sexta-feira, 10 de maio de 2013

Prisões em notícia

Foi divulgado no mês passado o relatório do Conselho da Europa relativamente às condições desumanas e degradantes das prisões em Portugal, detectadas durante as inspecções que os peritos do Comité efectuaram em Fevereiro do ano passado. Desde celas apinhadas de reclusos, às deficientes condições médicas e sanitárias, maus tratos aos reclusos, dificuldade de acesso dos reclusos a um advogado, punições disciplinares excessivas, etc…, o relatório do Conselho da Europa, mais uma vez, denuncia o incumprimento por Portugal das condições mínimas a que estamos obrigados por força de sermos Estado-parte de tratados e convenções internacionais que a isso nos obrigam. Já não é a primeira vez que a opinião pública toma conhecimento das más condições das prisões portuguesas. É necessário que pensemos seriamente no que queremos com o cumprimento duma pena de prisão. Queremos que o recluso saia em condições de não voltar para a vida do crime ou queremos continuar no risco de sermos vítimas de actos de criminalidade? O princípio proclamado pelas mais altas instâncias políticas e religiosas é de que a prisão contenha objectivos de ressocialização, de modo a que uma vez cumprida a pena o recluso retome uma vida digna. Mas, para tal, teremos de proporcionar condições de dignidade que evitem tornar o recluso num revoltado com a sociedade que o tratou de forma desumana dizendo que o quer reinserir. E as situações referidas no relatório do Conselho da Europa são apenas uma amostra da realidade. Pode-se acrescentar a deficiente alimentação, em qualidade e quantidade, as poucas possibilidades de ocupar os reclusos com trabalho, as limitadas oportunidades de valorização escolar e profissional (os reclusos não têm acesso à internet – ferramenta indispensável nos dias de hoje a qualquer estudante), à má remuneração do trabalho prestado aproximando-se da escravatura, à falta de produtos higiénicos como sabonete ou papel higiénico, à dificuldade da manutenção das ligações familiares e a tudo que se possa imaginar num ambiente de cariz medieval, autoritário e desumano como é o das prisões. Torna-se necessário sermos coerentes com os objectivos que proclamamos. Se queremos diminuir a criminalidade proporcionando mais segurança aos cidadãos, se queremos diminuir o número de vítimas, não podemos fomentar o aumento de criminosos. A inexistência duma política séria de reinserção social faz-nos antever um futuro negro. Só nos últimos dez anos o número de técnicos de reinserção social na administração pública central diminuiu de 902 para 652 e o número de equipas de reinserção social diminuiu de 98 para 57. Isto faz antever o pior, já que diminuindo a reinserção social se vai aumentar a conflitualidade e a criminalidade. Por outro lado é, também, necessário desmistificar a opinião muito divulgada de que as penas são leves e de se deveria aumentar o tempo de permanência na prisão. Em Portugal o tempo médio de cumprimento de pena ultrapassa os dois anos enquanto a média do Conselho da Europa é de nove meses. Além de que o espaço disponível nas prisões está sobrelotado (a lotação máxima das 49 prisões portuguesas é de 12.077 reclusos mas em 15 de Abril último já lá estavam 14.020 reclusos). Isto não faz esquecer a solidariedade com que nos devemos comportar com as vítimas dos actos anti-socais, o que reforça a necessidade de prevenir a reincidência de forma a que não se criem mais vítimas nem mais reclusos. Em Janeiro do corrente ano Portugal ratificou o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura que prevê a criação de Mecanismos Nacionais de Prevenção da Tortura. É com expectativa que aguardamos a implementação destas estruturas, esperando que tal possa contribuir para a melhoria das condições prisionais. Se queremos viver em paz e sem o receio de podermos ser vítimas de práticas criminosas temos de prevenir as condições que propiciam o seu aparecimento. Num país que se diz católico é bom que pratiquemos o perdão e a misericórdia, de forma a que possamos colaborar na recuperação de quem, por razões que muitas vezes escapam ao seu querer profundo, caiu no erro da prática de actos anti-sociais. E devemos pensar como vivem os mais de 500.000 portugueses que já deixaram de receber os subsídios de desemprego e de inserção. É que a vida do crime muitas vezes surge como a única possibilidade. O desemprego, a toxicodependência, os despejos da habitação, as penhoras múltiplas, o sobreendividamento, o aumento de conflitos sociais, etc…, são fontes para a alimentação do crime.

