quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Justiça Juvenil


AMNISTIA INTERNACIONAL – PORTUGAL
Cogrupo sobre os Direitos da Criança
Justiça Juvenil
Newsletter nº 4

             

1 – A Justiça Juvenil na Convenção dos Direitos da Criança
Em 25 de Abril de 2007, o Comité dos Direitos da Criança da ONU divulgou a sua apreciação sobre a aplicação da Convenção dos Direitos da Criança relativamente às questões de justiça juvenil (General Comment No. 10 - 2007 - Children’s rights in juvenile justice) –
Na introdução, o Comité declara: Nos relatórios apresentados sobre os Direitos da Criança, os Estados-partes, dedicam, muitas vezes, bastante e detalhada atenção para os direitos das crianças quando acusadas ou reconhecidas como tendo infringido a lei penal (crianças em conflito com a lei). Em consonância com as orientações da Comissão para emissão de relatórios periódicos, a aplicação dos artigos 37º e 40º da Convenção sobre os Direitos da Criança (daqui por diante: CRC) são o foco principal das informações fornecidas pelos Estados-partes. A Comissão regista com apreço os muitos esforços para estabelecer uma administração da justiça juvenil, em conformidade com o CRC. No entanto, também é evidente que muitos Estados-partes têm ainda um longo caminho a percorrer para alcançar o cumprimento integral da CRC, por exemplo, nas áreas de direitos processuais, o desenvolvimento e implementação de medidas para lidar com crianças em conflito com a lei, sem recorrer a procedimentos judiciais e ao uso da privação da liberdade somente como medida de último recurso. A Comissão está igualmente preocupada com a falta de informação sobre as medidas tomadas pelos Estados-partes para impedir que crianças entrem em conflito com a lei. Isto pode ser o resultado da falta de uma política abrangente para o campo de justiça juvenil. Isto, também, pode explicar por que muitos Estados-partes fornecem, apenas, muito limitada informação de dados estatísticos sobre o tratamento de crianças em conflito com a lei. Uma política de justiça juvenil nacional e abrangente deve promover a integração de outras normas internacionais, em particular, as regras mínimas das Nações Unidas para a administração da justiça juvenil (the “Beijing Rules”), as regras das Nações Unidas para a proteção de jovens privados de sua liberdade (the “Havana Rules”), e as diretrizes das Nações Unidas para a prevenção da delinquência juvenil (the “Riyadh Guidelines”).
Como princípios orientadores para uma política compreensiva de justiça juvenil, o Comité sustenta que o estatuído nalguns artigos da Convenção dos Direitos da Criança tem de ser observado em qualquer sistema de justiça juvenil, nomeadamente a não discriminação (artº 2º), o superior interesse da criança (artº 3º), o direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento (artº 6º), o direito a ser ouvida (artº 12º) e o direito à dignidade (artº 40º). Como elementos base para uma política compreensiva de justiça juvenil destacam-se: a prevenção da justiça juvenil, acções evitando o recurso a intervenções judiciais e durante estas intervenções, idade mínima de responsabilidade criminal e aumento do limite de idade para a justiça juvenil, garantias para um julgamento justo e a privação da liberdade incluindo a prisão preventiva e a prisão após julgamento. 
Direito à não discriminação
Uma das questões relevantes sobre a discriminação assenta em que é bastante comum que os códigos penais contenham disposições criminalizando problemas comportamentais das crianças, como vadiagem, evasão escolar, fugas e outros atos, que muitas vezes são o resultado de problemas psicológicos ou sócio-económicos. É, sobretudo, motivo de preocupação que meninas e meninos de rua sejam, muitas vezes, vítimas desta criminalização. Estes atos, também conhecidos como infracções de condição, não são considerados como tal se cometido por adultos. A Comissão recomenda que os Estados-partes abolam as disposições sobre crimes condição a fim de estabelecer uma igualdade de tratamento nos termos da lei, para crianças e adultos. A este respeito, a Comissão também se refere ao artigo 56º das orientações de Riade, onde se lê: "para evitar maior estigmatização, vitimização e criminalização dos jovens, deve ser promulgada legislação para garantir que qualquer conduta não considerada um delito, ou não penalizada, se cometida por um adulto, não seja considerada uma infracção e não seja penalizada se cometida por uma pessoa jovem.
Superior interesse da criança
Em todas as decisões tomadas no âmbito da administração da justiça juvenil, o superior interesse da criança deve ser uma consideração primária. As crianças diferem dos adultos no seu desenvolvimento físico e psicológico e nas suas necessidades emocionais e educacionais. Tais diferenças constituem a base para a menor culpabilidade das crianças em conflito com a lei. Estas e outras diferenças são as razões para um sistema de justiça juvenil específico e exigem um tratamento diferente para as crianças. A proteção do superior interesse da criança significa, por exemplo, que os objectivos tradicionais de justiça penal, tais como a repressão/retribuição, devem dar lugar à reabilitação e objectivos de justiça restaurativa quando se lida com menores infratores. Isso pode ser feito em conjunto com a atenção a uma eficaz segurança pública.
O direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento
Este direito inerente de cada criança deve guiar e inspirar os Estados partes no desenvolvimento de políticas nacionais eficazes e programas para a prevenção da delinquência juvenil, porque é evidente que a delinquência tem um impacto muito negativo sobre o desenvolvimento da criança. Além disso, este direito básico deve resultar numa política de responder à delinquência juvenil como forma a apoiar o desenvolvimento da criança. A pena de morte e a prisão perpétua sem liberdade condicional são explicitamente proibidas sob artigo 37º da Convenção dos Direitos da Criança. O uso de privação de liberdade tem consequências muito negativas para o desenvolvimento harmonioso da criança e prejudica seriamente a sua reintegração na sociedade. A este respeito, o artigo 37º explicitamente indica que a privação da liberdade, incluindo a captura, detenção e prisão, deve ser usada apenas como uma medida de último recurso e com o mais curto período de tempo adequado, para que o direito ao desenvolvimento da criança seja totalmente respeitado e assegurado.
O direito da criança a ser ouvida
O direito da criança de expressar sua opinião livremente em todos os assuntos que a afectam deve ser plenamente respeitado e implementado ao longo de todas as fases do processo de justiça juvenil A Comissão observa que as vozes das crianças envolvidas no sistema de justiça juvenil tornam-se, cada vez mais, uma força poderosa para melhorias e reformas e para o cumprimento dos seus direitos.
O direito à dignidade
Há um conjunto de aspectos fundamentais a serem considerados na relação com crianças em conflito com a lei: O tratamento tem de ser consistente com o sentido da criança de dignidade e valor; O tratamento deve reforçar o respeito da criança para com os direitos humanos e liberdades dos outros; O tratamento deve levar em conta a idade da criança e promover a reintegração da criança, assumindo um papel construtivo na sociedade; O respeito pela dignidade da criança exige que todas as formas de violência no tratamento de crianças em conflito com a lei devem ser proibidas e impedidas.

