terça-feira, 22 de maio de 2012

Professoras heroínas

Há dezasseis anos que é professora do 3º ciclo do ensino básico e do secundário. Já passou por mais de vinte escolas. Já lhe passaram pelas mãos mais de mil alunos. Tem duas licenciaturas, já fez a profissionalização em serviço, continua ser professora contratada. Nuns anos é colocada logo no início do ano lectivo, noutros anos só é colocada muito depois do início das aulas. Nuns anos a colocação é feita para preenchimento dum lugar em aberto, mas, mesmo que seja para ocupar um lugar antes atribuído a um colega efectivo, continua a ser contratada só até ao final do ano lectivo. Noutros anos é contratada para substituir algum colega de baixa por doença ou alguém que morreu, ou se aposentou, antes do final do ano lectivo (estamos perante mais uma das situações em que a morte ou a doença de uns é a sorte de outros). Quase todos os anos passa longas horas nas filas dos Centros de Emprego e da Segurança Social para se candidatar ao subsídio de desemprego durante o tempo em que não está colocada. Umas vezes é colocada perto de casa. Noutras vezes tem de se deslocar mais de uma centena de quilómetros por dia. A remuneração, por ser professora contratada, é a correspondente ao índice mais baixo da carreira docente, mesmo sendo professora há 16 anos, não havendo lugar a diuturnidades nem a progressão na carreira. A solidariedade dos colegas efectivos está pelas ruas da amargura. A grande questão que mobilizou os professores efectivos desde há muitos anos foi a contestação ao modelo de avaliação, (aqui funcionou o corporativismo demagógico, com a liderança das estruturas sindicais dos professores dominadas pelos professores efectivos). Nesta questão magna da precariedade dos professores contratados não encontramos uma mobilização sequer parecida como a que se assistiu nessa contestação ao modelo de avaliação. Na análise das diferentes posturas comportamentais entre professores não se pode deixar, por exemplo, de ter em conta o menor absentismo dos contratados, já que a precariedade força posturas que raiam a desumanidade. E os alunos? Obviamente, os seus resultados são afectados por esta instabilidade do corpo docente. Mas, também aqui, parece que se quer empurrar as culpas do mau aproveitamento para o comportamento dos alunos ou dos pais, esquecendo que a escola e a sociedade têm graves responsabilidades na matéria. Esta questão da instabilidade na colocação dos professores é um aspecto importante para o facto do ensino público aparecer, na generalidade, abaixo das escolas privadas onde há maior estabilidade do corpo docente, Ninguém, que conheça esta realidade, pode negar que este factor é da maior relevância na qualidade do ensino. O relatório que a OCDE divulgou recentemente sobre o estado da educação em Portugal (OECD Reviews of Evaluation and Assessment in Education – Portugal) é revelador dos erros que têm de ser corrigidos. Alguns ainda tentam esconder a realidade com meia dúzia de indicadores positivos. Mas, o relatório tem mais de quatrocentos indicadores e na maioria deles Portugal fica mal na fotografia. Perante este quadro, as muitas dezenas de milhar de professores contratados têm sido uns heróis. Mas é preciso honrar os heróis e não maltratá-los mantendo-os em situação precária, deprimente e lesiva do seu equilíbrio emocional e das suas famílias.