Castigos Corporais sobre as Crianças – Da Barbárie à Civilização

Bater nos adultos é considerado agressão Bater nos animais é considerado crueldade Bater nas crianças é considerado para seu próprio bem (Conselho da Europa – Raise your hand against smacking!) O avanço civilizacional verificado na segunda metade do século XX ficará para a história como um marco relevante na construção do edifício onde se alojam os referenciais internacionais de direitos humanos. As raízes lançadas têm permitido o aprofundamento destes referenciais, continuando-se a assistir à aprovação de tratados e protocolos que aperfeiçoam e aprofundam as convenções e declarações já existentes. Este quadro estende-se aos direitos humanos específicos das crianças, que se encontram cobertos por vários referenciais, nomeadamente no âmbito da Organização das Nações Unidas e do Conselho da Europa. Os castigos corporais sobre as crianças têm ocupado lugar de destaque nas preocupações de quem trabalha esta área particular dos direitos humanos, não se tendo conseguido, até ao momento, afastar este flagelo do quotidiano de muitos milhões de crianças em todo o mundo. Marta Santos Pais, Representante Especial do Secretário Geral do ONU sobre a Violência contra as Crianças, mencionou no seu relatório, em Agosto de 2011, que somente 5% das crianças em todo o mundo beneficiam de proteção legal contra os castigos corporais. Foi para acabar com esta realidade que, recentemente, um conjunto alargado de organizações internacionais intergovernamentais (Conselho da Europa, Comité dos Direitos da Criança da ONU e UNICEF) e de organizações não governamentais ( CRIN – Child Rights International Network, Eurochild, Save the Children e outras) envolveram-se numa campanha para eliminar os castigos corporais da vida das crianças. “O problema é sério e está enraizado. Em toda a Europa as crianças são, quotidianamente, sovadas, esbofeteadas, sacudidas, beliscadas, pontapeadas, socadas, chicoteadas, batidas com réguas e com cintos, agredidas e brutalizadas pelos adultos, principalmente por aqueles em quem elas têm mais confiança. Estas violências podem corresponder a um acto de punição ou a uma reação impulsiva dos pais ou de um professor irritado. Em todos os casos constituem uma violação dos direitos humanos. O respeito pela dignidade humana e o direito à integridade física são princípios universais. Noções jurídicas, tais como castigo razoável ou correção legítima, advêm do facto de uma criança ser percebida como propriedade dos seus pais. Isto é o equivalente moderno das leis em vigor há um ou dois séculos atrás que autorizavam os mestres a baterem nos seus escravos ou servidores, assim como os maridos a baterem na sua mulher. Estes direitos repousam no poder imposto pelo mais forte ao mais fraco e são exercidos pela violência e pela humilhação. Só recentemente é que as crianças passaram a estar protegidas juridicamente da mesma forma que os adultos contra as violências deliberadas, proteção esta que os adultos têm geralmente como adquirida. Como é possível que as crianças, que se reconhecem particularmente vulneráveis às agressões físicas e mentais, tendo em conta o seu estado de desenvolvimento e a sua menor compleição física, beneficiem duma proteção menor contra as violências infligidas ao seu corpo, ao seu psiquismo e à sua frágil dignidade?...........................” Conselho da Europa -Comissariado dos Direitos Humanos (Comm DH 2006) 1 – Castigos corporais - Definição – (ONU - Comité dos Direitos da Criança) “Todo o castigo no qual a força fisica é empregue com a intenção de causar um certo grau de dor ou incomodidade, mesmo ligeira. Na maioria das vezes isto consiste em golpear (palmadas, bofetadas, sova) uma criança com a mão ou com um objecto: uma régua, um chicote, um cinto, uma colher de pau, um sapato. Além disto pode, também, consistir, por exemplo, em dar pontapés, sacudir ou atirar ao chão, arranhar, beliscar, morder, puxar os cabelos, puxar as orelhas, a obrigar a estar numa posição desconfortável, queimar, escaldar, a fazer ingerir pela força alguma coisa (por exemplo, lavando a boca com sabão ou forçando a engolir especiarias picantes). No entendimento do Comité dos Direitos da Crianças da ONU, o castigo corporal é invariavelmente degradante. Acresce ainda que existem outras formas não físicas de castigo também cruéis, degradantes e, portanto, incompatíveis com a Convenção dos Direitos da Criança. Isto consiste, por exemplo, em castigos que procuram rebaixar a criança, humilhá-la, assustá-la, denegri-la, fazê-la de bode expiatório, ameaçá-la, aterrorizá-la ou ridicularizá-la.” 2 – Five years on: A global update on violence against children – ONU 2011 (Destaques e enquadramento do relatório) - As crianças são os doentes dum ser chamado futuro. - Nenhuma violência contra as crianças é justificada e toda a violência contra as crianças tem prevenção. - As recomendações e orientações dos referenciais internacionais são elaboradas após estudo longo, participado e reflectido, de especialistas reconhecidos na matéria. - Cláusula 19ª da Convenção dos Direitos da Criança) - 1. Os Estados Partes tomam todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educativas adequadas à protecção da criança contra todas as formas de violência física ou mental, dano ou sevícia, abandono ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, incluindo a violência sexual, enquanto se encontrar sob a guarda de seus pais ou de um deles, dos representantes legais ou de qualquer outra pessoa a cuja guarda haja sido confiada. - As crianças continuam a serem humilhadas, agredidas, enxovalhadas e abusadas sexualmente por adultos. - Um obstáculo fundamental para não se terminar com a violência sobre as crianças é a continuada aceitação social de tais procedimentos. - Somente 11% dos crimes violentos contra crianças são objecto de participação policial enquanto que para os adultos tal valor se eleva a 37%.. - Entre 2006 e 2011 o número de Estados que adoptaram a proibição total de castigos corporais, em todos os aspectos da vida das crianças, incluindo no seio familiar, cresceu de 16 para 30 (incluindo Portugal). - O Conselho da Europa lançou uma campanha em 2008 para a proibição de todos os castigos corporais nos seus 47 estados-membro. 3 - Porque devemos abolir os castigos corporais infligidos às crianças Há muitas e boas razões para a abolição dos castigos corporais infligidos às crianças. Os castigos corporais: - constituem uma violação dos direitos das crianças, ao respeito pela sua integridade física, à sua dignidade humana e à protecção igual perante a lei; - podem pôr em risco os direitos da criança ao desenvolvimento, saúde, educação e mesmo à vida; - podem causar danos físicos e psicológicos graves às crianças; - ensinam às crianças que a violência é uma estratégia aceitável e adequada para resolver os conflitos ou para obter o que se quer dos outros; - são ineficazes como meio de impor a disciplina. Existem formas positivas de ensinar, corrigir ou disciplinar as crianças que são melhores para o seu desenvolvimento e contribuem para construir relações baseadas na confiança e respeito mútuos; 4 - Código Penal - Portugal Artigo 152.º Violência doméstica 1 — Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: a) Ao cônjuge ou ex -cônjuge; b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão de idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite; é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. 2 — No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos. 3 — Se dos factos previstos no n.º 1 resultar: a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos; b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos. ................................................ Artigo 152.º -A Maus tratos 1 — Quem, tendo ao seu cuidado, à sua guarda, sob a responsabilidade da sua direcção ou educação ou a trabalhar ao seu serviço, pessoa menor ou particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez, e: a) Lhe infligir, de modo reiterado ou não, maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais, ou a tratar cruelmente; b) A empregar em actividades perigosas, desumanas ou proibidas; ou c) A sobrecarregar com trabalhos excessivos; é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. 