Vários são os conceitos sobre a caracterização dos regimes ditatoriais, assim como o posicionamento de tais regimes ao longo da história da humanidade. Tais indefinições aplicam-se, também, aos regimes que se identificam como democracias, sendo que as dificuldades de caracterização dos regimes foram, recentemente, devido à Covid19, substancialmente aumentadas.
Aquilo que nas últimas dezenas de anos esteve a
contribuir para corroer as bases dos regimes está em crescimento permanente e
acelerado.
A intolerância e os sentimentos de ódio e vingança são
formas de estar com presença acrescida, de que o comportamento hostil para com
opiniões divergentes é um exemplo, assistindo-se a quebras de amizade nas
relações sociais apenas por diferenças de posicionamento perante aspetos banais
da vida quotidiana. São os medos da doença, as restrições e condicionamentos à
liberdade, a obrigatoriedade do uso de máscara, as imposições “ditas”
higiénicas, etc…, que acabam por criar grupos de afinidades hostis aos que
neles não se integram.
A tendência que se vinha insinuando, insidiosamente, nas
últimas dezenas de anos, de aumento da repressão e da punição encontrou, com o
argumento da Covid19, espaço para se impor, com o apoio duma base alargada de
cidadãos medrosos e cobardes (o medo e a cobardia aparecem, quase sempre,
associados). São as multas, as coimas e as penas de prisão que se assumiram
como elementos condicionadores da liberdade e da cidadania.
À boleia da criação dos castigos e punições,
proporcionado pela Covid19, assiste-se a uma dinâmica do seu alargamento para aspetos que já vinham a ter
espaço relevante na opinião pública, assistindo-se, por exemplo, a um exagero
desmedido na abordagem polémica das relações entre homens e mulheres, de que a
criminalização do piropo e o condicionamento da indumentária corporal assumem
feições caricatas, não considerando como naturais e saudáveis os mecanismos de
sedução inerentes a todas as espécies vivas, desde o olhar às expressões
verbais e corporais, quase parecendo que a liberdade de assunção da identidade
sexual é um privilégio das correntes lgbtqi+ e que o risco de violação está ao
virar da primeira esquina . Por outro lado, instalou-se um fundamentalismo
ecológico/ambiental incoerente e contraditório na utilização de bens de
consumo, proibindo e penalizando a utilização de certos materiais (ex: sacos de
embalagem e transporte de bens), esquecendo o princípio há muito aceite de
que, para todo o tipo de materiais, se deve praticar as regras dos 3R (reduzir,
reciclar, reutilizar), substituindo-o, levianamente, pelo proibir e punir. Este
fundamentalismo assume, por vezes, a defesa de posições primárias e negativas,
como seja a rejeição de produtos processados industrialmente em prol dos
denominados “biológicos”, quando, muitas vezes, estes são mais nocivos para a
saúde e para o ambiente de que os processados industrialmente (ex. pão e
enchidos cozidos e fumados em fornos de lenha são mais nocivos do que os
cozidos em atmosfera neutra como a gerada por energia elétrica).
Esta cultura, baseada na ignorância e de raiz não
democrática, de punir, obrigar, reprimir e condicionar, em vez de informar,
sugerir e aconselhar, leva à criação de uma sociedade de autómatos, seres sem
consciência e obedientes às ordens do poder instituído, acabando por se
traduzir numa sociedade de reduzida participação na construção do interesse
coletivo, de que a elevada percentagem de abstencionistas nos atos eleitorais é
disso exemplo. Como se podem intitular representantes democráticos os eleitos
onde a maioria dos eleitores se abstém? E isto verifica-se não só nas eleições
de cariz político-partidário, como nas que decorrem para associações, clubes e
organizações não governamentais.
É urgente repensar a vida em sociedade livre, de seres
humanos conscientes, tolerantes e fraternos.
É urgente a criação de uma nova ordem política,
económica, social e cultural.