terça-feira, 25 de abril de 2017

O 25 DE ABRIL, A LIBERDADE E A FAMÍLIA

  
Comemoramos, hoje, uma data relevante da história de Portugal e da Maçonaria Portuguesa, celebrando a queda de um regime fundado sobre a censura, com polícia política, restrição das liberdades, prisões e tortura, guerra colonial, etc…, com implicações profundas na vida em sociedade e familiar, assente numa filosofia ditatorial imperfeita, já que, como nos disse o filósofo e romancista Aldous Huxley “A ditadura perfeita terá a aparência da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão.”. Passados 43 anos dessa data histórica será que existe solidariedade entre a ditadura imperfeita para a ditadura perfeita de Aldous Huxley?

Rizzardo da Camino, no sua edição do “Breviário Maçónico”, define a solidariedade como a correspondência daqueles que estão unidos por um ideal, sendo uma acção recíproca, e que o maçon cultiva a solidariedade, não apenas no aspecto da sociabilidade, mas na forma de misticismo, na permuta dos pensamentos, na cadeia de união, nos bons e nos maus momentos. Estará ferida a solidariedade demonstrada no 25 de Abril?

O escritor francês Pierre Bordieu disse a propósito do que titula “ O terrível descanso que é o da morte social”: “... Excluídos do jogo, cansados de escrever ao Pai Natal, de ficar à espera de Godot, de viver no não-tempo em que nada acontece, em que nada há a esperar, os homens desapossados da ilusão vital de terem uma função ou uma missão, de deverem ser ou fazer qualquer coisa, podem a certa altura, para se sentirem existir, para matarem o não-tempo... procurar... um meio desesperado de se tornarem “interessantes”, de existirem perante os outros, de acederem, em suma, a uma forma reconhecida de existência social.
... Talvez haja, ..., uma filosofia da miséria, mais próxima da desolação dos idosos reduzidos à condição de apalhaçados vagabundos de Beckett do que do optimismo voluntarista tradicionalmente associado ao pensamento progressista. Um dos méritos do registo positivista é deixar-nos ouvir, melhor do que os clamores indignados ou as análises arrazoadas e racionalistas, o imenso silêncio dos desempregados e o desespero que exprime.”

O que há de possível associação entre a solidariedade que Rizzardo da Camino pugna para os maçons e o terrível descanso da morte social de Pierre Bordieu?
É que a solidariedade de Rizzardo evita qualquer tipo de morte social.
Digo-o pelo sentir testemunhado ao longo do tempo que tenho estado entre vós, e digo-o por experiência própria que, com grande afeição e generosidade, me tendes dado a usufruir.
A riqueza dos sentimentos não se mede pela dimensão do valor material. O sentimento que nutrimos pelos nossos familiares, que muito nos alegra, é disso prova. Há já alguns anos, escrevi em dois pequenos painéis cerâmicos que “Não há maior prazer que o prazer de dar” e “ Por pouco que se tenha deve chegar sempre para ajudar os outros”. Nessa altura, participei numa homenagem a um ilustre cidadão, que muito deu à sua terra, em que o lema era: “ A gratidão é um dom das pessoas boas e justas” e esta expressão passou a constar de mais um painel de azulejos.   
Mesmo que nem sempre consigamos ser pessoas boas e justas, tenho a certeza de que sentimos sempre um grande prazer quando damos e que sentimos uma profunda gratidão quando somos tocados pelo altruísmo e solidariedade dos nossos semelhantes.
Quando as minhas filhas e os meus netos eram crianças ouvia, com eles, uma história da literatura infantil chamada “A Festa da Malta”, constante dum disco antigo, ainda em vinil, já gasto pelas muitos anos a tocar. Uma das canções desta história assenta no seguinte poema.

Na música, uma nota de sol sozinha faz dó,
                            Pois não faz uma cantiga,
                            Assim como um só grão
Não faz uma espiga

Olha à volta e saberás
Que o lugar onde tu estás
Só é teu se o partilhares.
Abre as portas e as janelas
Anda ver que as coisas belas
Não são belas se as guardares

Se o teu braço não é forte
Pede a ajuda do outro braço,
                               Pois só se é forte acompanhado.
                              
Já que não há força que sustente
                            A força de muita gente
                            A puxar para o mesmo lado

E, já que chamo as crianças para esta intervenção, exorto a que as coloquemos sempre em primeiro lugar, como o que de mais belo existe, tendo presente a proclamação de Fernando Pessoa na seu poema Liberdade “Grande é a poesia, a bondade e as danças, mas o melhor do mundo são as crianças”. E para todos os pais, os seus filhos, ainda que já adultos, são sempre o que há de mais querido no mundo, de elo solidário inquebrável.
Há já alguns anos participei numa acção de solidariedade internacional para com grupos sociais carenciados do Uruguai. O cartaz que foi afixado nos locais em que as acções decorreram teve por lema: “ A melhor forma de agradecer a solidariedade é retribuí-la.” Nunca mais esqueci este lema. Podem acreditar que nunca o esquecerei.

Que a solidariedade que hoje nos une e iguala na proclamação da liberdade e do amor familiar, simbolizada na data bonita do 25 de Abril, reforce os laços familiares e de fraternidade que temos vindo a construir. Olhemos para o mundo à nossa volta e tentemos praticar essa fraternidade em todos os lugares da sociedade: na família, nas manifestações do 25 de Abril, nos bairros sociais, com os mendigos que nos abordam, com os desempregados, com os inactivos e nos precários, com os jovens sem caminho para o futuro, com os sem abrigo, no inferno das prisões, com os pobres e escravos que nos servem em muitos lugares. Lembremo-nos que o pior cego é aquele que não quer ver. Sophia de Mello Breyner Andresen, alertando para os males do seu tempo, legou-nos o belo poema “Cantata da Paz”, que foi musicado e tem um refrão com profunda filosofia maçónica: “Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”.

Na cerimónia de iniciação é-nos dada a luz para que possamos ver, ouvir e ler. Com estas faculdades vivas exaltemos os laços de apego familiar, de liberdade, de igualdade e de fraternidade que hoje vivenciamos.


Viva o 25 de Abril!