2 – Alguns normativos jurídicos portugueses 
Como instrumentos jurídicos do direito interno em Portugal, aplicáveis a crianças, são de considerar:
- Código Penal
- Lei Tutelar Educativa
- Estatuto do Aluno e Ética Escolar
Por outro lado, em Portugal, o relatório da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional, apresentado em 2004, é claro na sua recomendação de evitar a pena de privação da liberdade a jovens em conflito com a lei, quando diz: “. …Torna-se, assim, necessário, à semelhança do que ocorre em muitos países europeus, e na sequência das mais recentes recomendações do Conselho da Europa (Rec. (2003) 20, de 24 de Setembro de 2003), tomar medidas que evitem, o mais possível, os efeitos estigmatizantes da prisão a jovens delinquentes menores de 21 anos. …”.

3 – Outros normativos jurídicos internacionais sobre justiça juvenil


4 – A justiça juvenil nos órgãos de comunicação social – Alguns títulos
- Jovens chegam cada vez mais tarde aos centros educativos e com crimes mais graves.
"Os jovens estão a chegar mais tarde aos centros educativos, com uma prática de crimes mais graves, o que determina uma intervenção mais tardia e (...) menos eficaz." A conclusão é da Comissão de Acompanhamento e Fiscalização dos Centros Educativos - CAFCE (…) Quando estes jovens vão para os centros educativos já é muito tarde, pois apresentam um percurso criminal desde os 9 ou 10 anos, por vezes."(…) O relatório da CAFCE critica também o facto de o desenvolvimento do projeto educativo da esmagadora maioria dos jovens ocorrer em "meio fechado", "O problema maior é que os centros educativos não são virados para o exterior e assim o desenvolvimento dos jovens não se faz em comunidade como dita a lei", sublinha Maria do Carmo Peralta. "O regime fechado devia ser eliminado, é apenas clausura." 16 de junho de 2017– Diário de Notícias


- Protecção de Dados não quer menores em base nacional de criminosos
Anteprojecto de lei do Ministério da Justiça visa evitar sanções da Comissão Europeia por falhas na partilha de informações no âmbito do combate ao terrorismo. Base de dados inclui impressões digitais. (…)
A Comissão Nacional de Protecção de Dados está contra a inclusão de impressões digitais e outros dados relativos a menores de idade numa base de dados destinada a apoiar a investigação criminal. A intenção do Governo faz parte de um anteprojecto de lei sobre identificação judiciária destinado a evitar sanções da Comissão Europeia por falhas na partilha de informações entre os Estados-membros no âmbito do combate ao terrorismo. - 31 de janeiro de 2017 – Jornal Público

- 80% dos jovens em instituições têm problemas psicológicos

Quase 80% dos 8175 dos menores institucionalizados em 2016 tiveram acompanhamento na área da Saúde Mental. E um quinto, isto é, 1609, estão mesmo sob medicação. - 28 de Julho de 2017 – Jornal de Notícias

- Violência mais violenta
(…) – perturbações de comportamento e as graves disfunções familiares são uma presença constante nas consultas(…). É aí que se deve trabalhar. Não sou grande defensor de modelos punitivos. - 14 de Janeiro de 2017 – Jornal Expresso. 


