domingo, 26 de junho de 2022

Crise civilizacional

 Já não se trata, somente, de uma crise pontual. Estamos perante o desrespeito de valores essenciais da dignidade humana. Estamos perante uma crise civilizacional. E os nossos líderes políticos mostram-se incapazes de a enfrentar, antes, pelo contrário, estão a contribuir para o seu aprofundamento.

É na saúde (nem é preciso citar exemplos), na educação (o que dizer de professores que estão, há mais de 20 anos, na situação de contratados), na justiça (os relatórios do Conselho da Europa e da Provedoria de Justiça falam por si), na proteção às crianças (as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens acompanhavam, em 2021, mais de 70.000 processos de crianças em Portugal), na situação social (não para de crescer o número de pobres e de sem abrigo), na elevada abstenção nos atos eleitorais (será aceitável um ato eleitoral em que a abstenção é superior a 50%?), na hiprocisia do tratamento desigual de migrantes e refugiados (os ricos ou brancos têm vistos gold ou autorização de residência imediata), na aceitação das limitações da liberdade (a censura nos órgãos de comunicação social é disso exemplo), na ausência de prevenção da prática de atos anti-sociais (as prisões são disso exemplo), no nepotismo, compadrio e oportunismo para o acesso a posições privilegiadas na administração pública (é deprimente a indigência intelectual manifestada por um grande número de dirigentes) , etc, etc, etc.
E tudo isto desrespeitando os referenciais jurídicos internacionais criados na segunda metade do século passado (tratados, convenções, protocolos), de que a maior parte dos países são Estado-parte.
Torna-se necessária uma nova ordem política, económica, social e cultural.

domingo, 5 de junho de 2022

PARADOXOS

No livro que escrevi há oito anos, editado pela Leya em formato ebook, subordinado ao título “ONG’s – Passado e Presente – Uma Experiência Pessoal” (http://www.leyaonline.com/pt/pesquisa/pesquisa.php?chave=ONG), relatei a minha experiência vivida em relevantes organizações não governamentais e o seu enquadramento nacional, destacando “(…)  Chegados ao segundo decénio do século XXI interessante é verificar alguns passos da evolução histórica destas organizações, assim como perspetivar o seu papel no futuro próximo. Tendo muitas das ONG’s nascido ligadas a nobres objetivos, esse seu cordão umbilical tem-lhes garantido a sobrevivência apoiada em actividades que fazem a ponte entre o passado e o presente. No entanto, mesmo que algumas das actividades que desenvolvem continuem a ser de interesse para comunidade, a sua existência tem-se vindo a tornar de grande relevância para a credibilização do sistema político vigente (pretensamente democrático), tornando-se numa muleta fundamental para a sustentação do modelo político-económico-social em vigor na generalidade do mundo ocidental, perdendo o estatuto reconhecido ainda não há muito tempo de organizações temidas pelas instâncias governamentais. Não é por acaso que as ONG’s estão a passar de organizações independentes e respeitadas, para parceiros que contestam algumas medidas mas não põem em causa os pilares do sistema. Assim sendo, é esperança vã que as ONG’s que conheço possam ser protagonistas de primeira linha numa tentativa de melhoria significativa do atual modelo de sociedade. (…) “

Passados estes oito anos não só mantenho o que disse, como constato o agravamento a que se assiste na situação social de Portugal (e do mundo) e a crescente transformação dessas ONG’s em entidades nas quais o primado da governança económico-financeira se sobrepõe aos objetivos para que foram criadas.

Chegados a Maio de 2022, altura em já estão divulgados os relatórios anuais de 2021 de ONG’s em que vou participando/acompanhando, verificamos, naquelas em que as contas são divulgadas, além dos ativos em imóveis, aplicações financeiras e outros, detinham:

- Amnistia Internacional Portugal – Em 31/12/2021 detinha € 1.115.246,08 em caixa e depósitos bancários;

- DECO – Associação Portuguesa para a defesa do Consumidor – Em 31/12/2020 detinha € 750.011,80 em caixa e depósitos bancários;

- CASA – Centro de Apoio aos Sem Abrigo – Em 31/12/2021 detinha € 1.545.224,00 em caixa e depósitos bancários;

- Sociedade de S. Vicente de Paulo– Em 31/12/2021 detinha € 302.948,64 de saldo acumulado no Conselho Nacional e € 286.345,09 de saldo do exercício de 2021 nas estruturas do Conselho Central do Porto;

- Caritas Portuguesa - Em 31.12.2020 detinha € 3.456.878.70 em depósitos bancários, além de € 1.390.711.30 em aplicações financeiras; 

- Cruz Vermelha Portuguesa - Em 31.12.2021 tinha € 39.181.838,41 em caixa e depósitos bancários.

- Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal - Tinha € 829.793,11 em caixa e depósitos bancários - 31.12.2021

- Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares contra a Fome - Detinha € 2.593.625,84 em 31.12.2021 em caixa e depósitos bancários (acrescenta-se o ativo dos 21 bancos alimentares do País) 

- Grande Oriente Lusitano (engloba Grémio Lusitano, Internato de S. João de Lisboa (ISJ) e Sociedade Promotora de Escolas) – (desconheço as contas em pormenor já que a sua divulgação não é de acesso a todos os obreiros) – De acordo com dados vindos nos órgãos de comunicação social só o património tangível do ISJ deve rondar os 50 milhões de euros.

(...)

