Observatório Permanente da Justiça
Ciclo de Encontros
“Sociedade, Justiça e Prisões em Democracia”” 08.11.2023
(Para ver os quadros completos clicar sobre o quadro)
.
1- A Obra Vicentina de Auxílio os Reclusos - O.V.A.R., é uma obra especial ligada ao Conselho
Central do Porto da Sociedade S. Vicente de Paulo, vocacionada para as visitas
e coordenação do apoio aos reclusos e suas famílias, com atividade no interior
das prisões
.
A ação da O.V.A.R. é justificada pelo
facto de ser reconhecida aos reclusos a necessidade de contacto com pessoas que
os apoiem na sua vida pessoal e familiar e que lhes deem coragem e esperança
para a integração na sociedade, libertando-os do estigma da prisão. .
A Assembleia da República distinguiu a O.V.A.R. com o prémio "Direitos
Humanos” em 2018, pelo trabalho humanitário nos seus mais de 50 anos de
voluntariado prisional.
2- A exposição e comentários que irei apresentar ligam-se
aos poderes legislativo, executivo e judicial.
Tenho conhecimento do Plano Plurianual de
Investimentos na Área da Justiça 2023-2027 e assisti à discussão, anteontem
havida, do OGE 2024 na Assembleia da República, com intervenções da Ministra da
Justiça e dos Secretários de Estado.
Cada prisão é uma realidade própria e distinta. Em
cada prisão encontramos singularidades diversas.
3 – População
prisional em Portugal
• Em 31/12/1972 havia
3.405 reclusos em Portugal
• Em 31/12/1974 “
2.132 “ “
“
• Em 31/12/1984 “
7.993 “ “ “
• Em 31/12/1994 “
10.035 “ “ “
• Em 31/12/2004 “
13.152 “ “ “
• Em 31/12/2014 “
14.003 “ “
“
• Em 01/11/2023 “
12.301 “ “ “
(Covid19, JMJ23 e Lei de saúde mental, reduziram,
recentemente, a população prisional em cerca de 2.500 reclusos)
• Acresce cerca de 30.000
em cumprimento de penas e medidas na comunidade
. Lotação máxima das 49 prisões – 12.663
reclusos
3 - Penas e medidas na comunidade
por tipo de medida em Agosto 2022 –Total de pessoas - 29.668
4 - Penas e medidas na comunidade
por tipo de crimes em 2021 –Total de pessoas – 30821
5 - DGRSP – Recursos humanos
planeados para 2023
6 – Orçamento Geral do
Estado para o Sistema Prisional
7 – Exemplo do Volume II do
relatório de atividades da DGRSP, que deixou de ser publicado a partir de 2011,
o que impede de conhecer a realidade, em pormenor, existente em cada
estabelecimento prisional( excerto)
8 – Situação prisional
no mundo
- Em finais de 2021 havia mais de 10,7
milhões de pessoas presas em todo o mundo.
- Nos últimos 20
anos a população prisional no mundo cresceu cerca de 25%.
- Se diminuirmos
o nº de reclusos deixará de ser tão premente o reforço de recursos humanos.
9 - Índice de reclusos nalguns países do mundo por 100.000
habitantes em 2021
•
Estados Unidos da América ………….…….…………………. 630
•
Brasil …………………………………………………………….. 380
•
Rússia ………………………………………….……….………... 360
•
Africa do Sul……………………………………………………. 250
•
Portugal ………………………………………………………… 120
•
China ………………………………………..………………..,,,. 120
•
Japão ….……………………………………..………………….. 40
•
India ……………………………………………….…………. .. 30
•
Média da Europa Ocidental …………………………………... 70
10
–Relatório da
Provedoria de Justiça 2022 - Mecanismo Nacional de Prevenção
O MNP tem apontado anualmente (pág. 33 de 133 páginas):
(i) - a desatualização de
grande parte do edificado, a sua diversidade e assimetria,
(ii) - as frequentes
situações de sobrelotação e ocupação
excessiva dos alojamentos,
(iii) - as carências de
recursos humanos e de meios materiais, que prejudicam, em várias dimensões, as
condições da vida em reclusão.