5 – Considerações gerais
Da análise das linhas orientadoras do principal instrumento jurídico (Convenção dos Direitos da Criança) e do quadro legal aplicável em Portugal, constata-se a existência dum grande distanciamento entre o carácter formador e humanista da Convenção e do modelo essencialmente punitivo vigente em Portugal e em muitos outros países. Como exemplo pode-se referir que o Estatuto do Aluno e Ética Escolar contêm medidas punitivas e deveres disciplinares em mais de 30 dos seus 56 artigos. Isto mesmo foi evidenciado no relatório da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional que, passados 13 anos da sua tradução em anteprojecto de lei, nunca foi aplicado pelos sucessivos poderes políticos.
Ainda recentemente a CRIN (Chil Rights International Network), no CRINmail 1533 de 31 de Maio de 2017, interrogava: “ Quais são os problemas? Uma abordagem de direitos de criança no campo da justiça juvenil exige que as crianças sejam desviadas de processos judiciais formais. Isso não significa uma abdicação de responsabilidade. Todas as pessoas devem ser responsáveis pelos atos que cometem. Pelo contrário, exige que se dê especial atenção ao nível de desenvolvimento e evolução das capacidades das crianças. Também é importante que os sistemas de justiça juvenil não se baseiem na punição. A promoção da reintegração e as disposições de sanções comunitárias inovadoras e eficazes, devem ser o cerne da política de justiça juvenil. Sabemos que punir e privar as crianças de liberdade tende a aumentar a taxa de reincidência. “

6 - Convenção dos Direitos da Criança
Artigo 37º
 Os Estados Partes garantem que:
a) Nenhuma criança será submetida à tortura ou a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. A pena de morte e a prisão perpétua sem possibilidade de libertação não serão impostas impostas por infracções cometidas por pessoas com menos de 18 anos;
b) Nenhuma criança será privada de liberdade de forma ilegal ou arbitrária: a captura, detenção ou prisão de uma criança devem ser conformes à lei, serão utilizadas unicamente como medida de último recurso e terão a duração mais breve possível;
c) A criança privada de liberdade deve ser tratada com a humanidade e o respeito devidos à dignidade da pessoa humana e de forma consentânea com as necessidades das pessoas da sua idade. Nomeadamente, a criança privada de liberdade deve ser separada dos adultos, a menos que, no superior interesse da criança, tal não pareça aconselhável, e tem o direito de manter contacto com a sua família através de correspondência e visitas, salvo em circunstâncias excepcionais;
d) A criança privada de liberdade tem o direito de aceder rapidamente à assistência jurídica ou a outra assistência adequada e o direito de impugnar a legalidade da sua privação de liberdade perante um tribunal ou outra autoridade competente, independente e imparcial, bem como o direito a uma rápida decisão sobre tal matéria.

– Artº40º
1. Os Estados Partes reconhecem à criança suspeita, acusada ou que se reconheceu ter infringido a lei penal o direito a um tratamento capaz de favorecer o seu sentido de dignidade e valor, reforçar o seu respeito pelos direitos do homem e as liberdades fundamentais de terceiros e que tenha em conta a sua idade e a necessidade de facilitar a sua reintegração social e o assumir de um papel construtivo no seio da sociedade.
2. Para esse feito, e atendendo às disposições pertinentes dos instrumentos jurídicos internacionais, os Estados Partes garantem, nomeadamente, que:
a) Nenhuma criança seja suspeita, acusada ou reconhecida como tendo infringido a lei penal por acções ou omissões que, no momento da sua prática, não eram proibidas pelo direito nacional ou internacional;
b) A criança suspeita ou acusada de ter infringido a lei penal tenha, no mínimo, direito às garantias seguintes:
i) Presumir-se inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida;
ii) A ser informada pronta e directamente das acusações formuladas contra si ou, se necessário, através de seus pais ou representantes legais, e beneficiar de assistência jurídica ou de outra assistência adequada para a preparação e apresentação da sua defesa;
iii) A sua causa ser examinada sem demora por uma autoridade competente, independente e imparcial ou por um tribunal, de forma equitativa nos termos da lei, na presença do seu defensor ou de outrem, assegurando assistência adequada e, a menos que tal se mostre contrário ao interesse superior da criança, nomeadamente atendendo à sua idade ou situação, na presença de seus pais ou representantes legais;
iv) A não ser obrigada a testemunhar ou a confessar-se culpada, a interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e a obter a comparência e o interrogatório das testemunhas de defesa em condições de igualdade;
v) No caso de se considerar que infringiu a lei penal, a recorrer dessa decisão e das medidas impostas em sequência desta para uma autoridade superior, competente, independente e imparcial, ou uma autoridade judicial, nos termos da lei;
vi) A fazer-se assistir gratuitamente por um intérprete, se não compreender ou falar a língua utilizada;
vii) A ver plenamente respeitada a sua vida privada em todos os momentos do processo.
3. Os Estados Partes procuram promover o estabelecimento de leis, processos, autoridades e instituições especificamente adequadas a crianças suspeitas, acusadas ou reconhecidas como tendo infringido a lei penal, e, nomeadamente:
a) O estabelecimento de uma idade mínima abaixo da qual se presume que as crianças não têm capacidade para infringir a lei penal;
b) Quando tal se mostre possível e desejável, a adopção de medidas relativas a essas crianças sem recurso ao processo judicial, assegurando-se o pleno respeito dos direitos do homem e das garantias previstas pela lei.
4. Um conjunto de disposições relativas, nomeadamente, à assistência, orientação e controlo, conselhos, regime de prova, colocação familiar, programas de educação geral e profissional, bem como outras soluções alternativas às institucionais, serão previstas de forma a assegurar às crianças um tratamento adequado ao seu bem-estar e proporcionado à sua situação e à infracção.











