AMNISTIA
INTERNACIONAL – PORTUGAL
Cogrupo sobre os
Direitos da Criança
Justiça Juvenil
Newsletter nº 4
1 – A Justiça Juvenil na Convenção dos Direitos da Criança
Em
25 de Abril de 2007, o Comité dos Direitos da Criança da ONU divulgou a sua
apreciação sobre a aplicação da Convenção dos Direitos da Criança relativamente
às questões de justiça juvenil (General Comment No. 10 - 2007 - Children’s
rights in juvenile justice) –
Na
introdução, o Comité declara: Nos relatórios apresentados sobre os Direitos da
Criança, os Estados-partes, dedicam, muitas vezes, bastante e detalhada atenção
para os direitos das crianças quando acusadas ou reconhecidas como tendo
infringido a lei penal (crianças em conflito com a lei). Em consonância com as
orientações da Comissão para emissão de relatórios periódicos, a aplicação dos
artigos 37º e 40º da Convenção sobre os Direitos da Criança (daqui por diante:
CRC) são o foco principal das informações fornecidas pelos Estados-partes. A
Comissão regista com apreço os muitos esforços para estabelecer uma
administração da justiça juvenil, em conformidade com o CRC. No entanto, também
é evidente que muitos Estados-partes têm ainda um longo caminho a percorrer
para alcançar o cumprimento integral da CRC, por exemplo, nas áreas de direitos
processuais, o desenvolvimento e implementação de medidas para lidar com
crianças em conflito com a lei, sem recorrer a procedimentos judiciais e ao uso
da privação da liberdade somente como medida de último recurso. A Comissão está
igualmente preocupada com a falta de informação sobre as medidas tomadas pelos
Estados-partes para impedir que crianças entrem em conflito com a lei. Isto
pode ser o resultado da falta de uma política abrangente para o campo de
justiça juvenil. Isto, também, pode explicar por que muitos Estados-partes
fornecem, apenas, muito limitada informação de dados estatísticos sobre o
tratamento de crianças em conflito com a lei. Uma política de justiça juvenil
nacional e abrangente deve promover a integração de outras normas
internacionais, em particular, as regras mínimas das Nações Unidas para a
administração da justiça juvenil (the “Beijing Rules”), as regras das Nações
Unidas para a proteção de jovens privados de sua liberdade (the “Havana
Rules”), e as diretrizes das Nações Unidas para a prevenção da delinquência
juvenil (the “Riyadh Guidelines”).
Como
princípios orientadores para uma política compreensiva de justiça juvenil, o
Comité sustenta que o estatuído nalguns artigos da Convenção dos Direitos da
Criança tem de ser observado em qualquer sistema de justiça juvenil,
nomeadamente a não discriminação (artº 2º), o superior interesse da criança
(artº 3º), o direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento (artº 6º), o
direito a ser ouvida (artº 12º) e o direito à dignidade (artº 40º). Como
elementos base para uma política compreensiva de justiça juvenil destacam-se: a
prevenção da justiça juvenil, acções evitando o recurso a intervenções
judiciais e durante estas intervenções, idade mínima de responsabilidade
criminal e aumento do limite de idade para a justiça juvenil, garantias para um
julgamento justo e a privação da liberdade incluindo a prisão preventiva e a
prisão após julgamento.
Direito
à não discriminação
Uma
das questões relevantes sobre a discriminação assenta em que é bastante comum
que os códigos penais contenham disposições criminalizando problemas
comportamentais das crianças, como vadiagem, evasão escolar, fugas e outros
atos, que muitas vezes são o resultado de problemas psicológicos ou
sócio-económicos. É, sobretudo, motivo de preocupação que meninas e meninos de
rua sejam, muitas vezes, vítimas desta criminalização. Estes atos, também
conhecidos como infracções de condição, não são considerados como tal se
cometido por adultos. A Comissão recomenda que os Estados-partes abolam as
disposições sobre crimes condição a fim de estabelecer uma igualdade de
tratamento nos termos da lei, para crianças e adultos. A este respeito, a
Comissão também se refere ao artigo 56º das orientações de Riade, onde se lê:
"para evitar maior estigmatização, vitimização e criminalização dos
jovens, deve ser promulgada legislação para garantir que qualquer conduta não
considerada um delito, ou não penalizada, se cometida por um adulto, não seja
considerada uma infracção e não seja penalizada se cometida por uma pessoa
jovem.
