segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

A paz duma tarde de inverno ou a calmaria hegeliana de espírito

No terceiro sábado de Fevereiro do ano da graça de dois mil e treze, pelas 15 horas, vive-se a paz duma tarde de final de inverno, sentado ao abrigo duma varanda olhando para o jardim sul da Quinta das Rosas, com o sol já quentinho acompanhado duma brisa fria de norte. E esta paz adormece as preocupações da vida, coloca-nos de bem com a natureza, reconforta a alma e predispõe-nos para o "dolce fare niente". Bom para reflexões filosóficas. Que sentido tem o futuro dos seres vivos? Como se pode construir a felicidade no equilíbrio das várias relações afetivas? E como resolver as complicadas perturbações profissionais? Ou como tornar o dinheiro suficiente para garantir padrões mínimos dignos de vida? O jornal Público de hoje insere na sua última página a reflexão de Jean Jacques Rousseau "A espécie de felicidade que me falta não é tanto fazer o que quero mas não fazer o que não quero". É agradável a paz duma tarde fria e soalheira sem qualquer preocupação no horizonte próximo, usufruindo duma "calmaria hegeliana de espírito" como Pacheco Pereira refere na sua crónica de hoje no Público.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Desemprego e Criminalidade

Duas chagas têm vindo a dar, cada vez mais, sinal da sua presença na sociedade. E são chagas dolorosas, incómodas, desumanas e de difícil cura. E ninguém está seguro que alguma delas não lhe entre portas adentro. Há vacinas para a sua prevenção e a sua existência é fruto de erradas políticas que governam a comunidade. De acordo com uma notícia divulgada pelo jornal Financial Times há uma relação estreita entre estas chagas do desemprego e da criminalidade: por cada aumento de 1% no desemprego constata-se um aumento de 6% de homicídios ou crimes muito graves e por cada 1% de diminuição do PIB há um acréscimo igual de 1% em problemas sociais de dimensão significativa. Isto diz bem da sua importância e do seu frequente aparecimento nos boletins noticiosos dos órgãos de comunicação social. De acordo com as últimas informações das entidades que tratam com estatísticas (Eurostat; INE; IEFP) constatamos que dos mais de 900.000 desempregados portugueses cerca de 479.000 não recebem qualquer tipo de subsídio de desemprego (todos sabemos que além destes números oficiais há muitos mais desempregados e excluídos sociais que já não estão nas estatísticas). Alguns recebem o Rendimento Social de Inserção cujo valor médio por pessoa é de 89 euros mensais, sendo o valor médio mensal por família de 181 euros. E em finais de 2012 havia cerca de 2,3 milhões de portugueses a beneficiar de medidas sociais. Por outro lado, a Direção Geral da Reinserção e Serviços Prisionais, na sua divulgação periódica de reclusos nas prisões portuguesas, mostra-nos que nos últimos três anos a população prisional passou de 10.807 reclusos para 13.655, nos 49 estabelecimentos prisionais de Portugal. Ocorre perguntar: De que vive uma pessoa que não tem trabalho nem recebe qualquer subsídio? Onde arranjam estas pessoas meios para a sua subsistência e para pagar os encargos de habitação, água, electricidade, etc…? Como as instituições de solidariedade social têm vindo a proclamar, estas não dispõem de condições para auxiliar todas as pessoas que as procuram. Resta então a mendicidade e a criminalidade: E é a isso que estamos a assistir. Temos vindo a registar uma mendicidade crescente nas ruas e às portas das nossas casas que, pese a generalidade da bondade dos portugueses, deve sentir, com frequência a constatação que a poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen nos deixou cheia de poesia e amargura: “Ai dos pobres! Há sempre uma boa razão para lhes dizer não.” Na minha acção de voluntariado nas prisões confronto muitas vezes os reclusos com a violência e a desumanidade dos roubos e assaltos a pessoas. Seguem-se, normalmente, confissões angustiantes e justificações dolorosas de ouvir. Como reage um ser humano que nada tem mas a quem a sociedade exige o pagamento da renda ou da prestação da casa, da água, da electricidade, do passe para a escola dos filhos, etc…? Para já não falar de como será uma relação familiar numa casa cheia de carências. Ainda na passada época de Natal, altura em que os canais de TV dedicam mais tempo aos dramas humanos, assistimos a testemunhos de sofrimento inaceitáveis numa sociedade que se diz civilizada. A via para a criminalidade abre-se como quase o único caminho para quem já se fecharam todas as portas de acesso a uma conduta digna. Urge alterar a forma tecnocrática e fria como se olha para as consequências do modelo de sociedade que vê as pessoas como objectos ao serviço de estratégias económico-financeiras que não têm em conta a dignidade de todos os seres humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos tem de continuar a ser um farol e um guia para todas as pessoas. Urge arrepiar caminho!