7 – Algumas instituições envolvidas na apreciação da justiça juvenil

- Conselho da Europa — www.coe.int/t/dg3/children/corporalpunishment/
- Comité dos Direitos da Criança – ONU — www2.ohchr.org/english/bodies/crc/
- CRIN – Child Right´s International Network — www.crin.org
- Eurochild — www.eurochild.org
- Save the children — www.savethechildren.org
   - UNICEF – https://www.unicef.org/
   - Procuradoria Geral da República — www.pgr.pt
   - Amnistia Internacional Portugal — www.cogrupodireitosdascriancas.blogspot.pt/





Grande é a poesia, a bondade e as danças
Mas o melhor do mundo são as crianças
Fernando Pessoa



Amnistia Internacional Portugal
Rua dos Remolares, 7, 2º 1200-370 Lisboa • Tel.: 213861652


Julho/2017
Manuel Almeida dos Santos

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Colaboração com o CASA – Centro de Apoio aos Sem Abrigo


Colaboração com o CASA – Centro de Apoio aos Sem Abrigo
Dia 08/12/2017
Participação na equipa das sextas-feiras ( 3 H e 5 M, na maioria jovens – de 20 e os 40 anos, sendo um deles o/a coordenador/a)
Início às 16 horas nas instalações do Bairro das Antas cedidas pela CMP (um pequeno armazém de alimentos -25 m2- e uma cozinha/ sala de preparação das refeições – 25 m2). Feitura de cerca de 15 Kg de aletria e 5 Kg de leite-creme. Cozedura e descasque de  50 ovos. Cozinhar 5 Kg de massa riscada com carne picada. Descongelar e aquecer 5 Kg de tripas à moda do Porto e fazer 3 Kg de  arroz branco. Feitura da sopa. Cortar bolos às fatias. Fazer chá/café. Preparar sacos com um pão com marmelada, um iogurte,  um pacote de leite, um bolo/pacote de bolachas. Preparar sacos com roupa e calçado.
Saída às 21,30 para a Rua Júlio Dinis (reentrância do prédio da Loris – perto da Rotunda da Boavista) - Feita a distribuição pelas cerca de 30 pessoas que compareceram (metade sem abrigo e metade morando abrigadas que se deslocam ao local para comer e levar alimentos e roupas para casa), repartindo-se em cerca de 50% de homens e mulheres dos 20 aos 70 anos, de várias raças e etnias. Apresentou-se uma jovem com muito bom aspeto, que teve uma vida de qualidade e por desemprego dos pais e do companheiro, de que têm um bébé, tem de procurar ajuda na rua ( foi-lhe dada roupa, brinquedos e boiões de alimentos para bébés). Depois de todos comerem, foram repartidas as sobras de comida pelos interessados, para levarem para  casa, em embalagens de que eram portadores. As diferentes tarefas foram desempenhadas pelos 8 voluntários, tendo-me cabido distribuir o arroz e as tripas. A distribuição durou até cerca das 24 horas. Quase não sobrou comida e sobrou alguma roupa cujo tamanho não servia aos interessados. De seguida os voluntários voltaram às instalações do Bairro das Antas para lavar e limpar os recipientes e apetrechos  usados, incluindo tachos e panelas, preparando e arrumando os utensílios de forma a que estivessem prontos para uso no dia seguinte, terminando o trabalho cerca das 3 horas da manhã. Raramente há tempo para as pessoas se sentarem.
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Dia 14/12/2017
Participação na equipa das 5ªs feiras do Restaurante Solidário (Rua de Cimo de Vila – Ordem do Terço) – (3 H e 7 M – maioritariamente jovens, dos 20 aos 70 anos, sendo um/a deles a coordenador/a. Esteve presente, a cargo da CMP, um segurança da Securitas para prevenir eventuais alterações da ordem, tendo ficado à porta a regular as entradas). As instalações são compostas por uma sala de refeições com cerca de 50 m2, um  pequeno armazém de produtos, um compartimento para lavagem dos recipientes,  um sanitário e um compartimento de arrumos. 
Início às 19,30 (a sopa e o prato quente – arroz com almôndegas – tinham sido cozinhados pelas freiras e pessoal da cozinha da Ordem do Terço e já se encontrava em cuvetes  especiais eléctricas  com água quente por debaixo). Compareceu, sem aviso prévio, uma representação de 5 pais e uma aluna da Escola EB 2/3 de Pedrouços – Maia, com bolos e sobremesas confeccionadas por pais dos alunos duma turma, dinamizados por uma professora (as sobremesas que estavam preparadas para distribuir foram guardadas para o dia seguinte, assim como alguns bolos cuja data de validade permitia, já que a quantidade ofertada superou a procura dos utentes). Foram colocados, nos 34 lugares disponíveis da sala, tabuleiros com um copo e um talher, tarefa de que me incumbi (À medida que os utentes iam terminando a refeição eram preparados novos tabuleiros). Nas mesas encontrava-se uma garrafa grande de água da torneira em garrafas com a inscrição Água canalizada – Águas do Porto. Parti em fatias os bolos confeccionados ofertados pela escola (a maioria era de confecção caseira). A aletria foi cortada em cubos. Fez-se a distribuição dos voluntários pelas diferentes tarefas a cumprir (Colocar a comida nos pratos/tigelas de porcelana, dar os pães na quantidade desejada pelos utenteslevar para as mesas, retirar os tabuleiros no final da refeição com a louça usada, lavagem e secagem da louça, talheres e recipientes usados, distribuição das sobremesas e serviço de café). Fui incumbido da tarefa de colocar nos pratos o arroz e entre 3 a 5 almôndegas por prato. Às 20 horas foi aberta a porta para entrada dos utentes, que já aguardavam em fila à entrada. A rotina de serviço manteve-se até às 22 horas, hora a que se fechou a porta. Guardou-se um prato de comida para um jovem que só chegaria cerca das 22,30 pois estuda na Escola António Sérgio em Gaia, no 12º ano nocturno em Humanidades. Não sabe se vai para o ensino superior pois não tem possibilidades económicas (Pedi à coordenadora da equipa para no ano final do ano lectivo me pôr em contacto com o jovem, de forma a tentar ajudar na sua matrícula no ensino superior). Foram servidas entre 120 e 130 refeições a pessoas que se distribuíam por todas as idades (18 aos 70 anos) com uma proporção de 30/70%  mulheres /homens, entre sem abrigo e pessoas abrigadas, de várias raças e etnias. Algumas pessoas levaram comida para casa em recipientes de que eram portadores. Sobrou alguma comida – é preparada para cerca de 150 pessoas -  (a sopa foi deitada na sanita e o arroz e as almôndegas foram guardadas no frigorífico). Procedeu-se à continuação da lavagem da louça e utensílios usados, limpeza das mesas e cadeiras, limpeza das cuvetes e vazamento da água quente, lavagem do chão e arrumação de todos os apetrechos nos locais devidos de forma a poderem ser utilizados de imediato no dia seguinte. O trabalho terminou cerca das 22,45 horas. Não há tempo para as pessoas se sentarem.
Notas:
- A CMP contribui com um subsídio de cerca de € 1,00 por pessoa.
- Há uma nutricionista da Ordem do Terço que supervisiona o tipo de refeição.
- Os ingredientes são comprados e provenientes de ofertas (Há supermercados que oferecerem produtos mas pedem recibos no valor dos produtos facturados a preços de venda. (o donativo é majorado em IRC a 140% do valor)
- Os voluntários não têm qualquer contrapartida (deslocam-se a expensas próprias)
    

