domingo, 5 de fevereiro de 2017

O Solstício de Inverno e a Luz na Liberdade, Igualdade e Fraternidade

José Castellani, maçon, médico, escritor e historiador, em reflexão sobre diferentes vertentes em que se pode analisar o solstício de inverno, diz-nos:
“(…)
Tradicionalmente, por meio da noção de porta estreita, como dificuldade de ingresso, o maçon evoca as portas solsticiais, estreitos meios de acesso ao conhecimento, simbolizados no círculo cósmico, no círculo da vida, no zodíaco, pelo eixo capricórnio-câncer, correspondendo aos solstícios de inverno e verão(…).
O homem primitivo distinguia a diferença entre duas épocas, uma de frio e uma de calor, conceito que, inicialmente, lhe serviu de base para organizar o trabalho agrícola. Graças a isso é que surgiram os cultos solares, com o sol sendo proclamado - como fonte de calor e de luz – o rei dos céus e o soberano do mundo, com influência marcante sobre todas as religiões e crenças posteriores da humanidade. E, desde a época das antigas civilizações, o homem imaginou os solstícios como aberturas opostas do céu, como portas por onde o sol entrava e saía, ao terminar o seu curso, em cada círculo tropical. O inverno no hemisfério norte (verão no hemisfério sul) é a porta cruzada pelas almas imortais, denominada Porta dos Deuses (…). 
Este simbolismo dá sentido à observação material: Jesus nasceu a 25 de  dezembro sob o signo do capricórnio, durante o solstício de inverno. Dois elementos, entretanto, um material e um religioso, viriam a influir na determinação da data de 25 de dezembro. O material refere-se aos hábitos de antigos cristãos e o religioso ao mitraísmo da antiga Pérsia, adotado por Roma (…).
O cristianismo, ao fixar essa data para o nascimento de Jesus, identificou-o com a luz do mundo, a luz que surge depois das prolongadas trevas (…).”
Na epístola de S. Paulo aos Romanos pode ler-se:” A noite vai adiantada e o dia está próximo. Abandonemos as obras das trevas e revistamo-nos das armas da luz. Andemos dignamente…”.

Nesta passagem das trevas para a luz, neste solstício de inverno de 2016 em que se assiste ao pôr em causa valores civilizacionais construídos, nomeadamente, na segunda metade do século XX, importa ter presente esta simbologia e dela retirar a força, beleza e sabedoria que nos devem  guiar no quotidiano.

Como exemplo das trevas que temos de iluminar, cito o artigo que, há poucos dias, o director adjunto do Jornal de Notícias, Pedro Carvalho, publicou com o seguinte título e teor:” Morrer de frio em 2016 - Não raramente conseguimos projetar nos infortúnios pessoais os defeitos da conjuntura. Em particular porque há conjunturas que só adquirem dimensão quando são humanizadas. A história triste de Manuel Escobar é paradigmática de como esta relação entre números e pessoas é manifestamente desvantajosa para as segundas. Ainda para mais quando esbarra numa muralha de estereótipos: interioridade, solidão, miséria, burocracia do Estado.
Sim, é possível: ainda há, em Portugal, quem morra sozinho e de frio. Rodeado de lixo. No Dia Internacional dos Direitos Humanos. Manuel Escobar tinha 68 anos. Foi notícia no JN em novembro, aquando de um apelo desesperado por um lugar de acolhimento num lar. Voltou a ser notícia cerca de um mês depois, quando foi encontrado pela GNR em casa, cheio de hematomas, em condições degradantes e gelado. Acabaria por morrer com sinais de hipotermia no Hospital de Mirandela. A lição, a haver alguma lição a reter, é a de que todos sabiam que isto podia acontecer, mas ninguém foi capaz de evitar que isto acontecesse. É uma lição em forma de novelo: tão enrolada que dificilmente se desatará o nó da responsabilidade.
(…)
Durante meses, assistentes sociais da Câmara de Alfândega da Fé procuraram uma solução junto da Segurança Social. "Não havia família de acolhimento nem vaga social para sexo masculino no distrito de Bragança", foi a resposta de protocolo. Nos dias de frio, Manuel dormia no quartel dos bombeiros. Porque lhe tinham cortado a luz em casa. Uma entidade parceira da Segurança Social ficou responsável por visitas diárias, que contemplavam "alimentação, higiene habitacional e tratamento de roupa". Mas as últimas imagens da casa onde ficou esquecido não coincidem com nenhum compromisso de proximidade.
Manuel estava sinalizado pela família, pelos vizinhos, pela GNR e pela Segurança Social. Mas morreu sozinho, de frio, num país que desistiu dele por não querer ver os sinais. Em 2016.”

Este caso ocorreu em Trás-os-Montes. E quantos casos semelhantes ocorrem, noutros lugares, em que pessoas, homens, mulheres e crianças, não têm capacidade para evitarem condições adversas indignas duma sociedade civilizada do século XXI? Onde está a fraternidade, valor tão exaltado?
   
Os solstícios são tempos de grande mudança, assim como estamos em tempo de grandes mudanças no mundo profano. Tempo de atropelos frequentes aos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade a que nos comprometemos. Unamo-nos para que este horizonte de mudança nos fortaleça, com empenho, na sedimentação, cada vez mais alargada, dos ideais maçónicos.
Esta sessão branca, comemorativa deste solstício de inverno de 2016, está a ser disso um exemplo, já que temos irmãos de várias proveniências unidos nesse compromisso. E temos a presença de familiares nossos, que muito amamos, e que temos sempre presentes quando participamos nas sessões das nossas lojas. Bom seria que déssemos mais passos para que a maçonaria ultrapasse a separação de género existente nalgumas obediências. O compromisso com a liberdade, igualdade e fraternidade não se resume a um só género, obrigando a que se aplique a homens e mulheres de igual forma, sem necessidade de impedimentos de pertença à mesma loja. Felizmente, já existem tratados de amizade entre obediências de um só género e obediências mistas, permitindo o trabalho conjunto nas oficinas. A presença de familiares nossos nesta sessão branca, leva-me a repescar uma citação que fiz, há já alguns anos, numa outra sessão maçónica semelhante: O amor familiar é bem exemplificado por uma grande mulher do século passado, que foi chefe do governo de Israel, Golda Meir, ao descobrir o rosto do seu futuro marido, na altura um delicado pintor de tabuletas que lia autores que não os da moda, que ouvia música clássica e que a levava a concertos e conferências. Dizia Golda Meir: ”Ele não é muito bonito mas tem uma bela alma”. Ou recordando o encantador poema de Carlos Drummond de Andrade simbolizando o afeto que nos une a alguém que nos é querido: “À noite, quando olhares pró céu, repara na estrela mais brilhante. Essa és tu...o resto do Universo é o amor que sinto por ti.”
Um Feliz Natal para todos
21/12/2016