Superior
interesse da criança
Em
todas as decisões tomadas no âmbito da administração da justiça juvenil, o
superior interesse da criança deve ser uma consideração primária. As crianças
diferem dos adultos no seu desenvolvimento físico e psicológico e nas suas
necessidades emocionais e educacionais. Tais diferenças constituem a base para
a menor culpabilidade das crianças em conflito com a lei. Estas e outras
diferenças são as razões para um sistema de justiça juvenil específico e exigem
um tratamento diferente para as crianças. A proteção do superior interesse da
criança significa, por exemplo, que os objectivos tradicionais de justiça
penal, tais como a repressão/retribuição, devem dar lugar à reabilitação e
objectivos de justiça restaurativa quando se lida com menores infratores. Isso
pode ser feito em conjunto com a atenção a uma eficaz segurança pública.
O
direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento
Este
direito inerente de cada criança deve guiar e inspirar os Estados partes no
desenvolvimento de políticas nacionais eficazes e programas para a prevenção da
delinquência juvenil, porque é evidente que a delinquência tem um impacto muito
negativo sobre o desenvolvimento da criança. Além disso, este direito básico
deve resultar numa política de responder à delinquência juvenil como forma a
apoiar o desenvolvimento da criança. A pena de morte e a prisão perpétua sem
liberdade condicional são explicitamente proibidas sob artigo 37º da Convenção
dos Direitos da Criança. O uso de privação de liberdade tem consequências muito
negativas para o desenvolvimento harmonioso da criança e prejudica seriamente a
sua reintegração na sociedade. A este respeito, o artigo 37º explicitamente
indica que a privação da liberdade, incluindo a captura, detenção e prisão,
deve ser usada apenas como uma medida de último recurso e com o mais curto
período de tempo adequado, para que o direito ao desenvolvimento da criança
seja totalmente respeitado e assegurado.
O
direito da criança a ser ouvida
O
direito da criança de expressar sua opinião livremente em todos os assuntos que
a afectam deve ser plenamente respeitado e implementado ao longo de todas as
fases do processo de justiça juvenil A Comissão observa que as vozes das
crianças envolvidas no sistema de justiça juvenil tornam-se, cada vez mais, uma
força poderosa para melhorias e reformas e para o cumprimento dos seus
direitos.
O
direito à dignidade
Há um
conjunto de aspectos fundamentais a serem considerados na relação com crianças
em conflito com a lei: O tratamento tem de ser consistente com o sentido da
criança de dignidade e valor; O tratamento deve reforçar o respeito da criança
para com os direitos humanos e liberdades dos outros; O tratamento deve levar
em conta a idade da criança e promover a reintegração da criança, assumindo um
papel construtivo na sociedade; O respeito pela dignidade da criança exige que
todas as formas de violência no tratamento de crianças em conflito com a lei
devem ser proibidas e impedidas.
2 – Alguns normativos jurídicos
portugueses
Como
instrumentos jurídicos do direito interno em Portugal, aplicáveis a crianças,
são de considerar:
-
Código Penal
-
Lei Tutelar Educativa
-
Estatuto do Aluno e Ética Escolar
Por
outro lado, em Portugal, o relatório da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do
Sistema Prisional, apresentado em 2004, é claro na sua recomendação de evitar a
pena de privação da liberdade a jovens em conflito com a lei, quando diz: “. …Torna-se, assim, necessário, à semelhança do
que ocorre em muitos países europeus, e na sequência das mais recentes
recomendações do Conselho da Europa (Rec. (2003) 20, de 24 de Setembro de
2003), tomar medidas que evitem, o mais possível, os efeitos estigmatizantes da
prisão a jovens delinquentes menores de 21 anos. …”.
3 – Outros
normativos jurídicos internacionais sobre justiça juvenil
- Princípios Orientadores das
Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil (Princípios Orientadores de Riade).
4 – A justiça juvenil nos órgãos de comunicação social – Alguns
títulos
- Jovens chegam cada vez mais tarde aos
centros educativos e com crimes mais graves.