sábado, 9 de dezembro de 2017

Mensagem de despedida ao terminar o mandato de Presidente da Mesa da Assembleia Geral




Caras e caros membros da Secção Portuguesa da Amnistia Internacional. Meus amigos e amigas
Termino hoje mais um mandato nos órgãos sociais da AISP, a que pertenço desde 1985. Agradeço, sensibilizado, a confiança dos que me elegeram e procurei desempenhar as funções durante este triénio da mesma forma do que em mandatos anteriores: promover a defesa, aprofundamento e promoção dos direitos humanos a que nos comprometemos enquanto membros da AI., com as condicionantes de discrição e limitações nas intervenções políticas enquanto Presidente da Mesa da Assembleia Geral. Como em todos os mandatos, tivemos de enfrentar dificuldades e procurar os caminhos para as superar. Neste triénio em particular, fizemos a revisão dos normativos jurídicos que regulam a vida da secção, que já foram todos aprovados pela assembleia geral e pelo conselho geral, apesar de haver ainda alguns aspectos formais a clarificar com o notário, mas cujas atas aprovadas permitem a sua superação e não põem em causa a vida da secção. O nosso director executivo, Pedro Neto, disponibilizou-se para tal tarefa e estou certo que a levará a bom porto.
Devido à minha idade e estado de saúde este terá sido o último mandato em que me candidatei aos órgãos sociais da A.I. Quero deixar claro que tenho orgulho em partilhar convosco o capital de prestígio que a organização granjeou. Tem sido uma colaboração cívica que tem tentado melhorar o mundo.
Infelizmente, tenho sentido que a nossa capacidade de luta não está a conseguir refrear o crescente aumento de violações de direitos humanos. Há cerca de três anos, uns meses antes de iniciar este último mandato, escrevi um livro que foi editado pela Leya, (ONGs: Passado e Presente – Uma experiência pessoal) em que fiz uma apreciação do trabalho das ONGs em que tenho participado ao longo da vida. E a perspectiva que tinha, e que hoje mantenho com agravamento, não era positiva. Sinto que estamos a perder terreno no trabalho para a observância dos direitos humanos, apesar de termos mais membros, mais apoiantes, mais dinheiro e mais funcionários.
A AI não pode ser uma organização integrada no sistema político de cariz governamental. A AI não de deve evolver com organizações que fazem dos direitos humanos um negócio, a coberto dum altruísmo interesseiro.
A AI tem de ser rebelde, inconformista, temerária, líder. Não pode ser uma organização colaboracionista com o poder político e suas organizações satélites, não se deve conformar com alegadas dificuldades de respeito pelos direitos humanos consagrados nos referenciais jurídicos vinculativos para os Estados, não deve ter medo de defender os direitos humanos mesmo correndo o risco de retaliações, deve ser líder no aprofundamento do respeito pelos direitos humanos  e não ir a reboque, por arrastamento, das violações de direitos humanos. Não devemos ir atrás das acções dos violadores dos direitos humanos mas estes é que têm de ir atrás das acções promovidas pela AI.
Os membros devem ser os principais activistas das acções desencadeadas pela AI, com o apoio dos secretariados das secções providenciando-lhes as informações e os meios. Tem havido um acréscimo de centralismo na AI que deve ser alterado, se ainda formos a tempo.
Admito sinceramente que quem está na AI tente dar o seu melhor. O que entendo é que é necessário um redireccionamento estratégico. Temos de ser mais incisivos nas prioridades internacionais e nacionais, de que destaco a pobreza, a exclusão social, o direito à própria defesa, as prisões e as crianças. Temos de combater a escravatura moderna com a precariedade e os baixos salários.
  Há um retrocesso numa cultura de liberdade já que as formas de intimidação e repressão são cada vez mais assustadoras, impondo às pessoas posturas de medo e cobardia inibidoras duma vivência em liberdade. Quem se assume livremente quando a necessidade de ganhar dinheiro obriga à aceitação de salários e condições de precariedade típicas dos regimes de escravatura?
Há um retrocesso numa cultura de tolerância já que se assiste a uma não-aceitação do outro com a sua identidade que deve ser respeitada. Veja-se o que se passa com a dificuldade da integração dos jovens em que a escola e a entrada no mundo do trabalho são cada vez mais obstáculos de monta, não se reconhecendo às crianças e aos jovens que são portadores de grandes valias a quem os adultos devem abrir portas e não criar problemas acrescidos.
Há um retrocesso numa cultura de fraternidade com um exemplo bem patente no fosso escandaloso entre pobres e ricos, provocando situações de marginalidade e exclusão social indignas duma sociedade humana. Isto potencia a criminalidade social o que leva à destruição da estrutura familiar e às prisões (instituições medievais impróprias duma sociedade do século XXI).
