Comemoramos, hoje, uma data
relevante da história de Portugal e da Maçonaria Portuguesa, celebrando a queda
de um regime fundado sobre a censura, com polícia política, restrição das
liberdades, prisões e tortura, guerra colonial, etc…, com implicações profundas
na vida em sociedade e familiar, assente numa filosofia ditatorial imperfeita,
já que, como nos disse o filósofo e romancista Aldous Huxley “A ditadura perfeita terá a aparência da
democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer
com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao
divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão.”. Passados 43 anos
dessa data histórica será que existe solidariedade entre a ditadura imperfeita
para a ditadura perfeita de Aldous Huxley?
Rizzardo da Camino, no sua edição do “Breviário Maçónico”, define
a solidariedade como a correspondência daqueles que estão unidos por um ideal,
sendo uma acção recíproca, e que o maçon cultiva a solidariedade, não apenas no
aspecto da sociabilidade, mas na forma de misticismo, na permuta dos
pensamentos, na cadeia de união, nos bons e nos maus momentos. Estará ferida a
solidariedade demonstrada no 25 de Abril?
O escritor francês Pierre Bordieu
disse a propósito do que titula “ O terrível descanso que é o da morte social”:
“... Excluídos do jogo, cansados de escrever ao Pai Natal, de ficar à espera de
Godot, de viver no não-tempo em que nada acontece, em que nada há a esperar, os
homens desapossados da ilusão vital de terem uma função ou uma missão, de
deverem ser ou fazer qualquer coisa, podem a certa altura, para se sentirem
existir, para matarem o não-tempo... procurar... um meio desesperado de se
tornarem “interessantes”, de existirem perante os outros, de acederem, em suma,
a uma forma reconhecida de existência social.
... Talvez haja, ..., uma
filosofia da miséria, mais próxima da desolação dos idosos reduzidos à condição
de apalhaçados vagabundos de Beckett do que do optimismo voluntarista
tradicionalmente associado ao pensamento progressista. Um dos méritos do
registo positivista é deixar-nos ouvir, melhor do que os clamores indignados ou
as análises arrazoadas e racionalistas, o imenso silêncio dos desempregados e o
desespero que exprime.”
O que há de possível associação
entre a solidariedade que Rizzardo da Camino pugna para os maçons e o terrível
descanso da morte social de Pierre Bordieu?
É que a solidariedade de Rizzardo
evita qualquer tipo de morte social.
Digo-o pelo sentir testemunhado ao
longo do tempo que tenho estado entre vós, e digo-o por experiência própria
que, com grande afeição e generosidade, me tendes dado a usufruir.
A riqueza dos sentimentos não se
mede pela dimensão do valor material. O sentimento que nutrimos pelos nossos
familiares, que muito nos alegra, é disso prova. Há já alguns anos, escrevi em
dois pequenos painéis cerâmicos que “Não há maior prazer que o prazer de dar” e
“ Por pouco que se tenha deve chegar sempre para ajudar os outros”. Nessa
altura, participei numa homenagem a um ilustre cidadão, que muito deu à sua
terra, em que o lema era: “ A gratidão é um dom das pessoas boas e justas” e
esta expressão passou a constar de mais um painel de azulejos.
Mesmo que nem sempre consigamos
ser pessoas boas e justas, tenho a certeza de que sentimos sempre um grande
prazer quando damos e que sentimos uma profunda gratidão quando somos tocados
pelo altruísmo e solidariedade dos nossos semelhantes.
Quando as minhas filhas e os meus netos
eram crianças ouvia, com eles, uma história da literatura infantil chamada “A
Festa da Malta”, constante dum disco antigo, ainda em vinil, já gasto pelas
muitos anos a tocar. Uma das canções desta história assenta no seguinte poema.
Na música, uma nota de sol sozinha faz dó,
Pois
não faz uma cantiga,
Assim
como um só grão
Não faz uma espiga
Olha à volta e saberás
Que
o lugar onde tu estás
Só
é teu se o partilhares.
Abre
as portas e as janelas
Anda
ver que as coisas belas
Não
são belas se as guardares
Se
o teu braço não é forte
Pede
a ajuda do outro braço,
Pois
só se é forte acompanhado.
Já que não há força que sustente
A
força de muita gente
A
puxar para o mesmo lado
E, já que chamo as crianças para
esta intervenção, exorto a que as coloquemos sempre em primeiro lugar, como o
que de mais belo existe, tendo presente a proclamação de Fernando Pessoa na seu
poema Liberdade “Grande é a poesia, a bondade e as danças, mas o melhor do
mundo são as crianças”. E para todos os pais, os seus filhos, ainda que já
adultos, são sempre o que há de mais querido no mundo, de elo solidário
inquebrável.
Há já alguns anos participei numa
acção de solidariedade internacional para com grupos sociais carenciados do
Uruguai. O cartaz que foi afixado nos locais em que as acções decorreram teve
por lema: “ A melhor forma de agradecer a solidariedade é retribuí-la.” Nunca
mais esqueci este lema. Podem acreditar que nunca o esquecerei.
Que
a solidariedade que hoje nos une e iguala na proclamação da liberdade e do amor
familiar, simbolizada na data bonita do 25 de Abril, reforce os laços
familiares e de fraternidade que temos vindo a construir. Olhemos para o mundo
à nossa volta e tentemos praticar essa fraternidade em todos os lugares da
sociedade: na família, nas manifestações do 25 de Abril, nos bairros sociais,
com os mendigos que nos abordam, com os desempregados, com os inactivos e nos
precários, com os jovens sem caminho para o futuro, com os sem abrigo, no
inferno das prisões, com os pobres e escravos que nos servem em muitos lugares.
Lembremo-nos que o pior cego é aquele que não quer ver. Sophia de Mello Breyner
Andresen, alertando para os males do seu tempo, legou-nos o belo poema “Cantata
da Paz”, que foi musicado e tem um refrão com profunda filosofia maçónica:
“Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”.
Na
cerimónia de iniciação é-nos dada a luz para que possamos ver, ouvir e ler. Com
estas faculdades vivas exaltemos os laços de apego familiar, de liberdade, de
igualdade e de fraternidade que hoje vivenciamos.
Viva o 25 de Abril!