos) assumem o compromisso de promover e respeitar as obrigações neles constantes. Desde o final do século XX tem-se vindo a assistir a um crescendo de decisões de muitos Estados tendentes a fugirem às responsabilidades decorrentes do facto de serem Estados-Parte desses referenciais jurídicos, nomeadamente com a privatização de serviços públicos através dos quais era assegurado aos cidadãos o acesso a estes serviços. Com a privatização o Estado deixa de dispor directamente de mecanismos para assegurar o cumprimento das suas obrigações, já que são os Estados que se comprometem com o estatuído nesses referenciais jurídicos e não organizações privadas que, quando muito, apenas têm de cumprir aquilo que a transposição desses referenciais para o direito interno as possa obrigar. E não nos podemos esquecer que muitas multinacionais, que aparecem a adquirir empresas públicas de serviços, são originárias de países que não ratificaram os referenciais que enquadram estes serviços, não estando habituadas às obrigações antecedentes à privatização, logo pouco predispostas ao seu cumprimento. Estamos, portanto, a correr sério risco de pôr em causa aspectos básicos de dignidade de vida, já que não é só o facto do acesso público ser dificultado com taxas cada vez mais elevadas nos serviços prestados pelos Estados, como, também, passarmos a ser obrigados de recorrer a empresas privadas para termos serviços públicos essenciais, com as consequentes limitações decorrentes dos preços que estas praticam sem serem obrigadas a considerações humanistas, ou constitucionais, que permitam o acesso das pessoas sem condições económicas para tal. Além das empresas privadas serem, naturalmente, norteadas pela máxima rentabilidade económica, pelo que, dificilmente, prestarão esses serviços em locais que não disponham dum número de utentes com dimensão económica que justifique essa prestação de serviço, agravando os custos de interioridade ou de agregação sócio-económica. Os referenciais jurídicos que a comunidade internacional assumiu durante a segunda metade do século XX têm de ser defendidos já que se trata de proporcionar o acesso a padrões básicos de vida com dignidade a todos os seres humanos. Fazem parte dos direitos humanos universalmente consagrados que, como tais, são universais, iguais, indivisíveis e interdependentes. Têm a palavra as cidadãs e os cidadãos. Manuel Almeida dos Santos

Ferhat Gerçek

O domínio quase obsessivo, nos últimos tempos, das preocupações da comunidade pelas questões de índole económica tem levado a um quase esquecimento de outros valores importantes para a vida das pessoas. Sendo o direito ao emprego, a um salário digno, à protecção social, direitos humanos claramente inscritos nos referenciais internacionais a que todos estamos obrigados a respeitar e promover, isto não pode ofuscar outras violações de direitos de direitos humanos, já que estes são universais, iguais, indivisíveis e interdependentes. Como exemplo atentemos no que se está a passar com o cidadão turco Ferhat Gerçek, de 22 anos de idade, que está paralisado da parte esquerda do corpo após ter sido baleado pela polícia em 7 de Outubro de 2007 (tinha então 17 anos), em Yenibosna – Istambul, quando se encontrava com outros colegas a vender revistas. A polícia interpelou-os e alega que o grupo os obrigou a utilizar a força que incluiu a utilização de disparos de armas de fogo, os quais atingiram Ferhat Gerçek. O caso encontra-se em apreciação judicial, sendo a acusação contra Ferhat Gerçek (violação da lei que regula o direito de reunião e manifestação, resistência à autoridade pública e autoria de danos materiais) passível duma condenação até 15 anos de prisão. As diligências processuais não têm respeitado as normas internacionais de investigação para julgamentos justos e imparciais, havendo, além de outras irregularidades, ameaças e pressões sobre as testemunhas a favor de Ferhat Gerçek que presenciaram os incidentes. A Amnistia Internacional, organização internacional prestigiada no trabalho pelos direitos humanos, insiste que seja efectuada uma investigação imparcial relativamente aos acontecimentos e que os responsáveis sejam presentes perante a justiça com garantias dum julgamento justo. Reclama ainda que Ferhat Gerçek receba uma justa compensação logo que o tribunal conclua que a acção dos agentes policiais que o vitimou foi ilegal, e que o julgamento de Ferhat Gerçek seja conduzido de forma justa, respeitando os critérios de direito internacional com garantias de que as testemunhas possam testemunhar livremente. A observância destas exigências, constantes do direito internacional a que os Estados estão obrigados, não tem obtido por parte das autoridades turcas o empenho na sua concretização, pelo que é solicitada a pressão da opinião pública junto das autoridades para que tal seja observado. No momento difícil que hoje toca estratos alargados do comunidade, é uma exigência cívica e de cidadania que manifestemos o nosso apoio aqueles que dele necessitam. Não deixemos que valores civilizacionais arduamente construídos pelos nossos pais e avós sejam pisados impunemente, permitindo barbaridades sobre seres humanos impotentes para reagirem por si sós às atrocidades que caem sobre eles. Manifestemos a Ferhat Gerçek o apoio que lhe permita sentir que há seres humanos sensíveis aos valores da justiça e da solidariedade, exigindo das autoridades turcas o cumprimento dos normativos internacionais, atrás referidos, a que estão obrigadas.