Em face do exposto, o MNP reitera a necessidade de se adotarem
medidas para fazer cessar:
• o reiterado incumprimento pelo Estado Português das condições mínimas
para um alojamento digno de pessoas reclusas, que se manifesta:
• (i) na sobrelotação de
mais de metade dos EP,
• (ii) no caracter coletivo
da maioria dos alojamentos e
• (iii) nas reduzidas áreas
de alojamento por recluso, inferiores as orientações internacionais do CPT e do
TEDH.
•
A este respeito, o
MNP relembra e acompanha o apelo do SPT
(Subcomité para a Prevenção da tortura da ONU) ao Governo Português, no
sentido de ser ampliado o uso de medidas alternativas à detenção.
•
A par da falta de
oportunidades laborais, o MNP constatou, com apreensão, que a remuneração
auferida pelos reclusos se mantem significativamente inferior ao standard praticado
no exterior, existindo também uma grande disparidade entre o vencimento dos
reclusos, consoante o trabalho seja prestado para o próprio EP ou para uma
entidade externa.
•
O MNP ouviu várias queixas quanto a ausência
de um rendimento digno, facto que impossibilita aos reclusos o aforro de
quantias para a própria subsistência no regresso a liberdade. Exemplo disto e o
EP de Tires, onde o MNP recebeu relatos de reclusas que auferem aproximadamente
70 euros mensais, apesar de prestarem seis horas diárias de trabalho para uma
empresa externa.
11 –
Condições nas Prisões
- Estimo que em
Portugal cerca de 60% dos crimes praticados pelos homens e 80% dos praticados pelas mulheres estão
ligados à droga, cujo tráfico continua dentro das prisões.
- Grande parte dos
reclusos são toxicodependentes e consome drogas na prisão.
A Taxa de suicídios
nas prisões é das mais elevadas da Europa . Em apenas três dias dois reclusos perderam a vida por
suicídio no Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, no concelho de
Azambuja. O primeiro foi Paulo Anjos, de 34 anos, que pôs termo à própria vida
a 7 de Outubro e o segundo caso, ocorrido a 10 de Outubro, envolveu um homem
estrangeiro, de 42 anos. Num outro estabelecimento prisional, na Izeda, um
outro recluso suicidou-se no primeiro fim-de-semana de Outubro. O cenário negro
levou a Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR) a alertar para as
“péssimas condições de vida dentro das cadeias” que “levam a que o número de
suicídios seja dos mais elevados na Europa, para vergonha de todos”.
- Há uma grande opacidade sobre a vida no
interior das prisões (ex: relatórios anuais de cada EP tal como foi feito até
2010). O Estabelecimento Prisional de Monsanto, por ex:, tem sido objeto de
queixas frequentes.
12 – O Trabalho nas
Prisões
O trabalho nas
prisões é pago, na generalidade, a menos
de €1,00/ hora
A maioria dos
reclusos não têm trabalho regular e a maioria dos que trabalham só o fazem
poucas horas por dia.
Não se conhecem os
protocolos com as entidades que utilizam trabalho dos reclusos.
13
– Aspetos da Situação em Portugal
- O tempo médio de cumprimento
de pena dos reclusos portugueses é mais do que o triplo da média da União
Europeia.
- As penas sucessivas podem
levar a que reclusos cumpram mais de 25 anos consecutivos de prisão.
- Recentemente a Lei da Saúde
Mental acabou com a prorrogação sucessiva das medidas de segurança que poderia
levar à prisão perpétua.
14– Direitos Humanos nas Prisões
- O Estado de Direito
fica à porta das prisões.
- Não há o direito à própria
defesa previsto no PIDCP.
