sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Passagem do ano - Diz-me em quanto tempo se faz a revolução

Nos meus setenta anos de idade são já inúmeras as vezes que faço a festa da passagem do ano na baixa do Porto. Ontem, final de 2015, mais uma vez cumpri a tradição. Jantar aviado em família (as tradicionais batatas com bacalhau e pencas), bilhete de metro comprado com antecedência para evitar as bichas de última hora, e toca a rumar à Avenida dos Aliados para o ponto de encontro previamente combinado com a família e alguns amigos na esquina do edifício do BANIF (ironia do destino: este banco deixou de o ser há dias. Como se designará, no futuro, este ponto de encontro?). À chegada, por volta das onze horas da noite, toda a baixa é um mar de gente, sendo já uma façanha atravessar a avenida dum lado para o outro. Dizem os noticiários de hoje que lá estiveram mais de 100.00 pessoas e eu era uma delas. Pessoas de todas as idades e género, com um largo predomínio de jovens, irmanadas num genuíno espírito de paz e fraternidade, tornando grotesca e insultuosa a presença de muitos polícias fardados e fortemente armados. Quem tomou a decisão de colocar nas ruas estes polícias não tem a noção do ridículo e a noção de onde estão os mais perigosos terroristas, pois estes encontram-se nos gabinetes governamentais e nas sedes das instituições financeiras, onde uma simples assinatura numa lei ou num contrato pode arruinar e matar milhares de inocentes cidadãos, sem que por tal ato tenham de prestar contas. Tenho muito mais medo destes terroristas do que dos denominados do Estado Islâmico. Hoje, dia 1 de Janeiro, vi na televisão alguns desses senhores e senhoras a banquetearem-se nos casinos e hotéis de luxo expondo a sua verdadeira faceta de perigosos salteadores. Outro mau exemplo das autoridades foi dado pela administração do Metro do Porto ao sujeitar os passageiros a um controle apertado, na saída das estações, para verificação da validade dos títulos de transporte. Teriam tido uma postura de grande elevação se concedessem transporte gratuito para esta noite mas, para isso, era preciso que fossem seres humanos e não meros gestores das finanças. Que grande lição de paz e tranquilidade deu o povo que se juntou nesta noite na baixa do Porto, ignorando estes maus exemplos e não se atemorizando com tais atos, nem com a ameaça de chuva apesar dos pingos que iam caindo. E mesmo algumas coisas menos boas não ofuscaram a beleza desta noite. O lixo excessivo que se acumula nas ruas, o estado de embriaguez de algumas pessoas que se excederam nas bebidas, alguma desorganização e menor beleza do fogo de artifício, são situações não louváveis mas compreensíveis dada a dimensão do evento. Resta uma constatação. É a passividade e resignação deste povo que permite que os governantes deste mundo o continuem a roubar e a explorar. O Pedro Abrunhosa, na sua atuação de mais de quatro horas, cantou-nos alguns dos seus bonitos poemas e num dos que mais liga à actual situação diz-nos: ................................................................................................... “Diz-me em quanto tempo Se faz a revolução, Quantas cabeças de fora, Quantos corpos no porão, Quanta coca é vendida Pelos altos da nação, Quantos crimes redimidos Pesam na religião? Quantos novos-pobres faltam Para fazeres a coleção, Quantas esmolas escondem A ausência do perdão, Que diferenças são desculpa Para a noite na prisão? Por isso diz-me em quanto tempo Se faz a revolução. Quantas pastilhas Para te soltares do chão? Qual o preço do silêncio, Quanto custa a redenção? Não peço mais nada Só quero a solução, Por isso diz-me em quanto tempo Se faz a revolução” ....................................................................................................... Cheguei a casa por volta das quatro da manhã. Como não tinha sono pus-me a ler a revista do jornal Expresso ontem publicado. E não é que abre com um artigo da Clara Ferreira Alves que, sob o título, “Camarilha”, se atira aos que nos roubam e maltratam na gestão dos bancos? Volto ao Pedro Abrunhosa noutra das suas músicas: ...................................................................................................... Gosto de ti como quem mata o degredo, Gosto de ti como quem finta o futuro, Gosto de ti como quem diz não ter medo, Como quem mente em segredo, Como quem baila na estrada, Vestido feito de nada, As mãos fartas do corpo, Um beijo louco no porto E uma cidade p’ra ti. Enquanto não há amanhã, Ilumina-me, Ilumina-me. Enquanto não há amanhã, Ilumina-me, Ilumina-me. ................................................................................................................ Óh Pedro Abrunhosa: “…Diz-me em quanto tempo se faz a revolução” ........ 1 de Janeiro de 2016