Crianças e jovens: Que Futuro?

Foram divulgadas recentemente estatísticas relativas à situação dos jovens na União Europeia, ficando-se a saber que 14 milhões de jovens (260 mil só em Portugal), entre os 15 e os 29 anos, não estão a trabalhar, nem a estudar, nem a receber formação (os chamados NEET - not in employment, education or training) e que, em 2011, dos 94 milhões de jovens europeus, dessa faixa etária, só 31 milhões estavam empregados. Ficamos, também, a saber que em Agosto último Portugal registava uma taxa de desemprego de 35,9% nos jovens desta faixa etária e que 55% dos que tinham alguma ocupação laboral estavam com contratos temporários. Além de que estão a emigrar cerca de 100.000 portugueses por ano, na sua maioria jovens qualificados. Esta realidade é aterradora e deixa, de forma bem clara, a imagem do drama que atravessam as famílias com jovens nestas circunstâncias, quase se podendo dizer que rara é a família que não está a ser tocada por esta tragédia. Para já não falar na odisseia daqueles jovens que ainda não desistiram de procurar ocupação, com o envio de centenas de currículos para tudo o que é empresa ou instituição e o calvário de entrevistas sem fim ou deslocações a centros de selecção e emprego. No dia 19 de Novembro celebra-se o 23º aniversário da Convenção dos Direitos da Criança. Neste referencial jurídico, que obriga os Estados Partes, está estabelecido que “ Artº 27º-1. – Os Estados Partes reconhecem à criança o direito a um nível de vida suficiente, de forma a permitir o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social”. Sendo isto obrigatório para todos os Estados que ratificaram esta Convenção (entre os quais está Portugal) aqueles que não têm tomado as medidas políticas a que estão obrigados têm de ser responsabilizados pelas consequências que estão a penalizar os jovens. Como podem os responsáveis políticos exigir dos cidadãos o cumprimento das suas obrigações se eles próprios dão um exemplo flagrante de irresponsabilidade? O relatório da União Europeia alerta para o risco de estes jovens se tornarem política e socialmente alienados, sobretudo quando o desemprego de longa duração assume tais proporções alarmantes, aludindo a denominadores comuns como o stress psicológico, o isolamento, a adopção de comportamentos de risco e abstencionismo eleitoral, concluindo a Comissão Europeia que o que em última instância está em perigo é a própria democracia, dada a tendência comprovada de estes jovens se afastarem dos partidos políticos e dos sindicatos e aderirem a movimentos propensos a protestos radicais. Resta a pergunta: E não é justo que os jovens se revoltem? (E de que está à espera a Comissão Europeia para adoptar políticas que invertam este cenário? Ou já ficam satisfeitos por virem dar testemunho público da sua incompetência e da sua errada política de prioridades?). Com que sentimento iremos comemorar o 23º aniversário da Convenção dos Direitos da Criança se muitos dos jovens que têm hoje 23 anos se encontram sem futuro promissor à sua frente?