domingo, 12 de fevereiro de 2012

O Julgamento da História

Passados setenta anos da 2ª guerra mundial continua sem resposta a pergunta de como foi possível a prática das atrocidades conhecidas. Ainda há dias, num programa de TV, foi exibida uma reportagem sobre os orfanatos no Goulag, na Rússia, mostrando-nos os horrores sofridos pelas crianças que por lá passaram. Passados setenta anos continua a não se vislumbrar qualquer razão para as crianças terem sido submetidas a tais sofrimentos, não se podendo justificar o poder político de então por determinar essas práticas desumanas.
Ao ver essa reportagem televisiva questionei-me: o que dirão de nós, daqui por alguns anos, quem assistir, nessa altura, a um eventual programa de televisão com retratos da situação social neste ano de 2012? O que dirão de nós por assistirmos quase passivamente à existência, só em Portugal, de mais de 400.000 desempregados sem qualquer fonte de rendimento? O que dirão de nós que sabemos que muitas dezenas de milhar de crianças vão para a escola sem terem feito os trabalhos de casa por não disporem de luz em suas casas (cortada por falta de dinheiro para a pagar)? O que dirão de nós que sabemos que essas mesmas crianças já nada têm que comer e beber em casa (a água também foi cortada pela mesma razão de ausência de rendimento)? O que dirão de nós que sabemos pela comunicação social da morte de idosos abandonados sem nada mudarmos nas nossas relações com os pais ou avós? O que dirão de nós que sabemos da existência duma mendicidade institucionalizada e dum número crescente de sem abrigo? O que dirão de nós que sabemos do despejo de famílias que deixaram de poder pagar as prestações das suas casas, ficando estas vazias anos e anos após o despejo? O que dirão de nós que sabemos que esta pobreza coabita com ricos, podres de ricos, e governantes bem instalados na vida? O que dirão de nós que sabemos que esta pobreza convive com situações escandalosas de corrupção, confisco, nepotismo e compadrio? O que dirão de nós que continuamos a mandar para prisões medievais os desafortunados da vida? O que dirão de nós que criamos organizações de direitos humanos, de consumidores, de rotários, de obediências maçónicas, de confissões religiosas, etc…, que deviam impedir que isto acontecesse mas que parece que se auto comprazem com pouco mais do que a sua mera existência?
Muitos dos responsáveis de há setenta anos alegaram que desconheciam a situação. Nós não vamos poder apresentar a mesma desculpa. Como disse a poetisa Sofia de Melo Breyner Andresen “Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”.
E não temos vergonha de estarmos a ter este comportamento cúmplice e comprometedor? Não temos vergonha do que vão dizer de nós no futuro?
Que raio de sociedade esta em que vivemos!