"Os jovens
estão a chegar mais tarde aos centros educativos, com uma prática de crimes
mais graves, o que determina uma intervenção mais tardia e (...) menos
eficaz." A conclusão é da Comissão de Acompanhamento e Fiscalização dos
Centros Educativos - CAFCE (…) Quando estes jovens vão para os centros
educativos já é muito tarde, pois apresentam um percurso criminal desde os 9 ou
10 anos, por vezes."(…) O relatório da CAFCE critica também o facto de o
desenvolvimento do projeto educativo da esmagadora maioria dos jovens ocorrer
em "meio fechado", "O problema maior é que os centros educativos
não são virados para o exterior e assim o desenvolvimento dos jovens não se faz
em comunidade como dita a lei", sublinha Maria do Carmo Peralta. "O
regime fechado devia ser eliminado, é apenas clausura." 16 de junho de 2017– Diário de Notícias
- Protecção de Dados não quer
menores em base nacional de criminosos
Anteprojecto de lei do
Ministério da Justiça visa evitar sanções da Comissão Europeia por falhas na
partilha de informações no âmbito do combate ao terrorismo. Base de dados
inclui impressões digitais. (…)
A Comissão Nacional de
Protecção de Dados está contra a inclusão de impressões digitais e outros dados
relativos a menores de idade numa base de dados destinada a apoiar a
investigação criminal. A intenção do Governo faz parte de um anteprojecto de
lei sobre identificação judiciária destinado a evitar sanções da Comissão Europeia por
falhas na partilha de informações entre os
Estados-membros no âmbito do combate ao terrorismo. - 31 de janeiro de 2017 – Jornal Público
- 80%
dos jovens em instituições têm problemas psicológicos
Quase 80% dos 8175 dos menores
institucionalizados em 2016 tiveram acompanhamento na área da Saúde Mental. E
um quinto, isto é, 1609, estão mesmo sob medicação. - 28 de Julho de 2017 –
Jornal de Notícias
- Violência mais violenta
(…) – perturbações de comportamento e as
graves disfunções familiares são uma presença constante nas consultas(…). É aí
que se deve trabalhar. Não sou grande defensor de modelos punitivos. - 14 de
Janeiro de 2017 – Jornal Expresso.
5 – Considerações gerais
Da análise das
linhas orientadoras do principal instrumento jurídico (Convenção dos Direitos
da Criança) e do quadro legal aplicável em Portugal, constata-se a existência
dum grande distanciamento entre o carácter formador e humanista da Convenção e
do modelo essencialmente punitivo vigente em Portugal e em muitos outros
países. Como exemplo pode-se referir que o Estatuto do Aluno e Ética Escolar
contêm medidas punitivas e deveres disciplinares em mais de 30 dos seus 56
artigos. Isto mesmo foi evidenciado no relatório da Comissão de Estudo
e Debate da Reforma do Sistema Prisional que, passados 13 anos da sua tradução
em anteprojecto de lei, nunca foi aplicado pelos sucessivos poderes políticos.
Ainda
recentemente a CRIN (Chil Rights International Network), no CRINmail 1533 de 31 de Maio de 2017, interrogava: “ Quais são os problemas? Uma abordagem
de direitos de criança no campo da justiça juvenil exige que as crianças sejam
desviadas de processos judiciais formais. Isso não significa uma abdicação de
responsabilidade. Todas as pessoas devem ser responsáveis pelos atos que
cometem. Pelo contrário, exige que se dê especial atenção ao nível de
desenvolvimento e evolução das capacidades das crianças. Também é importante
que os sistemas de justiça juvenil não se baseiem na punição. A promoção da
reintegração e as disposições de sanções comunitárias inovadoras e eficazes,
devem ser o cerne da política de justiça juvenil. Sabemos que punir e privar as
crianças de liberdade tende a aumentar a taxa de reincidência. “
6 - Convenção dos Direitos da Criança
Artigo
37º
Os Estados Partes garantem que:
a)
Nenhuma criança será submetida à tortura ou a penas ou tratamentos cruéis,
desumanos ou degradantes. A pena de morte e a prisão perpétua sem possibilidade
de libertação não serão impostas impostas por infracções cometidas por pessoas
com menos de 18 anos;
b)
Nenhuma criança será privada de liberdade de forma ilegal ou arbitrária: a
captura, detenção ou prisão de uma criança devem ser conformes à lei, serão
utilizadas unicamente como medida de último recurso e terão a duração mais
breve possível;
c)
A criança privada de liberdade deve ser tratada com a humanidade e o respeito
devidos à dignidade da pessoa humana e de forma consentânea com as necessidades
das pessoas da sua idade. Nomeadamente, a criança privada de liberdade deve ser
separada dos adultos, a menos que, no superior interesse da criança, tal não
pareça aconselhável, e tem o direito de manter contacto com a sua família
através de correspondência e visitas, salvo em circunstâncias excepcionais;
d)
A criança privada de liberdade tem o direito de aceder rapidamente à
assistência jurídica ou a outra assistência adequada e o direito de impugnar a
legalidade da sua privação de liberdade perante um tribunal ou outra autoridade
competente, independente e imparcial, bem como o direito a uma rápida decisão
sobre tal matéria.
