segunda-feira, 27 de abril de 2009

A construção duma Sociedade Preversa

Assustadoramente, assistimos nesta transição de século a novas e preocupantes facetas nas relações entre os cidadãos e entre estes e a organização social, parecendo que se está a construir um novo modelo ao arrepio daquilo que era apontado como os melhores suportes da estrutura social.

Mas é inquestionável que a solidez de todas as construções está intrinsecamente ligada à boa resistência e harmonia dos seus pilares, nos quais se apoia a malha envolvente que explicita a estética idealizada. Sem pilares sólidos toda a construção é vulnerável, tornando-se efémera e de pouca confiança.

Assim, também, se passa na construção das relações humanas que, para ser sólida e harmoniosa, necessita de pilares consistentes e bem construídos, desempenhando papel mestre os pilares da ética e da cidadania.
Para a sua execução é imprescindível que todos os obreiros sejam exímios nos domínios do bem, de que se destacam a verdade, a honra, a vergonha, o brio, a solidariedade e a tolerância. Sem a observância destes domínios, a construção das relações humanas não resistirá à mais pequena brisa.
A sua concepção e manutenção têm de integrar a força, a beleza e a sabedoria, colunas mestras estas sempre necessárias a toda a obra que aspira à perfeição. A força da vontade, a beleza dos olhos nos olhos e a sabedoria do conhecimento certo.
A ética e a cidadania são pilares em que tem de assentar toda a construção das relações humanas, sendo obrigatório que a liberdade, a igualdade e a fraternidade, sejam o cimento que os solidifica. A liberdade do respeito pela diferença, sem imposições do lobby e da ditadura da maioria ou da sabotagem da minoria; a igualdade tal como ela é proclamada no artº 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”; a fraternidade da partilha, bem expressa no lema “Por pouco que se tenha deve chegar sempre para ajudar os outros”.
Todavia, outros materiais tentadores e, porventura, mais fáceis, são colocados à nossa disposição: a inveja, a vingança, a ingratidão, o egoísmo, a intolerância, a demagogia, a ambição desmedida, o ódio, etc..., são elementos que poderão edificar ilusoriamente uma construção faustosa mas que ruirá, mais tarde ou mais cedo, deixando a quem nela se abrigou o relento da frustração, se ainda não tiver sido bloqueado o domínio do seu livre pensamento.
E quando isto acontece, quando a consciência fica obliterada, quando a escuridão ameaça tapar a luz, meditemos no que disse o poeta e filósofo francês do século XVI, Etienne de la Botie, no seu livro Discurso Sobre a Servidão Voluntária: “Dignos de dó são aqueles que vivem com a canga no pescoço. Devem ser desculpados e perdoados, pois, nunca tendo visto sequer a sombra da liberdade e ninguém nunca lha tendo mostrado, não sabem como é mau serem escravos. Há países em que o sol aparece de modo diverso daquele a que estamos habituados: depois de brilhar durante seis meses seguidos, deixa-os ficar mergulhados na escuridão, nunca os visitando durante meio ano; se os que nasceram durante essa longa noite nunca tivessem ouvido falar do dia, seria de espantar que eles se habituassem à treva em que nasceram e nunca desejassem a luz?”

Na convicção de que a felicidade humana está ligada, umbilicalmente, à existência em paz duma consciência esclarecida, importa intervir para que o trilhar do caminho da vida seja feito sobre pilares de ética e cidadania, construídos com o esquadro, o nível e o fio de prumo, instrumentos indispensáveis à edificação de construções sólidas e duradouras de rectidão e justiça.