2 — Se dos factos previstos nos números anteriores resultar: a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos; b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos. 5 - Estratégia do Conselho da Europa para os Direitos da Criança – 2012-2015 Em 15 de Fevereiro de 2012 o Conselho da Europa adoptou uma nova estratégia para proteger e promover os direitos das crianças (Council of Europe Strategy of the Rights of Child 2012-2015 - Building a Europe for and with children – A Council of Europe programme for the promotion of children’s rights and the protection of children from violence). Esta estratégia é a resposta às necessidades expressas pelos governos, profissionais que trabalham com crianças, sociedade civil e pelas próprias crianças, que solicitam mais esforços para que sejam implementados os referenciais existentes. Para tal, o Conselho da Europa proporcionará orientação e apoio aos seus 47 estados-membro para que melhor colmatem as lacunas entre os direitos e a realidade das crianças na Europa. A estratégia focar-se-à nos seguintes quatro objectivos principais: Promoção de sistemas e serviços amigos das crianças (nas áreas da justiça, saúde e serviços sociais); Eliminação de todas as formas de violência contra as crianças (incluindo violência sexual, tráfico, castigos corporais e violência nas escolas); Garantia dos direitos das crianças em situações de vulnerabilidade, tais como, com deficiência, em detenção, em cuidados alternativos, migrantes e crianças ciganas; Promoção da participação da criança. Para que estes objectivos sejam atingidos, o Conselho da Europa continuará a actuar como organização de liderança no campo dos direitos das crianças. Neste sentido está em curso a campanha contra os castigos corporais sobre as crianças “Levante a sua mão contra a palmada!”. O castigo corporal é a mais alargada forma de violência contra as crianças e é uma violação dos seus direitos humanos. Ineficaz como meio de disciplina, transporta uma errada mensagem e causa sérios danos físicos e mentais. O Conselho da Europa enfrenta o castigo corporal numa campanha pela sua total abolição e pela promoção positiva da parentalidade não violenta nos seus 47 estados-membro. Como parte desta campanha foram produzidos materiais que se encontram disponíveis no seu website. Vinte e dois estados-membro já aboliram os castigos corporais e mais seis comprometeram-se a fazê-lo. Muitas personalidades conhecidas, incluindo chefes de estado e artistas, disponibilizaram-se para apoiar a campanha. A Suécia foi o 1º país a interditar os castigos corporais sobre as crianças em 1979. Portugal fê-lo em 2007. 6 – A Amnistia Internacional e os castigos corporais nas crianças Como organização não governamental empenhada na promoção, respeito, aprofundamento e divulgação dos direitos humanos universalmente consagrados, a Amnistia Internacional participa nas ações tendentes a interdição dos castigos corporais nas crianças. A violência sobre as crianças é uma chaga que tem de deixar de estar presente na vida das crianças, a par do acesso sem restrições aos serviços públicos essenciais (água, electricidade, saneamento, comunicações, etc...), à não discriminação económico/social, à parentalidade afetiva, à saúde, à educação, ao direito ao lazer e às actividades lúdicas. O Cogrupo sobre os Direitos das Crianças da Amnistia Internacional Portugal está a participar nas ações e campanhas levadas a efeito pelas mais variadas instituições com o objectivo de, o mais rapidamente possível, as crianças serem seres humanos a quem os seus direitos são respeitados. 7 – Instituições envolvidas na interdição da violência sobre as crianças - Amnistia Internacional Portugal - www.cogrupodireitosdascriancas.blogspot.pt/ - Comité dos Direitos da Criança – ONU – www2.ohchr.org/english/bodies/crc/ - Conselho da Europa - www.coe.int/t/dg3/children/corporalpunishment/ - CRIN – Child Right´s International Network - www.crin.org - Eurochild - www.eurochild.org - Forum sobre os Direitos das Crianças e dos Jovens - http://forumsobredireitoscrianca.blogspot.pt/ - Global Initiative to End all Corporal Punishment of Children - http://www.endcorporalpunishment.org - Save the children - www.savethechildren.org - Unicef - www.unicef.org Grande é a alegria, a bondade e as danças Mas o melhor do mundo são as crianças Fernando Pessoa