– Artº40º
1.
Os Estados Partes reconhecem à criança suspeita, acusada ou que se reconheceu
ter infringido a lei penal o direito a um tratamento capaz de favorecer o seu
sentido de dignidade e valor, reforçar o seu respeito pelos direitos do homem e
as liberdades fundamentais de terceiros e que tenha em conta a sua idade e a
necessidade de facilitar a sua reintegração social e o assumir de um papel
construtivo no seio da sociedade.
2.
Para esse feito, e atendendo às disposições pertinentes dos instrumentos
jurídicos internacionais, os Estados Partes garantem, nomeadamente, que:
a)
Nenhuma criança seja suspeita, acusada ou reconhecida como tendo infringido a
lei penal por acções ou omissões que, no momento da sua prática, não eram
proibidas pelo direito nacional ou internacional;
b)
A criança suspeita ou acusada de ter infringido a lei penal tenha, no mínimo,
direito às garantias seguintes:
i)
Presumir-se inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente
estabelecida;
ii)
A ser informada pronta e directamente das acusações formuladas contra si ou, se
necessário, através de seus pais ou representantes legais, e beneficiar de
assistência jurídica ou de outra assistência adequada para a preparação e
apresentação da sua defesa;
iii)
A sua causa ser examinada sem demora por uma autoridade competente,
independente e imparcial ou por um tribunal, de forma equitativa nos termos da
lei, na presença do seu defensor ou de outrem, assegurando assistência adequada
e, a menos que tal se mostre contrário ao interesse superior da criança,
nomeadamente atendendo à sua idade ou situação, na presença de seus pais ou
representantes legais;
iv)
A não ser obrigada a testemunhar ou a confessar-se culpada, a interrogar ou
fazer interrogar as testemunhas de acusação e a obter a comparência e o
interrogatório das testemunhas de defesa em condições de igualdade;
v)
No caso de se considerar que infringiu a lei penal, a recorrer dessa decisão e
das medidas impostas em sequência desta para uma autoridade superior,
competente, independente e imparcial, ou uma autoridade judicial, nos termos da
lei;
vi)
A fazer-se assistir gratuitamente por um intérprete, se não compreender ou
falar a língua utilizada;
vii)
A ver plenamente respeitada a sua vida privada em todos os momentos do
processo.
3.
Os Estados Partes procuram promover o estabelecimento de leis, processos,
autoridades e instituições especificamente adequadas a crianças suspeitas,
acusadas ou reconhecidas como tendo infringido a lei penal, e, nomeadamente:
a)
O estabelecimento de uma idade mínima abaixo da qual se presume que as crianças
não têm capacidade para infringir a lei penal;
b)
Quando tal se mostre possível e desejável, a adopção de medidas relativas a
essas crianças sem recurso ao processo judicial, assegurando-se o pleno respeito
dos direitos do homem e das garantias previstas pela lei.
4.
Um conjunto de disposições relativas, nomeadamente, à assistência, orientação e
controlo, conselhos, regime de prova, colocação familiar, programas de educação
geral e profissional, bem como outras soluções alternativas às institucionais,
serão previstas de forma a assegurar às crianças um tratamento adequado ao seu
bem-estar e proporcionado à sua situação e à infracção.
7 – Algumas instituições
envolvidas na apreciação da justiça juvenil
- Conselho da Europa — www.coe.int/t/dg3/children/corporalpunishment/
- Comité dos Direitos da Criança – ONU — www2.ohchr.org/english/bodies/crc/
- CRIN
– Child Right´s International Network — www.crin.org
- Eurochild
— www.eurochild.org
- UNICEF – https://www.unicef.org/
- Procuradoria Geral da
República — www.pgr.pt
Grande é a poesia, a
bondade e as danças
Mas o melhor do mundo
são as crianças
Fernando Pessoa
Amnistia Internacional Portugal
Rua
dos Remolares, 7, 2º 1200-370 Lisboa • Tel.: 213861652
Julho/2017
Manuel Almeida dos Santos
Manuel Almeida dos Santos