- As condições de vida são
infra-humanas, apesar da melhoria recente na alimentação
- O quotidiano é de
grande agressividade. Há alegações de tráfico de drogas, chantagem sobre as famílias,
violência frequente, agressões sexuais e um clima de sofrimento para todos
(reclusos, guardas prisionais e funcionários).
- Não há a divulgação
dos relatórios individuais de cada E.P. tal como era feito até 2010.
- As Regras de Bangkok
continuam ausentes do ordenamento jurídico português
- As prisões são
instituições medonhas, arcaicas, medievais, ineficazes, violentas, desumanas e dispendiosas.
- Há um deficiente
apoio para a reinserção social.
- Os cuidados de
saúde têm fortes restrições (ex:próteses).
- Há alegações de
carência de bens básicos (papel higiénico, dentífricos, etc).
- A atuação do TEP
arbitrária e inconsistente.
- Há sobrelotação em
muitas prisões.
- Existem graves
lacunas nas ações de educação e formação.
- Há dificuldade no
prosseguimento de estudos. Acesso a meios informáticos está impedido.
- Há debilidade no
apoio psicológico.
15
– Situação das crianças e Jovens em Portugal
- Temos mais de
70.000 crianças por ano em acompanhamento
nas CPCJs.
- Há cerca de 900 crianças e jovens nos Centros Tutelares Educativos e
estabelecimentos prisionais.
- Há cerca de 10.000 crianças e jovens em acolhimento.
- Temos milhares de processos disciplinares nas escolas.
- Uma em cada três crianças vive numa família com rendimentos abaixo
do limiar da pobreza e necessita de
apoio da Ação Social Escolar.
16
– Opacidade e mistificação nas prisões portuguesas
A
O.V.A.R. tem vindo a denunciar a não divulgação de relatórios do Conselho da
Europa e da sua divulgação automática, dos estabelecimentos prisionais, dos
protocolos com empresas que utilizam mão de obra prisional e sobre o direito à
própria defesa, entre outras situações, sem que se assista à correção dos
procedimentos indevidos.
17–
A Assembleia da República e os estabelecimentos prisionais
- Na anterior
legislatura foi constituída uma Sub-Comissão para a Reinserção Social e os Assuntos Prisionais dentro da CACDLG DA A.R..
Foram efetuadas audições de múltiplas entidades. Com a dissolução da AR o
trabalho havido não teve consequências.
- Em 28.11.2022 foi
aprovado, por unanimidade, na nova Sub-Comissão, a audição, novamente, de
algumas dessas entidades, entre as quais a O.V.A.R.. Como os deputados mudaram
na quase totalidade na Sub-Comissão, voltamos à estaca zero.
Desconhecem-se os resultados dessas audições.
- Algumas forças
políticas não apresentam iniciativas de benefício do sistema prisional pois
temem consequências eleitorais desfavoráveis.
18 – Declarações de personalidades ligadas ao sistema
prisional
- O sistema penitenciário clássico falhou os seus
propósitos - Dr. Alberto Costa Ex-Ministro da Justiça.
- Se o
inferno existe ele está nas prisões – Dr. Alberto Martins - ex-Ministro da Justiça.
- As prisões são um absurdo. Um absurdo, por enquanto necessário,
mas um absurdo. E só numa lógica de absurdo, já ela uma aparente contradição, é
possível entendê-las e aceitá-las. - Dr. Álvaro Laborinho Lúcio – Ex-Ministro da Justiça
e Juiz Conselheiro.
- A experiência dos últimos 200 anos tem sido um
fracasso. (…) A prisão não reinsere; por
vezes fomenta a própria criminalidade. Dr.
Germano Marques da Silva - Professor de Direito Penal.
- A cadeia é um lugar injusto.
(….) Parte de um tipo de Estado que, com ela, busca fins de repressão e
submissão (…) A cadeia tal como a conhecemos não foi inventada para curar ou
reabilitar (…). Pe. António Correia -
Capelão Prisional do EPPF.
