quinta-feira, 16 de maio de 2019

Dia da Europa


Dia da Europa


O mês de Maio é particularmente relevante na criação de dois dos pilares importantes na construção da Europa: o Conselho da Europa fundado em 5 de Maio de 1949 e a União Europeia cujas origens remontam a 9 de Maio de 1950. dia da Europa ou dia da União Europeia é uma data comemorativa celebrada anualmente na Europa no dia 9 de Maio.
O Dia da Europa comemora a paz e a unidade e assinala o aniversário da «Declaração Schuman». A 9 de maio de 1950, Schuman propõe, inspirado por Jean Monnet, a criação de uma comunidade europeia para gerir o carvão e o aço (base do poderio militar e do desenvolvimento industrial). Em 1951, é criada a CECA, 1.ª organização supranacional, e dado o 1.º passo para a integração europeia. Em 1957, os Tratados de Roma consolidam esta integração com a criação das comunidades CEE e CEEA. Assim, a UE nasceu de uma iniciativa de paz focada na construção de um futuro.
A Declaração Schuman é considerada o embrião da atual União Europeia
A ideia da comunidade era que os membros fundadores – França, Alemanha, Itália, Holanda, Bélgica e Luxemburgo – unissem esforços e recursos inerentes ao comércio do carvão e do aço para criar um mercado comum ao serviço dos seus interesses, ganhando assim direitos de importação e de exportação. O objetivo, em grande parte puramente económico, foi traçado e defendido pelo ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Robert Schuman, de origem luxemburguesa, cinco anos após o fim da Segunda Guerra Mundial.
Mas este projeto estava igualmente dotado de ambições políticas. A ideia era reunir os diferentes agentes económicos da França e da Alemanha para reduzir o risco de conflitos no futuro.
Na declaração lê-se: “A solidariedade de produção assim alcançada deixa claro que qualquer guerra entre a França e a Alemanha se torna não só impensável como também materialmente impossível.”
O tratado foi assinado em Paris em 1951 e entrou em vigor no ano seguinte.
O projeto inicial permitiu aprofundar a integração económica desses países e criar depois a Comunidade Económica Europeia, com a assinatura do Tratado de Roma em 1958.
O Acto Único Europeu de 1985 fixou o objectivo de criar um único mercado comum, enquanto o Tratado de Maastricht em 1992 viu o nascimento da União Europeia, em seguida, com 12 países, definindo o caminho para a atual União Económica e Monetária.
A partir dos seus objectivos iniciais, de natureza económica particular, chegamos, hoje, a um espaço geográfico que se compromete a construir a paz, dentro das sua fronteiras e no resto do mundo, e a alcançar um modelo económico, social e cultural de base humanista e alicerçado no Estado de Direito, incorporando os referenciais jurídicos constantes dos dois grandes instrumentos internacionais de direitos humanos: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Económicos,
Conselho da Europa é uma organização internacional fundada a 5 de Maio de 1949, a mais antiga instituição europeia em funcionamento. Os seus propósitos são a defesa dos direitos humanos, o desenvolvimento democrático e a estabilidade político-social na Europa. Tem personalidade jurídica reconhecida pelo direito internacional e serve cerca de 800 milhões de pessoas em 47 Estados, incluindo os 28 que formam a União Europeia.
Os seus pais fundadores foram: Winston Churchill Prime Minister of the United Kingdom; Konrad Adenauer Chancellor and Minister for Foreign Affairs of the Federal Republic of Germany; Robert Schuman French Republic Minister for Foreign Affairs; Paul-Henri Spaak Prime Minister and Foreign Minister of Belgium in the 40s and 50s;  Alcide de Gasperi Prime Minister of the Republic of Italy: e Ernest Bevin United Kingdom Secretary of State for Foreign Affairs.
Dentro do Conselho da Europa encontra-se, por exemplo, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. É para esse tribunal que são encaminhados os processos em que os europeus acham que um determinado Estado-membro violou um ou vários direitos.
A sede do Conselho é em Estrasburgo, na França.
Hoje são 47 os Estados membros e contam-se 8 observadores (5 no Conselho e 3 na Assembleia), incluindo todos os países europeus a exceção do Cazaquistão, da Bielorrússia e do Vaticano. Sua composição original (à data de sua fundação) era de dez membros. Portugal foi admitido em 22 de setembro de 1976.
 Desde a sua fundação, em 1949, o Conselho da Europa está consciente da necessidade de dar à Europa um símbolo com o qual os seus cidadãos possam identificar-se. No dia 25 de outubro de 1955, a Assembleia Parlamentar aprovou unanimemente o emblema de um círculo de estrelas douradas sobre um fundo azul. Em 9 de dezembro de 1955, o Comité de Ministros da organização adotou a bandeira estrelada, que foi lançada oficialmente a 13 de dezembro do mesmo ano em Paris. A bandeira tem, sobre o fundo azul celeste, as estrelas que formam um círculo, simbolizando a união. O número de estrelas é fixo, sendo doze o símbolo da perfeição e da plenitude, que evoca assim os apóstolos, os filhos de Jacob, os trabalhos de Hércules, os meses do ano, etc.
Em 1983, o Parlamento Europeu adotou por sua vez a bandeira criada pelo Conselho da Europa e recomendou que se tornasse o emblema da Comunidade Europeia. O Conselho Europeu deu a sua aprovação em junho de 1985. As instituições da União Europeia utilizam a bandeira desde 1986.
A bandeira europeia tornou-se desde então sinónimo de um projeto político partilhado, que une todos os europeus, transcendendo a sua diversidade.
Os Valores do Conselho da Europa são os Direitos Humanos, a Democracia e o Estado de Direito, consubstanciados nos 223 tratados, convenções, protocolos e outros instrumentos jurídicos já aprovados até 30 de Abril de 2019. 
O Conselho da Europa preconiza a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, a liberdade de reunião, a igualdade, e a proteção das minorias. Tem lançado campanhas sobre temas como a proteção das crianças, o discurso do ódio na internet e os direitos dos ciganos, a minoria mais importante na Europa. O Conselho da Europa ajuda os Estados-membros a lutar contra a corrupção e o terrorismo e a conduzir as reformas judiciais necessárias. O seu grupo de peritos constitucionais, conhecidos pelo nome de Comissão de Veneza, oferece aconselhamento jurídico a países de todo o mundo.
O Conselho da Europa promove os direitos humanos através de convenções internacionais. Acompanha o progresso dos Estados-membros nestas áreas e apresenta recomendações por intermédio de órgãos de monitorização especializados e independentes.
Os seus Órgãos de monitorização são:
O Conselho da Europa desempenhou um papel de precursor na luta para a abolição da pena capital, sustentando que esta não tem lugar nas sociedades democráticas. Em abril de 1983, adotou o Protocolo n.° 6 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem abolindo a pena de morte, seguido em maio de 2002 pelo Protocolo n.° 13 sobre a abolição em todas as circunstâncias.
O Conselho da Europa fez da abolição da pena capital uma condição prévia para a adesão. Não teve lugar qualquer execução nos 47 Estados-membros da Organização desde 1997. Presentemente, não há um único Estado-membro do Conselho da Europa que aplique a pena de morte.
Relativamente aos direitos humanos, ao aderir ao Conselho da Europa, cada país aceita submeter-se a mecanismos de monitorização independentes que avaliam o respeito pelos direitos humanos e as práticas democráticas no seu território. Por exemplo, o Comité para a Prevenção da Tortura do Conselho da Europa efetua regularmente visitas não anunciadas a locais de detenção nos 47 Estados-membros (prisões, esquadras de polícia, centros de detenção para estrangeiros) a fim de avaliar o tratamento das pessoas privadas da sua liberdade.
O Comité Europeu dos Direitos Sociais, por sua vez, verifica a implementação dos direitos à habitação, saúde, educação, emprego e livre circulação garantidos pela Carta Social Europeia nos respetivos países.
Outro exemplo é o Grupo de Estados contra a Corrupção (Greco), que identifica as lacunas nas políticas nacionais de luta contra a corrupção e incita os países a proceder às reformas legislativas, institucionais ou administrativas necessárias. A sua avaliação baseia-se nas convenções relevantes do Conselho da Europa.
A Convenção Europeia dos Direitos do Homem proíbe todas as formas de discriminação por parte de uma autoridade pública, por qualquer motivo. O Conselho da Europa desenvolve várias atividades para proteger minorias, incluindo a minoria mais importante na Europa, os Ciganos.
A Aliança Europeia de Cidades e Regiões para a Inclusão dos Ciganos, por exemplo, é uma iniciativa do Congresso dos Poderes Locais e Regionais do Conselho da Europa. Um resultado concreto da Aliança é o projeto Romact, conduzido em conjunto com a União Europeia.
Por seu lado, a Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância analisa estes fenómenos específicos e apresenta regularmente recomendações aos 47 Estados-membros do Conselho da Europa.
O Conselho da Europa é também um ator de primeiro plano no combate à discriminação com base na orientação sexual ou na identidade de género.
Por fim, a Convenção Quadro para a Proteção das Minorias Nacionais prevê um mecanismo de monitorização que avalia e melhora a proteção das minorias nos países envolvidos.
Não pode existir verdadeira democracia sem liberdade de expressão e sem meios de comunicação social livres e pluralistas. A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem proporciona à imprensa uma proteção extremamente alargada, nomeadamente no que respeita à confidencialidade das fontes jornalísticas. No entender do Tribunal, a ausência de tal proteção poderia dissuadir estas fontes de ajudar a imprensa a manter o público informado sobre questões de interesse geral.
O direito de liberdade de expressão aplica-se também às novas formas de comunicação de massas, incluindo a Internet. O Conselho da Europa zela constantemente por este direito, tendo em conta eventuais desenvolvimentos.
O Conselho da Europa está a ajudar vários dos seus Estados-membros a melhorar a sua legislação e políticas sobre a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. São também organizados cursos de formação e visitas de estudo para os profissionais da comunicação social.
Em matéria de justiça e democracia, a igualdade de género é agora considerada importante para o crescimento económico dos países. Os textos do Conselho da Europa neste domínio têm por objetivo combater todas as formas de discriminação das mulheres e promover o papel das mulheres na sociedade.
A Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres, que representa um avanço considerável neste domínio, assenta no pressuposto de que esta violência não pode ser erradicada a não ser que sejam investidos mais esforços para alcançar maior igualdade entre homens e mulheres.

Na proteção dos direitos das crianças tem-se em conta que são vulneráveis e dependem dos adultos para satisfazer a maior parte das suas necessidades. O programa do Conselho da Europa para as crianças tem como objetivo proteger os seus direitos, impedir todas as formas de violência contra elas, assegurar o processamento judicial dos autores de crimes e promover a participação das crianças nas decisões que lhes dizem respeito.

A Convenção do Conselho da Europa sobre a Proteção das Crianças contra a Exploração e o Abuso Sexual tornou-se assim o primeiro instrumento que criminaliza o abuso sexual de crianças, incluindo os abusos cometidos em casa ou no seio da família. Esta Convenção entrou em vigor no dia 1 de julho de 2010.
Além disso, o Conselho da Europa adotou diretrizes que visam melhorar o acesso das crianças à justiça.

Na defesa da diversidade cultural, e no seguimento da adoção, em 2008, do seu “Livro Branco sobre o Diálogo Intercultural”, o Conselho da Europa iniciou vários programas sobre formação de professores, a proteção das minorias e a coesão social, incluindo um diálogo anual com as comunidades religiosas e representantes de crenças não religiosas. Uma rede de Cidades Interculturais ajuda as suas cidades membros a gerir a diversidade cultural e fomenta o envolvimento e a interação entre grupos heterogéneos em locais públicos, a fim de estimular a coesão social. Desenha também ferramentas para resolver conflitos culturais.

Para promover a compreensão intercultural, o Conselho da Europa elabora programas e ferramentas para melhorar o ensino das línguas.

Relativamente à observação das eleições, é através das atividades de aconselhamento e observação que a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e outras instituições europeias, tais como a OSCE, ajudam a garantir eleições democráticas, livres e justas em todo o continente.

O Congresso dos Poderes Locais e Regionais observa periodicamente as eleições locais e regionais nos 47 Estados-membros do Conselho da Europa. As suas missões de observação abrangem o conjunto do processo eleitoral e complementam as suas atividades de monitorização da Carta Europeia da Autonomia Local.
Além disso, a fim de melhorar o bom desenrolar das eleições, o Conselho da Europa formula programas de assistência para a reforma de fundo das legislações eleitorais, para a constituição das listas eleitorais e para a formação de observadores e funcionários eleitorais nacionais.

Sobre a educação em direitos humanos e na democracia, cobre-se também a participação ativa dos cidadãos na vida em sociedade, nomeadamente no quadro de atividades da sociedade civil. O Conselho da Europa desenvolve estratégias e ferramentas para promover a aprendizagem dos direitos humanos e da democracia. A Carta do Conselho da Europa sobre a Educação para a Cidadania Democrática e a Educação para os Direitos Humanos mostra-nos como pôr em prática esses valores.

Mais de 5 000 animadores juvenis são formados anualmente nos Centros Europeus da Juventude em Budapeste e Estrasburgo. Os cursos fornecidos produzem um efeito de cascata, pois os animadores juvenis transmitem o que aprenderam aos membros das suas associações. Mais de 15 000 jovens beneficiam também de projetos apoiados pelo Fundo Europeu para a Juventude, a fim de promover a compreensão, tolerância e solidariedade.

Para a qualidade dos medicamentos e dos cuidados de saúde, o Conselho da Europa conseguiu estabelecer uma agência única de medicamentos que harmoniza as normas de qualidade das substâncias utilizadas no fabrico de produtos farmacêuticos. A Farmacopeia Europeia reúne 37 Estados-membros e a União Europeia. Há diversos Estados com estatuto de observadores e a OMS e a Taiwan Food and Drug Administration têm também este estatuto.

Os trabalhos do Conselho da Europa abarcam ainda campos de saúde específicos, tais como a transfusão sanguínea e o transplante de órgãos.
A Direção Europeia da Qualidade dos Medicamentos e Cuidados de Saúde (DEQMCS) é responsável por todas essas atividades.
Graças à Convenção “Medicrime”, que está aberta aos países não-europeus, é agora possível sancionar criminalmente, por razões de atentado à saúde pública, a distribuição e a venda de produtos médicos contrafeitos (incluindo através da Internet).
A estrutura do Conselho da Europa compõe-se dum O Secretário-Geral (Eleito por cinco anos pela Assembleia Parlamentar para liderar a Organização e é responsável pelo planeamento estratégico, pela orientação do programa de atividades e pelo orçamento do Conselho da Europa. O Secretário-Geral dirige e representa a Organização); dum Secretário-Geral Adjunto que é também eleito por um mandato de cinco anos pela Assembleia Parlamentar através de uma votação separada; do Comité da Ministros (este é o órgão de decisão do Conselho, sendo composto pelos ministros dos Negócios Estrangeiros de cada Estado-membro ou pelos seus representantes diplomáticos permanentes em Estrasburgo. O Comité dos Ministros determina a política do Conselho da Europa e aprova o seu orçamento e programa de actividades); da Assembleia Parlamentar (APCE - reune 324 parlamentares dos 47 Estados-membros; a Assembleia elege o Secretário-Geral, o Comissário dos Direitos do Homem e os juízes do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem; oferece um fórum democrático para debates e observa as eleições; as suas comissões desempenham um papel importante no exame das questões da actualidade); O Congresso dos Poderes Locais e Regionais (é responsável por reforçar a democracia local e regional. É composto por 648 membros eleitos que representam mais de 200 000 autoridades locais e regionais. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (Órgão judiciário permanente que garante a todos os europeus os direitos consagrados na Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Está ao dispor de Estados e indivíduos, independentemente da sua nacionalidade. Os 47 Estados-membros do Conselho da Europa são partes da Convenção). O Comissário dos Direitos Humanos (ocupa-se e chama a atenção para as violações dos direitos humanos, com toda a independência) e a Conferência de ONGI (Composta por aproximadamente 400 organizações não governamentais internacionais (ONGI), criando um elo vital entre os representantes políticos e os cidadãos e fazendo ouvir a voz da sociedade civil no Conselho. A perícia das ONGI e a sua proximidade dos cidadãos europeus são altamente benéficas para o trabalho do Conselho).
Em resumo: Quer o Conselho da Europa, quer a União Europeia, são estruturas políticas que pretendem fazer da Europa um exemplo de vivência humanista, em bases consonantes com os valores maçónicos de liberdade, igualdade e fraternidade, pelo que  devemos celebrar o aniversário da sua existência, independentemente de algumas das suas decisões nem sempre estarem em linha com o seu entendimento e de alguns dos seus líderes não serem os que desejaríamos.  
Os referenciais de direitos humanos construídos por estas instituições traduzem uma cultura civilizacional ímpar na história da humanidade. Infelizmente, nos últimos anos, temos vindo a assistir ao seu desrespeito por parte da generalidade de dirigentes políticos que cultivam uma subserviência ao poder económico-financeiro, de interesse pessoal oligárquico, ignorando e menosprezando a necessidade de observância quotidiana aos referenciais jurídicos a que estão obrigados. Ao comemorarmos esta data assumamos a vigilância e o empenhamento numa Europa livre, fraterna e solidária. 

sábado, 11 de maio de 2019

Igualdade de Género


2º Congresso Académico Internacional
Rito Moderno /Rito Francês
Prancha
A Igualdade de Género no Rito Moderno /Rito Francês
MMQQII em todos os vossos graus e qualidades
Congratulando-me com esta iniciativa da realização do 2º Congresso Académico Internacional do Rito Moderno/Rito Francês, em que me é dada a oportunidade de abordar a questão da igualdade de género, que tem de ser enfatizada dada a relevância que, nos últimos anos, tem vindo a adquirir na opinião pública. Tal relevância não pode deixar de ser considerada na Maçonaria, já que esta instituição tem a igualdade como um dos pilares da sua divisa L:.I:.F:. .
A igualdade de género tem sido objecto de alargado aprofundamento, podendo ter como definição as linhas gerais já consensualizadas no seio da comunidade internacional, como colocando os dois géneros humanos, homens e mulheres, em planos do mesmo nível, eliminando as diferentes formas de desigualdade desenvolvidas, desde a antiguidade, de patamares com flutuações diversas ao longo do tempo. Trata-se, agora, de estabelecer uma verdadeira equivalência social estendida a todo o espectro da identidade dos seres humanos, incluindo a identidade sexual. Deve-se ter em conta que a identidade natural (sexo), a orientação sexual e a identidade de género são conceitos diferentes.
Maria Luísa Ribeiro Ferreira, professora catedrática de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tem estado ligada às questões da Filosofia do Género, constatando que o termo género é frequentemente utilizado como uma categoria de análise nas filosofias feministas. Trata-se de um conceito que começou por ser  perspectivado na sua oposição ao sexo. Este tinha a ver com o biológico e, até meados do século XX, consideravam-se distintamente dois sexos no universo humano – mulheres e homens. Hoje, as mutações sociais e culturais, bem como o desenvolvimento da biologia e da medicina, introduziram  alterações nessa fronteira, surgindo novas categorias que  a abalaram – os homossexuais, as lésbicas, os transsexuais, entraram no discurso quotidiano e no universo científico, originando uma imensidade de escritos relativos às suas diferenças, à sua situação e aos seus direitos.
Na visão dicotómica sexo/género, dominante nos primeiros anos dos Women Studies, o termo sexo aplicava-se ao biológico enquanto o género dizia respeito a uma construção intelectual.

O contributo que nesta prancha apresento é, apenas, uma achega para a discussão em curso na sociedade, não esgotando todos os casos e situações em que verifica a desigualdade de género.
A igualdade de género encontra-se consagrada em vários referenciais de direitos humanos, como sejam a Declaração Universal dos Direitos Humanos (Artº 1º - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos), a Constituição da República Portuguesa (Artº 13º - Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei), assim como a  Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação da Mulher de 1979 (Artº 10º - Os Estados Partes tomam todas as medidas apropriadas (…) com o fim de (…) assegurar: (…) a eliminação de qualquer concepção estereotipada dos papéis dos homens e das mulheres a todos os níveis e em todas as formas de ensino (…), em particular revendo os livros e programas escolares (…))
No Grande Oriente Lusitano, a sua Constituição estatui no seu artigo 1º que “A Maçonaria é uma Ordem universal, filosófica e progressiva, fundada na Tradição iniciática, obedecendo aos princípios de Fraternidade e da Tolerância, constituindo uma aliança de homens livres e de bons costumes, de todas as raças, nacionalidades e crenças. Todos os restantes artigos estão redigidos na mesma terminologia masculina, tendo-se de interpretar tal redacção como referindo-se a seres humanos.
A iniciação de mulheres no Grande Oriente Lusitano, com base na linha dos referenciais de direitos humanos referidos, é uma questão de urgente clarificação. Tal clarificação já foi vivenciada pelo Rotary International, que, até 1987, apenas permitia que homens fossem membros dos Rotary Clubs. Esta alteração, permitindo a entrada de mulheres, deveu-se a uma decisão do Supremo Tribunal Federal dos USA no sentido de que os clubes rotários não podiam impedir a admissão de mulheres desde que estas cumprissem os mesmos requisitos de admissão para a admissão de homens. Atualmente, a maioria esmagadora dos clubes rotários incluem mulheres no seu quadro social, cabendo aos sócios dos clubes a decisão de admissão de qualquer sócio mas não podendo ser critério de não admissão o facto de se tratar duma mulher.
A integração das mulheres em todas as esferas de acção no mundo actual é uma questão consensual, restando, caso a caso, aceitar a constituição de organizações de composição mista ou de estruturas separadas de homens e mulheres sob a égide da mesma instituição. Como exemplos, entre muitos, de organizações de composição mista podem-se citar as ONG´s de direitos humanos, de defesa do consumidor e de solidariedade social, tendo estruturas separadas de homens e mulheres, por exemplo, os clubes desportivos, que têm equipas distintas de cada género. O que já é assumido, por todas as organizações, quer sejam mistas, quer sejam de estruturas separadas, é a igualdade na dignidade de homens e mulheres.
A questão da igualdade de género tem tido, nos últimos anos, uma grande dimensão em áreas diversas, sem colocar em causa o princípio da igualdade na dignidade, quer seja na discriminação na admissão para o exercício de determinadas funções, nas carreiras profissionais e sua remuneração, na consideração da maternidade como fator de penalização das mulheres em determinadas circunstâncias e, como atrás é considerado exemplo de desigualdade, a possibilidade de constituição de equipas mistas nas competições desportivas. 
Uma das formas que tem vindo a ser implementada para contornar a desigualdade no acesso de mulheres ao exercício de determinadas funções é a obrigatoriedade de quotas no preenchimento das listas estabelecidas para o acesso. Trata-se duma medida que tem aumentado a percentagem de mulheres nessas funções e nos lugares de topo da hierarquia. Na minha opinião é uma medida prática mas difícil de sustentar no plano dos princípios, já que o principal critério para o acesso a determinadas funções deve ser a competência e não o ser-se homem ou mulher. A aplicar-se tal método a todo o universo de funções e actividades, as áreas onde as mulheres têm presença determinante (professorado, estudantes do ensino superior, enfermagem, etc…) poderão, também, ser questionadas pelos homens reivindicando o estabelecimento de quotas. Urge aprofundar o estudo deste modelo de quotas como método de promoção da igualdade de género.
Tendo em conta a evolução histórica verificada, que levou à consagração jurídica da igualdade de género, sem reservas ou discriminações, importa questionar a pertinência, na actualidade, de referenciais jurídicos separados para homens e mulheres, já que a sua existência pode ser considerada como legitimação da desigualdade de género. Já, a caracterização de situações particulares de que são portadores alguns seres humanos exigem protecção específica, como, por exemplo, a gravidez nas mulheres, a especial vulnerabilidade e imaturidade das crianças ou a situação das pessoas portadoras de deficiência, independentemente de serem homens ou mulheres.
Já à questão da remuneração diferenciada para homens e mulheres, deve-se aplicar o princípio, há muito aceite, de que para trabalho igual salário igual, pelo que nada há que justifique carreiras separadas para o exercício das mesmas funções.
Relativamente ao facto da maternidade poder constituir fator de penalização para as mulheres, trata-se duma grave assumpção, já que a maternidade tem de ser vista como um nobre contributo para a sociedade e, como tal, deve ser merecedora de grande consideração, tendo, ao invés, de ser objecto de apoios que permitam que as mulheres não sofram qualquer tipo de prejuízo pela sua decisão de enveredarem pela maternidade. Aqui, ainda é necessário corrigir situações penalizantes, no pré e no pós parto, na afectação da carreira profissional pela ausência durante a maternidade, na compensação pela maior solicitação dos bebés durante os primeiros tempos de vida, etc…   
Questão diferente é a da existência de equipas mistas nas competições desportivas, em que está vedada a pertença de homens nas equipas femininas e de mulheres nas equipas masculinas. Aplicando os referenciais jurídicos atrás mencionados, tais impedimentos poderão vir a ter o mesmo tratamento entendido pelo Supremo Tribunal Federal dos USA na admissão de mulheres em Rotary. As associações são livres na definição dos critérios para admissão dos seus associados e praticantes das suas atividades, mas esses critérios não poderão conter o género dos praticantes como condição para a inscrição como associado e exercício da prática das actividades a que se dedica a associação, não podendo ser proibido que uma mulher ou um homem se inscreva numa equipa com pessoas do outro género se dispuser dos requisitos técnicos e de qualidade performativa exigidos .
Uma outra área em que se assiste a grande polémica na consideração da igualdade de género é no seio de algumas confissões religiosas, nomeadamente da Igreja Católica. A questão da admissão das mulheres ao exercício de funções clericais está na ordem do dia e a própria hierarquia da Igreja não apresenta fundamentos consistentes para o impedimento do acesso das mulheres ao sacerdócio. 
Esta questão de igualdade de género tem de ser vista sem recurso a fundamentalismos históricos, religiosos, culturais ou outros. Tem-se visto, quer do lado da quem apoia a igualdade, quer do lado de quem quer a desigualdade, posições destituídas do mais elementar bom senso. Quer o lobby LGBTI+, quer as correntes conservadoras de algumas religiões, por exemplo, têm de ser mais respeitosos na consideração de quem se encontra em campos diferentes, procurando espaços de sã convivência e não de confronto. A moda actual da consideração de exigência da linguagem inclusiva em todas as formulações é excessiva e desnecessária.
Em suma, importa, sempre, ver se a imposição da igualdade absoluta pode colidir com a liberdade de associação. Todas as pessoas devem ser livres de se associarem com quem entenderem, tendo a liberdade de admitirem homens ou mulheres no seu relacionamento, não podendo serem impedidas de tal. As associações também são livres de estabelecerem as condições para o recrutamento dos seus associados mas não podem considerar descriminar o género como elemento para a pertença.
 Na consideração da igualdade de género deve-se respeitar as formas de representação de cada género e as relações entre os géneros devem-se pautar pela liberdade do seu exercício, tendo que considerar-se o respeito pela moral social, pelo que, por exemplo, o exercício da identidade sexual deve ser respeitado desde que em privado, entre adultos e com mútuo consentimento, com sentido de responsabilidade e de consciência para com as consequências.

Tendo em conta esta reflexão, o Grande Oriente Lusitano tem de considerar rever os seus normativos, substituindo a expressão homens por seres humanos, possibilitando a admissão de mulheres e deixando à decisão das lojas o recrutamento de membros para o seu quadro, homens ou mulheres, sem obrigatoriedade de admissão, sem quotas e sem critérios que possam excluir qualquer dos géneros. Tais princípios deveriam, também, ser observados por outras Obediências e Grandes Lojas, masculinas ou femininas.

 12/05/2019


O meu testemunho sobre o 25 de Abril de 1974


O meu testemunho sobre o 25 de Abril de 1974

Passados quarenta e cinco anos da revolução havida em Portugal, no dia 25 de Abril de 1974, sinto que muito há ainda por dizer sobre o contexto ligado a tão importante acontecimento da história recente de Portugal.
Os testemunhos já vindos a público têm dado a conhecer muitas das envolventes dos acontecimentos. No entanto, outras vivências, de quem era vivo e consciente na altura, têm, também, de vir a público para se tentar completar o cenário decorrido. Os testemunhos individuais, vividos pela própria pessoa, ajudarão tal propósito, sendo mais objectivos e reais do que muitas das interpretações já dadas a conhecer, algumas das quais são decorrentes da postura político-ideológica de quem as expõe e, portanto, nem sempre ajustadas à factualidade das situações que se desenrolaram. Para que a história registe toda a realidade é preciso que se disponha dos contributos e documentos abordando as mais variadas facetas que, além das análises políticas, contenham vivências reais e objectivas de pessoas que estiveram presentes nos acontecimentos, nas mais variadas situações e lugares.
É neste sentido que me predisponho a dar testemunho da minha vivência do 25 de Abril de 1974, quer das circunstâncias anteriores à data, quer das consequências posteriores ao acontecimento.
Tendo nascido em 1946, pude acompanhar, em consciência, o que era a vida no regime anterior ao 25 de Abril. A minha família era pobre (os meus pais eram operários fabris em Matosinhos, vila em que predominava a indústria conserveira e metalo-mecânica, a par duma ruralidade assente numa agricultura de subsistência ou pouco mais), tendo sido com dificuldade que me possibilitaram a frequência do curso industrial de electricista do ensino secundário. Anteriormente tinha frequentado o ensino primário numa escola privada reservada aos familiares dos irmãos da Confraria do Bom Jesus da Santa Casa da Misericórdia de Matosinhos, já que um tio do meu pai era um desses irmãos (um dos requisitos exigidos era de que os alunos tinham de ir calçados para as aulas. Ora eu nunca tinha tido sapatos – demasiado caros para as possibilidades económicas dos meus pais -, tendo a minha mãe solicitado ajuda à Junta de Freguesia, a qual me pagou o par de sapatos que possibilitou o meu ingresso na escola. Nesta escola tive o sortilégio de ter uma professora na 4ª classe, Professora Carmen, de grande sensibilidade humana, que se interessou pelo prosseguimento dos meus estudos, tendo-me dado explicações gratuitas – os meus pais não podiam pagar - para eu poder ser aprovado no exame de admissão à escola industrial, o que veio a acontecer).   
O contexto económico-político-social em que vivi, no período antecedente ao 25 de Abril de 1974, principalmente a partir da década de 60, era caracterizado por uma forte emigração, desenvolvimento económico crescente, instabilidade política e guerra nas colónias (com focos principais em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique), censura e limitações à liberdade de expressão e associação, presos políticos e tortura, baixos níveis de escolarização e largas faixas de pobreza. Notei, contudo, que a realidade dos últimos quinze anos do anterior regime se vinha a alterar, lenta e progressivamente, sendo a situação em 1974 muito diferente da do início dos anos sessenta. Como trabalhador por conta de outrem, na Chenop e no Banco Borges e Irmão, acompanhei a actividade sindical no Sindicato dos Eletricistas e, principalmente, no Sindicato dos Bancários do Norte, tendo, aqui, participado em algumas reuniões vigiadas pela polícia de forma ostensiva. Participei em manifestações proibidas no 1º de Maio de 1972 e 1973, assim como em cortejos da queima das fitas, sempre com cargas policiais e detenções de alguns participantes.
Iniciei a minha actividade laboral em 1961, com 15 anos de idade, na Chenop, com um salário razoável para a época e para a inexistência de experiência profissional anterior (trinta escudos por dia de 8 horas), já que sendo possuidor dum curso secundário fui admitido sem ter de passar pelas categorias de aprendiz. O leque salarial entre o director geral de uma grande empresa e um operário médio era de quatro para um. Havia actualizações salariais periódicas, ligeiramente acima da inflação, fruto do crescimento económico que se verificava.
Em 1968 fui chamado a cumprir o serviço militar, tendo sido mobilizado para Timor, passando à disponibilidade em 1972. Este recrutamento para o serviço militar interrompeu a carreira profissional e a frequência dos estudos superiores no Curso de Engenharia Eletromecânica do Instituto Industrial do Porto (actual Instituto Superior de Engenharia do Porto), sendo retomadas estas actividades após a cessação do serviço militar. Se já tinha pouca simpatia pelo regime político vigente, tal agravou-se fortemente com esta machadada na minha vida familiar (tinha casado em 1966), académica e profissional. Isto reflectiu-se na minha nula motivação na qualidade de prestação como militar, limitando-me a esperar que o tempo passasse para me livrar daquele empecilho. Paradoxalmente, a minha carreira militar foi passada na especialidade de segurança de transmissões, cargo de confiança na medida em que tinha acesso aos códigos de segurança utilizados nas comunicações militares, pelo facto de já não haver quantidade suficiente de recursos humanos no quadro permanente das forças armadas que permitisse que funções dessa elevada confiança e sensibilidade se mantivesse fora da alçada dos milicianos. Isto já é demonstrativo dalguma desorganização política do regime, pois o meu passado de comportamento político não abonava como fiel desse regime. Em situação idêntica encontrei muitos camaradas de armas, para quem o serviço militar era desagradável e prejudicial, encontrando-se, aqui, uma parte significativa do nulo apoio que esse regime teve para contrariar o 25 de Abril.  
Após a minha desmobilização do serviço militar, concluí o curso de Engenharia Eletromecânica e desenvolvi actividade profissional com o regresso à Chenop, e posteriores prestações profissionais no Banco Borges e Irmão, Instituto de Emprego e Formação Profissional, Texas Instruments e Fábrica de Porcelanas da Vista Alegre. Em todas estas entidades encontrei um clima de distanciamento relativamente ao regime político, sendo poucos os activistas que tomavam posições de demarcação política, mesmo nas épocas eleitorais de 1969 e 1973 em que participaram listas da oposição, não havendo grande mobilização para a inscrição nos cadernos eleitorais, pelo que não foi difícil ao regime vencer essas eleições, incluindo o recurso à fraude e viciação dos resultados nalgumas circunscrições eleitorais. Igual cenário se tinha passado nas eleições presidenciais de 1958, em que o General Humberto Delgado participou como opositor ao regime. Esta figura é, ainda hoje, controversa, pois durante dezenas de anos foi figura grada do regime, tendo caucionado a PIDE como instituição de repressão e tortura, a censura política e a política colonial, acções estas que condicionaram o meu apoio à sua nova postura política.
As fragilidades do regime de então eram, cada vez mais, evidentes. Os milicianos, que compunham a maioria das forças armadas, cumpriam essa missão contrariados. A censura política tinha, cada vez mais, brechas que permitiam o acesso a livros e discos proibidos (na minha passagem por Macau, a caminho de Timor, comprei o livro vermelho de Mao Tsé Tung que estava exposto nas montras das livrarias desse território, ao contrário da sua proibição no território continental). A audição da Rádio Moscovo, Rádio Portugal Livre e Rádio Voz da Liberdade, proibidas pelo regime, era já prática de muitas pessoas. As actividades clandestinas desenvolvidas por várias forças políticas (PCP, MDP/CDE, LUAR, PS, etc…) iam causando mossa e suscitando simpatia nalguns sectores da população. A Assembleia Nacional dava voz a alguns deputados não alinhados (Ala Liberal onde se destacava Francisco Sá Carneiro) que, apesar de eleitos nas listas da ANP-Ação Nacional Popular (partido do regime) incomodavam o poder político e a facção que o apoiava. Na comunicação social portuguesa (jornais, rádio e televisão) eram frequentes as críticas ao regime, de forma aberta e encapotada, assumindo particular relevância o aparecimento do jornal Expresso, dos jornais Diário de Lisboa e República e dalguns programas da Rádio Renascença, Rádio Clube Português e RTP. No plano internacional, Portugal só tinha o apoio expresso da África do Sul, Espanha e Israel e a abstenção dalguns países ocidentais, sendo condenado, frequentemente, na Organização das  Nações Unidas e no Conselho da Europa. A pertença à NATO traduzia-se em apoio mitigado e hipócrita dos outros membros. Algum progresso económico e social, com um grande contributo da nossa pertença à EFTA, iam sossegando a generalidade da opinião pública (eu já em 1973 tinha automóvel próprio, bem de grande apetência pela população), mas sem grande entusiasmo apoiante (ressalve-se, aqui, a grande manifestação de professores de apoio ao regime, pouco tempo antes do 25 de Abril, assim como o apoio expresso pela maioria dos chefes militares das forças armadas). Na guerra colonial havia um sentimento alargado da sua insustentabilidade, sentimento este reforçado pela publicação do livro “Portugal e o Futuro” pelo general António de Spínola, caucionado pelo Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, General Costa Gomes, o que levou à sua exoneração dos cargos que ocupavam. Alguns oficiais oriundos da Academia Militar contestavam alguns atractivos concedidos a oficiais milicianos para se manterem nas forças armadas, que levavam a que se sentissem ultrapassados na sua condição militar (motivo principal que esteve na origem do movimento dos capitães que deu origem ao 25 de Abril). Enfim, o regime político, já se encontrava pouco apoiado, apesar da rede instalada de bufos, informadores e agentes policiais que iam suportando a essência da estrutura dirigente, com a conivência duma grande parte da hierarquia da Igreja Católica. Aqui, é relevante ter em conta que a relação entre o Estado e a Igreja Católica passou por algumas nuances que fragilizavam uma total sintonia. Por um lado, o Estado nunca reconheceu o ensino ministrado nas estruturas da Igreja (seminários, colégios e escolas associadas), ou outras instituições privadas, como equivalente ao ministrado nas escolas oficiais, obrigando os alunos a terem de prestar exames nos estabelecimentos oficiais para a obtenção da graduação pretendida. Por outro lado, vários sectores da Igreja Católica desenvolviam acções conflituantes com o regime, em linha com a realização do Concílio Vaticano II (disto são exemplos, os casos do Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, obrigado ao exílio durante anos, e as reuniões da Capela do Rato onde militavam grandes intelectuais opositores ao regime). De destacar o papel importante desempenhado pela Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, onde se juntavam católicos relevantes e figuras políticas de destaque ligadas aos partidos políticos de oposição, na denúncia da tortura, prisões ilegais e julgamentos injustos, editando livros com essas denúncias que eram vendidos clandestinamente (possuo alguns desses livros). A atitude do Papa Paulo VI ao receber os dirigentes dos movimentos armados independentistas de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique provocou um grande abalo à já frágil identidade do Estado-Igreja. Esta posição da Igreja Católica encontra reflexo na forma como reagiu ao 25 de Abril, aceitando, sem grande entusiasmo, a nova ordem política instaurada.
Em 25 de Abril de 1974 encontrava-me, portanto, na Fábrica de Porcelanas da Vista Alegre, onde tinha sido admitido em Dezembro de 1973, em cuja administração se encontrava a família Pinto Basto, com uma postura política alinhada com a situação vigente mas sem grandes dogmatismos nem entusiasmos evidentes. A minha admissão como quadro técnico para chefiar o departamento de racionalização, métodos e tempos de trabalho, baseou-se em resultados de testes psicotécnicos após uma selecção resultante das respostas a um anúncio publicado num jornal. Não me senti escrutinado, na entrevista efectuada, em termos de enquadramento político nem me foram pedidas referências abonatórias, apesar de se tratar de preencher um lugar de chefia relevante. Como me encontrava a residir no Porto, foi-me disponibilizado utilizar, em Ílhavo, a residência onde se encontravam alojados os quadros técnicos deslocados, com direito a alojamento em quarto individual e refeições gratuitas, podendo, se quisesse, dispor duma moradia no aldeamento que a empresa dispunha para alguns dos seus colaboradores. A exemplo de muitas outras empresas, não se notava qualquer dinâmica política de contestação ao regime vigente, nos mais de 1.000 trabalhadores da seu quadro de pessoal em Ílhavo. Os trabalhadores auferiam baixas remunerações (cerca de 2.500$00 por mês para homens e 2.000$00 para mulheres) que eram complementadas com possibilidade de acesso ao refeitório, à cooperativa de consumo para aquisição de bens alimentares e de utilidades domésticas, à creche e ao aluguer de casas do aldeamento (a renda a pagar era de um dia de salário por mês). Os quadros técnicos auferiam remunerações acima da média nacional, como forma de atraí-los para uma localidade fora dos grandes centros urbanos (eu entrei com uma remuneração mensal de 10.000$00, o que me permitia pagar uma renda de casa - tipologia T3 -, no centro de Aveiro, no valor mensal de 3.000$00 – mais do que o salário mensal dum trabalhador. Por coincidência, a minha mudança de residência do Porto para Aveiro efectuou-se na semana entre o 25 de Abril de 1974 e o 1º de Maio, tendo assistido da varanda da nova residência à manifestação desse 1º de Maio).
A revolução do 25 de Abril não teve expressão significativa, nesse dia, quer na fábrica, quer na cidade de Aveiro. Na fábrica da Vista Alegre o dia de trabalho iniciava-se às 8 horas para os trabalhadores fabris e às 9 horas para os quadros técnicos e empregados de escritório. Para supervisionar a laboração fabril logo a partir das 8 horas, a empresa tinha uma escala de serviço dos quadros técnicos de forma a que um deles estivesse presente desde o início do dia. Aconteceu que nesse dia era eu que estava de serviço, pelo que me dirigi para a fábrica às 7,45 sem saber da revolução que se desenrolava em Lisboa. Um dos encarregados dirigiu-me, em tom pouco audível, perguntando se eu sabia de alguma coisa pois tinha ouvido na rádio umas notícias que davam conta duma revolta militar. Disse-lhe que nada sabia, pelo que lhe disse que o início da laboração iria decorrer como normalmente. No entanto, logo após a entrada dos trabalhadores, voltei à messe onde estava instalado e procurei saber do que se passava, tendo, então, sido posto ao corrente dos acontecimentos que se estavam a verificar em Lisboa. Às 9 horas a Direção da fábrica trocou algumas impressões, nada tendo decidido para alterar a laboração normal, o que se verificou sem qualquer perturbação, além da atenção com quem se ia seguindo as notícias pela rádio. No final do dia (era 5ª feira) desloquei-me ao centro de Aveiro e, também, nada de extraordinário, na movimentação pública, se passava além da alteração profunda na comunicação social, dando conta de que em Lisboa grande parte da população estava na rua apoiando a revolução. Telefonei para a minha avó no Porto, que morava perto da minha casa (eu ainda não tinha telefone pessoal), tendo a minha mulher, funcionária da segurança social, dito que tinha saído mais cedo do serviço mas que estava tudo sem grandes movimentações. No dia seguinte, sexta-feira, a empresa voltou a funcionar normalmente, tendo no final do dia feito a viagem de regresso ao Porto, para o fim de semana, sem qualquer questão anormal no movimento rodoviário. Nesse fim de semana estive a tratar da mudança de residência do Porto para Aveiro, com a vida corrente a decorrer normalmente, independentemente da alteração profunda nos órgãos de comunicação social que relatavam a revolução de forma entusiasta e vibrante.
Nos dias seguintes ao 25 de Abril começou-se a assistir a movimentações públicas, além das verificadas em Lisboa, que culminaram nas manifestações grandiosas do 1º de Maio em todo o País. Tem, então, início uma dinâmica de profunda alteração na vida das pessoas, das empresas e do País. Na fábrica da Vista Alegre, a Administração informa que se enquadra na nova situação, tendo o presidente do conselho de administração, Conde Bobone, convocado e dirigido um plenário de trabalhadores em que solicitou que estes elegessem uma comissão de trabalhadores. Constituiu-se um grupo organizador, de que fiz parte, que elaborou um regulamento de forma a permitir que todos os sectores da fábrica estivessem representados na comissão. Eu fui eleito como representante dos quadros técnicos e, logo a seguir, como coordenador da comissão.  
As consequências do 25 de Abril tiveram repercussão profunda no País e na vida das empresas, em termos de filosofia política e na realidade quotidiana. A fixação do salário mínimo em 3.300$00, nos sectores secundário e terciário, traduziu-se em aumentos significativos de salários que, em muitos casos, foram muito superiores a 25%.
Na Vista Alegre, foram congelados os salários superiores a 12.000$00 e revista a tabela de preços de venda dos produtos com aumentos superiores a 10%. Foi suspensa a nova metodologia de métodos e tempos de trabalho, muito contestada pelos trabalhadores, que permitiria aumentar a produtividade em mais de 30%. A Direção e a Administração da empresa mantiveram contactos frequentes com a comissão de trabalhadores, concertando posições e possibilitando a laboração em normalidade e uma certa paz social, apesar de, por vezes, as reivindicações dos trabalhadores assumirem um confronto em termos de linguagem e de posicionamento ideológico, quer através da comissão de trabalhadores, quer com a comissão intersindical de delegados sindicais (o jornal “Informativo”, editado por esta estrutura, é disso reflexo). Nunca houve uma greve na empresa (nem sequer alguma vez tal hipótese foi levantada nas duas comissões, em que se integravam membros já assumidos do Partido Comunista), nem foram saneadas quaisquer pessoas, apesar de se suspeitarem que algumas eram informadores da polícia política (PIDE/DGS) entretanto extinta, situações estas ímpares no contexto do país. Em Junho desse ano de 1974 a empresa comemorava o seu 150º aniversário, havendo um programa preparado com a participação do Presidente da República que foi deposto. Com a alteração da situação política, as comemorações decorreram sem qualquer entidade política de relevo, apesar de ter sido convidado o General António de Spínola como Chefe da Junta de Salvação Nacional. A Administração da empresa manteve-se em funções sem nunca ter sido questionada pelo novo poder político nem pela comissão de trabalhadores. Nunca houve atrasos no pagamento de salários nem despedimentos. Mesmo assim, houve tentativas externas de nacionalizar a empresa, tendo em conta a sua dimensão e a importância que tinha noutros sectores de actividade. A Fábrica de Porcelanas da Vista Alegre, SARL, era detentora da totalidade do capital social da Eletro-Cerâmica (isoladores e outro material eléctrico em porcelana) e da Sociedade de Porcelanas (produção de pratos e chávenas para restauração), tinha incorporadas as unidades do Gabinete e Laboratório de Estudos, Interdecal (produção de decalcomanias) e Vialpo (extracção de caolino), detinha uma participação no capital social da Ivima (produção de vidro e cristal), além de que a família Pinto Basto detinha interesses significativos em explorações agrícolas, no turismo, na navegação, etc…, e acordos de cooperação tecnológica com um grande grupo cerâmico alemão (Hutschenreuther). Essa tentativa de nacionalização nunca teve qualquer receptividade por parte da comissão de trabalhadores e da comissão intersindical da Vista Alegre no seu todo (eu fiz parte das duas comissões), apesar das comissões de trabalhadores das outras empresas do grupo serem favoráveis à nacionalização (A Fábrica de Porcelanas da Vista Alegre era, de longe, a mais importante do grupo, pelo que a sua comissão de trabalhadores preponderava sobre as restantes, com quem havia contactos regulares). Para tal contribuiu a possibilidade de diálogo e resolução dos problemas com a administração, além de que, associada à componente fabril, a empresa apoiava inúmeras actividades em benefício dos trabalhadores e da comunidade, como, por exemplo, o grupo de teatro, o orfeão, o clube desportivo (Sporting Club da Vista Alegre), a cooperativa de consumo, o bairro social, a creche, o refeitório, o corpo de bombeiros, a escola de formação, a quinta agrícola, médico diário, etc…, fazendo com que se possa dizer que estávamos mais em presença duma fundação do que uma empresa capitalista movida pelo maior lucro possível. Acresce que muitas das actividades destas estruturas eram desenvolvidas durante o horário fabril, o que afectava, significativamente, os níveis de produção, pois várias centenas de trabalhadores estavam afetos a essas estruturas (eu próprio fiz parte dos órgãos dirigentes do clube desportivo e da cooperativa de consumo). Apesar disso, a empresa tinha resultados económicos positivos da actividade produtiva, mas esses valores eram reinvestidos em equipamentos e modernização das instalações, já que, normalmente, no início de cada ano a administração pedia aos quadros técnicos propostas para a aplicação dos lucros do ano anterior. A isto não era indiferente a posição dominante do grupo familiar mais abastado da família Pinto Basto na administração da empresa, para quem os lucros da Vista Alegre não eram tão grandes que alterassem significativamente o seu poder económico. O administrador executivo com o pelouro da gestão técnica da fábrica de Ílhavo era o Engº José Alberto Pinto Basto, personalidade dotada dum espírito humanista e sensível às questões sociais, o que o tornava respeitado por todos os trabalhadores, sendo fácil e acessível o seu contacto.
Durante o período denominado “revolucionário”, entre o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975, a Vista Alegre colaborou nos eventos políticos relevantes, nomeadamente trabalhando “no Dia de Trabalho para a Nação” (pessoalmente não estive muito de acordo com esta iniciativa, tendo trabalhado somente metade do dia) e participado, com uma delegação de trabalhadores, no 1º Congresso da Intersindical em liberdade. Foi, também, relevante a participação na discussão do Contrato Colectivo de Trabalho da Indústria Cerâmica (fiz parte da comissão negociadora sindical, em representação do Sindicato dos Engenheiros Técnicos de Norte), tendo sido dos primeiros contratos em que se consignou uma tabela única salarial igualando homens e mulheres. Na negociação deste contrato de trabalho, desempenhou papel relevante, em representação das entidades patronais, associadas na Associação Portuguesa de Cerâmica, o Engº José António Barros (administrador da Cinca), com quem se estabeleceu um clima de cordialidade que permitiu o acordo sem qualquer greve, situação inabitual para a época (grande parte do contrato foi acordado entre nós dois). A colaboração da Vista Alegre nas movimentações nacionais estendeu-se aos partidos políticos, tendo o PCP, através do seu dirigente local, Carlos Alberto, com quem mantinha boas relações pessoais, solicitado-me um contributo sobre a Vista Alegre, o que fiz sob a condição de confidencialidade, já que tal contributo incluía dados da vida interna da empresa que me colocavam problemas de consciência na sua divulgação pública.    
A situação periférica da Vista Alegre, relativamente aos grandes centros urbanos, fez com que a participação nos grandes eventos ligados à revolução do 25 de Abril fosse de carácter residual, sem grandes implicações no quotidiano fabril. Por outro lado, as relações pessoais existentes entre todos os que trabalhavam na fábrica eram facilitadas por uma vivência de proximidade, cultivando amizades mesmo entre aqueles que se situavam em quadrantes políticos diferentes. Por tal, o 25 de Abril de 1974 e as suas incidências consequentes, repercutiu-se na Fábrica de Porcelanas da Vista Alegre de forma singular e diferenciada de grande parte do País.

V.N.Gaia, 25 de Abril de 2019
Manuel Hipólito Almeida dos Santos