Há um retrocesso numa cultura de paz já que se há característica bem marcante dos dias de hoje é a agressividade entre as pessoas, entre as instituições e entre os Estados. São cada vez mais os desajustamentos familiares com os divórcios consequentes (processos dolorosos nomeadamente quando os filhos inocentes são os que mais sofrem), são cada vez mais os processos judiciais com as penhoras e execuções sempre lamentáveis, são cada vez mais frequentes as insultuosas trocas de piropos entre os partidos políticos (que deviam ser a fonte do exemplo), existindo espalhadas pelo mundo guerras e conflitos entre Estados e organizações que provocam vítimas e ódios difíceis de esquecer (Afeganistão; Iraque; Síria, Egipto, Congo; Chechénia; País Basco; Catalunha, Palestina; etc…). Já não é com surpresa que se assiste a um incremento das relações promíscuas entre muitas ONGs e entidades do poder político/económico.
O estreitamento dos vínculos faz com que já se tenha perdido o temor e o respeito que as ONGs detiveram até um passado recente. Temor pela denúncia dos atropelos aos direitos dos cidadãos, que obtinha cobertura relevante nos órgãos de comunicação social, e respeito pelo carácter íntegro das organizações e seus dirigentes. Quase se pode dizer que se inverteu a relação de temor, parecendo que hoje são as ONGs que têm medo de ofender o poder político-económico-financeiro.
À vulnerabilidade que atitudes deste tipo arrastam para as ONGs acrescem os privilégios que lhes têm vindo a ser atribuídos pelo poder político, nomeadamente de natureza fiscal e de benefícios específicos de natureza material e pessoal, afectando a independência que devia ser a bandeira dessas organizações e dos seus dirigentes e associados. Disto são exemplo as múltiplas formas de subsídios para parcerias, acções de formação e estágios profissionais, e os apoios para a realização de acções que visam colmatar insuficiências na sua área de intervenção, revelando um oportunismo pouco consentâneo com a elevada postura ética exigível a organizações que se querem credíveis, acções estas difíceis de denunciar politicamente já que são tratadas de forma abonatória pela opinião pública. 
Aliás, muitas destas ONGs já estão a ser orientadas e dirigidas por esses lobbies em muitas das suas posições. Para este facto muito contribui a dependência destas ONGs dos apoios institucionais que obtêm, quer seja de natureza económica, do recurso ao trabalho voluntário ou do próprio marketing da sua promoção. O poder dos lobbies na vida da ONGs leva já à participação de grandes multinacionais nas suas actividades, gerando um pântano que já ganhou direito a denominação atractiva como são as políticas ditas de responsabilidade social. Para promover este pântano constituem-se entidades, como são a BCSD Portugal e a GRACE Portugal, agrupando grupos económicos poderosos, que, sob a capa do altruísmo, albergam empresas frequentemente alvo de denúncias de comportamento censurável. Basta consultar os sítios na Internet destas entidades para termos conhecimento de quem quer fazer passar a mensagem de que pratica políticas de responsabilidade social, ao mesmo tempo que praticam dumping social, trabalho precário, salários de miséria, marketing pouco ético,  etc .
A evolução desta estratégia dos lobbies leva a que o próprio poder político acabe por ficar refém e, até, interessado nesta conjugação de interesses entre os lobbies e as ONGs, colocando estas como entidades credibilizadoras do sistema político vigente.
Como exemplo refira-se a insuficiente importância que a problemática dos direitos humanos das crianças tem nos programas nacionais e no calendário dalgumas organizações de direitos humanos, como a AI, comparativamente com as causas em que lobbies poderosos estão instalados nessas organizações.
De repente, parece que tudo o que se construiu de nada vale. Nos últimos anos assiste-se a um retrocesso preocupante nas declarações de compromisso anteriormente feitas de aprofundamento do já consignado, assim como à posta em causa de princípios até há pouco considerados intocáveis. São as intenções de buscas domiciliárias, de dia e de noite, por parte das forças de segurança sem mandado judicial; é o acesso indiscriminado às agendas telefónicas dos cidadãos com o arquivamento do registo de todas as chamadas telefónicas efectuadas; é o possível não conhecimento, injustificado, do executado da penhora de bens por solicitadores judiciais; é o cruzamento de bases de dados das mais diversas instituições com prejuízo do direito de salvaguarda da vida privada; é a criação de figuras jurídicas aberrantes para permitirem a detenção e o tratamento degradante de presumíveis terroristas com a cobertura duma Convenção contra o Terrorismo que é uma afronta aos direitos humanos (muitos dos detidos acabam por serem libertados sem acusação, após anos de detenção!); é a constatação da ineficácia e inutilidade do sistema prisional, apesar do crescente aumento do número de condenados, de prisões, de juízes e de tribunais, com os custos inerentes que começam a ser insuportáveis, quando o caminho deveria ser o da busca das vias para a diminuição da criminalidade; etc… . E já não se fala na crise social com a precariedade no trabalho (ou a certeza do desemprego), no agravamento do fosso entre pobres e ricos, na passividade (ou com declarações de circunstância) perante o dumping social que a globalização está a criar com o alargar da miséria e da exploração humana em todo o mundo, e, por aí fora. Implanta-se um outro medo: o medo de viver.
É, enfim, a consumação do 1984 de George Orwell.
Uma das mais significativas alterações no quotidiano das ONGs centra-se no deslocar do enfoque das motivações nos ideais para a nova palavra na moda que é a governança. Esta preocupação pelas novas técnicas de gestão utilizadas nas instâncias do poder económico-financeiro aproxima, também aqui, as ONGs dessas instâncias, fazendo-as dedicar parte significativa dos seus recursos à governança, fragilizando a sua dedicação prioritária às causas que foram a sua génese. A prova encontra-se nos recursos humanos dedicados a este modelo de gestão e nos meios que lhe são postos à disposição, assim como na consideração que é dada à angariação de fundos e aplicação dos meios financeiros, retirando capacidade ao trabalho da causa que deveria ser a sua principal motivação.
Este enfoque da governança em detrimento do objecto que deveria ser a razão de ser da existência, é mais um fator de afastamento dos associados, já que o excessivo tempo e energia que se despende afeta a mobilização e a participação dos associados, sendo mais uma machadada na democracia que devia imperar no seu quotidiano.
Uma das consequências deste primado da governança reflete-se  no peso crescente das despesas de estrutura nos custos de funcionamento das ONGs, diminuindo cada vez mais a quota parte das disponibilidades financeiras para as ações que são a razão de ser da sua existência. As próprias acções de angariação de fundos, com um poder de sedução resultante duma formação dos angariadores assente nas mais eficientes técnicas de marketing, acabam por se traduzir num peso financeiro elevado que consome uma parte significativa dos fundos angariados.
Numa apreciação simplista sinto que a AI não pode tornar-se numa multinacional de direitos humanos em bases semelhantes às multinacionais do sector económico-financeiro. As pessoas envolvidas na AI (membros, dirigentes e secretariado) têm de estar ligadas por uma mística de solidariedade fraterna em que em que o carreirismo tecnocrático e político têm de estar ausentes. 
Entidades relevantes, como, por exemplo, D. Carlos Azevedo, declaram que se estão a tapar os pobres com a vitória dos ricos e que uma mudança profunda só será possível com uma revolução de mentalidades dos gestores e agentes políticos, perguntando quem nos liberta desta força que nos leva à morte e deste modelo de desenvolvimento que nos sequestro o futuro e que a obsessão securitária e a repressão triunfam sobre a liberdade e a paz .
Ao ver recentemente uma reportagem televisiva questionei-me: o que dirão de nós, daqui por alguns anos, quem assistir, nessa altura, a um eventual programa de televisão com retratos da situação social neste ano de 2017? O que dirão de nós por assistirmos quase passivamente à existência, só em Portugal, de mais de 400.000 desempregados sem qualquer fonte de rendimento? O que dirão de nós que sabemos que muitas dezenas de milhar de crianças vão para a escola sem terem feito os trabalhos de casa por não disporem de luz em suas casas (cortada por falta de dinheiro para a pagar)? O que dirão de nós que sabemos que essas mesmas crianças já pouco têm que comer e beber em casa (a água também foi cortada pela mesma razão de ausência de rendimento)? O que dirão de nós que sabemos pela comunicação social da morte de idosos abandonados, sem nada mudarmos nas nossas relações com os pais ou avós? O que dirão de nós que sabemos da existência duma mendicidade institucionalizada e dum número crescente de sem abrigo? O que dirão de nós que sabemos do despejo de famílias que deixaram de poder pagar as prestações das suas casas, ficando estas vazias anos e anos após o despejo? O que dirão de nós que exultamos com o bom negócio que fazemos ao arrematarmos por tuta-e-meia, em leilões concorridos, os bens penhorados a quem deixou de os poder pagar? O que dirão de nós que sabemos que esta pobreza coabita com ricos, podres de ricos, e governantes bem instalados na vida? O que dirão de nós que sabemos que esta pobreza convive com situações escandalosas de corrupção, confisco, nepotismo e compadrio? O que dirão de nós que continuamos a mandar para prisões medievais os desafortunados da vida? O que dirão de nós que criamos um sistema dito democrático mas que só tem agravado a injustiça e as assimetrias sociais? O que dirão de nós que criamos organizações de direitos humanos, de consumidores, de rotários, de obediências maçónicas, de confissões religiosas, etc., que deviam impedir que isto acontecesse mas que parece que se auto comprazem com pouco mais do que a sua mera existência, já quase não restando esperança de que estas organizações possam protagonizar alguma dinâmica de resistência ao retrocesso civilizacional em curso?