- “O condenado que entra
numa penitenciária é como uma mercadoria que se arrecada num armazém e, pouco a
pouco, vai entrando no abismo dos malditos, dos ex-homens, com os seus
conflitos e farrapos de tragédia (…)
Emídio Santana - Político, Ensaísta e ex-Recluso
- A Associação Sindical de Chefias do Corpo da Guarda
Prisional (ASCCGP) alerta que se “avizinha o descalabro” nas cadeias e que não
serão os “números de ilusionismo do Ministério da Justiça” a resolver os “indícios alarmantes, indesejáveis e perigosos” que
já perturbam o sistema prisional. Num comunicado emitido nesta
quarta-feira, 25/10/2023, os chefes da Guarda Prisional referem que estão cada
vez mais céticos e já não acreditam em “melhorias” que evitem o “caminhar para
um colapso sistémico” do sistema prisional.
19 – Necessidade de um novo
paradigma
- O Pilar Social como
eixo da sociedade.
- Subordinação da
economia ao equilíbrio social.
- Afirmação dos
valores de ética e cidadania.
- Prevenção de
conflitos em vez de repressão.
- Cultura dos valores
de liberdade, igualdade, fraternidade, paz, e tolerância, em substituição do
ódio, vingança, egoísmo, violência e insensibilidade.
-
A
vivência dentro das prisões ´é geradora de sentimentos de frustração, desânimo
e revolta, tendo em conta estarmos em presença de situações cruéis, desumanas e
degradantes, sem que se vislumbre sentido útil na finalidade da sua existência,
quer para os reclusos, quer para quem lá trabalha. As prisões são fonte de
conflitos sociais e familiares, envolvendo reclusos e funcionários prisionais.
- As prisões não ressocializam nem promovem a paz
social. Somente alimentam o desejo de vingança das vítimas e dalguma opinião
pública, não tendo efeito relevante no ressarcimento dos danos dos crimes. Além
de que promovem o sensacionalismo primitivista que alimenta certos órgãos de
comunicação social.
A convicção de que essa
desumanidade, provocadora de penas e tratamentos cruéis, desumanos e
degradantes, proibidas por tratados e convenções internacionais, não pode
continuar a existir nem é passível de correção, aliada à ineficácia e fracasso
do modelo penitenciário existente no mundo ocidental há pouco mais de 200 anos,
não tem outro caminho que não seja a sua abolição..
As prisões são
instituições cruéis, assustadoras, anacrónicas, medievais, medonhas, arcaicas,
degradantes, ineficazes, violentas, desumanas e dispendiosas.
Tal constatação é
reforçada pelo contributo retirado das bases filosóficas das maiores religiões
professadas no mundo, que assentam nos pilares do perdão e da misericórdia e
não na vingança, tendo em conta a imperfeição do ser humano e a sua condição de
potencial pecador....
A alternativa passa pela
assunção da prevenção da prática de atos anti-sociais como a via exclusiva e
prioritária a implementar, complementada com o novo modelo de justiça
preventiva/restaurativa que tem vindo a ser instaurado em vários países,
deixando de se aplicar penas de privação da liberdade, abolindo-se as prisões.
20 - Por um Mundo Sem Cárceres - Pastoral Carcerária do
Brasil
Um mundo sem cárceres
não é utopia. Utopia é acreditar que encarcerar resolve os conflitos sociais. A
Prisão é uma máquina de destruir pessoas, mata a dignidade, afeta sonhos e
fomenta ódio, rancor e desejo de vingança.
• Agosto 2021
21 – Exemplo de opacidade nas prisões – Programa “Fechado” da RTP 2 - 2023
22 – AVANÇOS
CIVILIZACIONAIS
Nos séculos XIX e XX assistiu-se à aprovação de tratados e
convenções abolindo a escravatura e a pena de morte. Não foi um caminho fácil.
O século XXI tem de ser o da
abolição das prisões.
Manuel Hipólito Almeida dos
Santos
Presidente da O.V.A.R. –
Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos