O Solstício de Inverno e a Luz na Liberdade, Igualdade e Fraternidade
José Castellani,
maçon, médico, escritor e historiador, em reflexão sobre diferentes vertentes
em que se pode analisar o solstício de inverno, diz-nos:
“(…)
Tradicionalmente, por meio da noção de porta estreita,
como dificuldade de ingresso, o maçon evoca as portas solsticiais, estreitos
meios de acesso ao conhecimento, simbolizados no círculo cósmico, no círculo da
vida, no zodíaco, pelo eixo capricórnio-câncer, correspondendo aos solstícios
de inverno e verão(…).
O homem primitivo distinguia a diferença entre duas
épocas, uma de frio e uma de calor, conceito que, inicialmente, lhe serviu de
base para organizar o trabalho agrícola. Graças a isso é que surgiram os cultos
solares, com o sol sendo proclamado - como fonte de calor e de luz – o rei dos
céus e o soberano do mundo, com influência marcante sobre todas as religiões e
crenças posteriores da humanidade. E, desde a época das antigas civilizações, o
homem imaginou os solstícios como aberturas opostas do céu, como portas por
onde o sol entrava e saía, ao terminar o seu curso, em cada círculo tropical. O
inverno no hemisfério norte (verão no hemisfério sul) é a porta cruzada pelas
almas imortais, denominada Porta dos Deuses (…).
Este simbolismo dá sentido à observação material:
Jesus nasceu a 25 de dezembro sob o
signo do capricórnio, durante o solstício de inverno. Dois elementos,
entretanto, um material e um religioso, viriam a influir na determinação da data
de 25 de dezembro. O material refere-se aos hábitos de antigos cristãos e o
religioso ao mitraísmo da antiga Pérsia, adotado por Roma (…).
O cristianismo, ao fixar essa data para o nascimento
de Jesus, identificou-o com a luz do mundo, a luz que surge depois das
prolongadas trevas (…).”
Na epístola de S.
Paulo aos Romanos pode ler-se:” A noite
vai adiantada e o dia está próximo. Abandonemos as obras das trevas e
revistamo-nos das armas da luz. Andemos dignamente…”.
Nesta passagem das
trevas para a luz, neste solstício de inverno de 2016 em que se
assiste ao pôr em causa valores civilizacionais construídos, nomeadamente, na
segunda metade do século XX, importa ter presente esta simbologia e dela
retirar a força, beleza e sabedoria que nos devem guiar no quotidiano.
Como exemplo das
trevas que temos de iluminar, cito o artigo que, há poucos dias, o director
adjunto do Jornal de Notícias, Pedro Carvalho, publicou com o seguinte título e
teor:” Morrer de frio em 2016 - Não raramente conseguimos projetar nos
infortúnios pessoais os defeitos da conjuntura. Em particular porque há
conjunturas que só adquirem dimensão quando são humanizadas. A história triste
de Manuel Escobar é paradigmática de como esta relação entre números e pessoas
é manifestamente desvantajosa para as segundas. Ainda para mais quando esbarra
numa muralha de estereótipos: interioridade, solidão, miséria, burocracia do
Estado.
Sim, é possível: ainda há, em
Portugal, quem morra sozinho e de frio. Rodeado de lixo. No Dia Internacional
dos Direitos Humanos. Manuel Escobar tinha 68 anos. Foi notícia no JN em
novembro, aquando de um apelo desesperado por um lugar de acolhimento num lar.
Voltou a ser notícia cerca de um mês depois, quando foi encontrado pela GNR em
casa, cheio de hematomas, em condições degradantes e gelado. Acabaria por
morrer com sinais de hipotermia no Hospital de Mirandela. A lição, a haver
alguma lição a reter, é a de que todos sabiam que isto podia acontecer, mas
ninguém foi capaz de evitar que isto acontecesse. É uma lição em forma de
novelo: tão enrolada que dificilmente se desatará o nó da responsabilidade.
(…)
Durante meses, assistentes sociais
da Câmara de Alfândega da Fé procuraram uma solução junto da Segurança Social.
"Não havia família de acolhimento nem vaga social para sexo masculino no
distrito de Bragança", foi a resposta de protocolo. Nos dias de frio,
Manuel dormia no quartel dos bombeiros. Porque lhe tinham cortado a luz em
casa. Uma entidade parceira da Segurança Social ficou responsável por visitas diárias,
que contemplavam "alimentação, higiene habitacional e tratamento de
roupa". Mas as últimas imagens da casa onde ficou esquecido não coincidem
com nenhum compromisso de proximidade.
Manuel estava sinalizado pela
família, pelos vizinhos, pela GNR e pela Segurança Social. Mas morreu sozinho,
de frio, num país que desistiu dele por não querer ver os sinais. Em 2016.”
Este caso ocorreu em
Trás-os-Montes. E quantos casos semelhantes ocorrem, noutros lugares, em que
pessoas, homens, mulheres e crianças, não têm capacidade para evitarem
condições adversas indignas duma sociedade civilizada do século XXI? Onde está
a fraternidade, valor tão exaltado?
Os solstícios são tempos de grande mudança, assim como
estamos em tempo de grandes mudanças no mundo profano. Tempo de atropelos
frequentes aos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade a que nos
comprometemos. Unamo-nos para que este horizonte de mudança nos fortaleça, com
empenho, na sedimentação, cada vez mais alargada, dos ideais maçónicos.
Esta sessão branca, comemorativa deste solstício de
inverno de 2016, está a ser disso um exemplo, já que temos irmãos de várias
proveniências unidos nesse compromisso. E temos a presença de familiares nossos,
que muito amamos, e que temos sempre presentes quando participamos nas sessões
das nossas lojas. Bom seria que déssemos mais passos para que a maçonaria
ultrapasse a separação de género existente nalgumas obediências. O compromisso
com a liberdade, igualdade e fraternidade não se resume a um só género,
obrigando a que se aplique a homens e mulheres de igual forma, sem necessidade
de impedimentos de pertença à mesma loja. Felizmente, já existem tratados de
amizade entre obediências de um só género e obediências mistas, permitindo o
trabalho conjunto nas oficinas. A presença de familiares nossos nesta sessão
branca, leva-me a repescar uma citação que fiz, há já alguns anos, numa outra
sessão maçónica semelhante: O amor familiar
é bem exemplificado por uma grande mulher do século passado, que foi chefe do
governo de Israel, Golda Meir, ao descobrir o rosto do seu futuro marido, na
altura um delicado pintor de tabuletas que lia autores que não os da moda, que
ouvia música clássica e que a levava a concertos e conferências. Dizia Golda
Meir: ”Ele não é muito bonito mas tem uma bela alma”. Ou recordando o encantador
poema de Carlos Drummond de Andrade simbolizando o afeto que nos une a alguém que
nos é querido: “À noite, quando olhares pró céu, repara na estrela mais
brilhante. Essa és tu...o resto do Universo é o amor que sinto por ti.”
Um Feliz Natal para todos
21/12/2016
Um Feliz Natal para todos
21/12/2016