Muitos dos responsáveis de há setenta anos, da II guerra mundial, alegaram que desconheciam a situação. Nós não vamos poder apresentar a mesma desculpa. Como disse a poetisa Sofia de Melo Breyner Andresen "Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar".
E não temos vergonha de estarmos a ter este comportamento cúmplice e comprometedor? Não temos vergonha do que vão dizer de nós no futuro?
Que raio de sociedade esta em que vivemos!
A importância económica de muitas ONGs está a torná-las, em muitos casos, verdadeiras “empresas” muito semelhantes na gestão às empresas com fins lucrativos, tonando-as apetentes para o poder político no sentido de as colocar na sua órbitra de influência. Por isso se assiste ao namoro sub-reptício a que são sujeitas pelo poder político-económico-financeiro.
Ainda não há muitos anos as ONGs caracterizavam-se por serem organizações que viviam das quotas dos seus associados e do voluntarismo dos seus dirigentes, dedicando-se exclusivamente à causa para que foram criadas, com um secretariado reduzido ao mínimo tendo em conta que uma grande parte do trabalho era efectuado graciosamente pelos seus dirigentes. A importância da gestão económica não era prioritária e a área financeira quase só se limitava às receitas e despesas correntes (Quando muito faziam-se algumas aplicações em depósitos a prazo mas sem peso significativo na dimensão global da associação). Na actualidade, não só os dirigentes quase deixaram de trabalhar na vida quotidiana das associações, agora servidas por secretariados profissionais com alguma dimensão, como passaram a exigir volumosos meios financeiros cuja gestão segue o modelo que privilegia as aplicações de capitais, mesmo que tal redunde em diminuição das acções em prol da razão de ser da entidade.
Em síntese, podemos afirmar que existem ONGs cuja dimensão económico-financeira as coloca no campo das grandes organizações da economia com fins lucrativos, exigindo dirigentes e secretariados com competências técnicas de gestão que não necessariamente do domínio para que foram criadas, restringindo o activismo e a percepção da vida da entidade.
Na actualidade, as ONGs passam tempo excessivo nas negociações nos corredores do poder, perdendo capacidade e autoridade moral para uma postura firme e interventiva. As ONGs estão a ser engolidas pelo neoliberalismo dominante que se está a mostrar nada democrático, tendo razão de ser a caracterização dos sistemas políticos vigentes na maioria dos países ocidentais como ditaduras assentes em parlamentos pluripartidários, que se limitam a avalizar como pretensamente democrático aquilo que não passa de sistemas autoritários, resguardados em forças de segurança cada vez mais numerosas com pretensões de dissuasão de protestos inflamados. O medo e o autoritarismo são cada vez mais características do actual modelo de sociedade.
O estar por dentro das ONGs permite constatar o aumento da sua ineficácia, ainda que por vezes apareçam com posições de interesse público, ficando o seu papel reduzido à defesa dos interesses da burguesia que dentro delas se instala ou que a elas se mantém ligada na mira da defesa dos seus interesses corporativos, sem que isto implique algo mais que o pagamento da quota e participação nalguma manifestação ou greve pontual, mas de forma a que o poder político não se sinta muito incomodado nem obrigado a mudar de política (as manifestações passaram a ser meros actos de “folclore” sem qualquer efeito prático).
Resta saber quantos são aqueles que estão dispostos a pagar o preço do incómodo de pertencer a uma organização com posturas discordantes, já que se está a perder a esperança de que se processe qualquer inflexão na sua conduta.
Importa, contudo, ter presente o que já Agostinho da Silva dizia: “ A mais eficaz de todas as acções é estar”.  Mas temos de estar na liderança da defesa e aprofundamento dos direito humanos, pois como disse Peter Benenson  A experiência mostra-nos que os governos agem apenas na direcção a que a opinião pública os conduz”. 
Queridas amigas e queridos amigos
A Secção Portuguesa tem, no seu seio, membros e conhecimentos suficientes para participar no movimento internacional em grau superior. Não é uma secção menor. Aliás, durante muitos anos o Secretariado Internacional delegou na secção portuguesa o acompanhamento de secções em países latino-americanos e nos PLPs . Tem membros que participaram em muitos ICM`s e em organismos internacionais da AI, de que a AUE, o Programa de Língua Portuguesa  e a EDAI foram exemplos.
Agradeço-vos todo o conhecimento que tenho adquirido no vosso seio. Desejo as maiores felicidades aos membros agora eleitos. Manifesto disponibilidade para continuar aquilo que comecei há mais de 30 anos como membro da AI. Tenho um grande amor pela AI e continuarei a querer mantê-lo. Com a minha idade o fim da vida a aproximar-se, quero acompanhar a filosofia que impregnou o nascimento da AI até à minha morte.

Lisboa, 9 de Dezembro de 2017
Manuel Hipólito Almeida dos Santos