(Atualização em Maio de 2023)

Ativos financeiros de ONGs - acresce outros ativos – Ex: imobilizado (edifícios, etc…)

-  Amnistia Internacional Portugal – Em 31/12/2021 detinha € 1.115.246,08 em caixa e depósitos bancários; Em 31.12.2022 foi de 1 327 003,10, com Acréscimo de proveitos Consignação de 0,5% de IRS 459 881,47

- DECO – Associação Portuguesa para a defesa do Consumidor – Em 31/12/2020 detinha € 750.011,80 em caixa e depósitos bancários; Em 31.12.2021 foi de € 876.927,72

- CASA – Centro de Apoio aos Sem Abrigo – Em 31/12/2021 detinha € 1.545.224,00 em caixa e depósitos bancários; Em 31.12.2022 foi de € 1.792.546,00

- Sociedade de S. Vicente de Paulo– Em 31/12/2021 detinha € 302.948,64 de saldo acumulado no Conselho Nacional, a que acresce os saldos dos 21 conselhos centrais diocesanos.

- Caritas Portuguesa - Em 31.12.2020 detinha € 3.456.878.70 em depósitos bancários, além de € 1.390.711.30 em aplicações financeiras; Em 31.12.2021 foi de € 4 219 662,48 além de € 1 012 435,92 em outros ativos financeiros

- Cruz Vermelha Portuguesa - Em 31.12.2021 tinha € 39.181.838,41 em caixa e depósitos bancários.

- Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal - Tinha € 829.793,11 em caixa e depósitos bancários - 31.12.2021

- Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares contra a Fome - Detinha € 2.593.625,84 em 31.12.2021 em caixa e depósitos bancários (acrescenta-se o ativo dos 21 bancos alimentares do País) . Em 31.12.2022 foi de € 3.089.892,00 (acrescenta-se o ativo dos 21 bancos alimentares do País – só o BAPorto tinha € 690.436,72 em caixa e depósitos bancários)

- Grande Oriente Lusitano (engloba Grémio Lusitano, Internato de S. João de Lisboa (ISJ) e Sociedade Promotora de Escolas) – (desconheço as contas em pormenor já que a sua divulgação não é de acesso a todos os obreiros) – De acordo com dados vindos nos órgãos de comunicação social só o património tangível do ISJ deve rondar os 50 milhões de euros.

(...)

E poderia continuar com outros exemplos de um dos paradoxos do tempo presente: enquanto cresce a pobreza e aumentam as desigualdades, crescem, também, os saldos financeiros das entidades criadas para a defesa da liberdade da igualdade, da fraternidade, da caridade, da solidariedade e da defesa dos direitos humanos em geral (um outro exemplo: a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que explora jogos de azar, tinha em 2020 o valor superior a 137 milhões de euros em caixa e depósitos bancários). E acrescente-se que todas estas entidades continuam com campanhas de angariação de fundos, incluindo de doação de 0,5% do IRS, além dos benefícios da lei do mecenato que, nalguns casos, podem dar cobertura à fraude e evasão fiscal.

A este paradoxo podem-se juntar outros de alcance mais global. Por exemplo, foi aprovado em 27/05/2022 o Orçamento Geral do Estado de Portugal para 2022, tendo o seu valor global ultrapassado, pela 1ª vez, o montante de 100 mil milhões de euros. Mas nesse mesmo mês de Maio (em 17/05/2022)  foi divulgado que além das dívidas à SS (Segurança Social) de 13,3 mil milhões de euros, a CGE (Conta Geral do Estado de 2021) revela que a receita por cobrar pela AT-Autoridade Tributária  (depois de passado o prazo de cobrança voluntária) ascendeu, no final de 2021, a 23.261,1 milhões de euros, aumentando em 1.233 milhões de euros (5,6%) face ao ano anterior. O total em dívida à SS e à AT ultrapassa, portanto, os 36 mil milhões de euros em 31/12/2021. Por outro lado, em 22/05/2022 foi divulgado que "...os seis maiores bancos portugueses registaram, apenas no primeiro trimestre de 2022, lucros de 617,4 milhões de euros, “mais do que duplicando os resultados quando comparados com os 303,7 milhões atingidos entre janeiro e março de 2021.” Lucros de 617 milhões de euros. Em apenas três meses de atividade. O dobro do lucro dos primeiros três meses de 2021." E ainda não há muito tempo o total de depósitos à ordem de particulares nos bancos portugueses ultrapassava os 400 mil milhões de euros.

 Como encarar este quadro? Na postura dos Estados constata-se a falácia das medidas que anunciam, seja o OGE, sejam as promessas eleitorais. E para condicionar os cidadãos mais atentos aumentam o controle de forma policial, censória, repressiva e intimidatória, procurando vigiar e condicionar as suas vidas até ao mais ínfimo pormenor (Ex: Lei dos metadados, Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, RCBE–registo central de beneficiário efetivo, restrições de pagamentos em dinheiro, IES, Mod.22, débitos em conta, declarações IRS, cartões eletrónicos de pagamento e de acesso, registos de portagens, etc ). Na postura das ONG`s assiste-se ao predomínio da governança e do oportunismo sobre o ativismo pelas suas causas fundacionais.

 É patente que a caridade e a solidariedade viraram negócio. E este negócio está a ter resultados positivos? É que, entretanto, aumentam o número de pobres, de presos, de sem abrigo, de desigualdades e de violações de direitos humanos (vidé a recente restrição à liberdade de informação com a censura informal institucional imposta na E.U. relativamente à guerra na Ucrânia).

Será que a forma como procedem os Estados e certas instituições ditas de solidariedade social, que hipotecam os seus objetivos meritórios em grandes reservas financeiras e na promoção pessoal dos seus dirigentes, está em linha com a promoção da justiça, do combate à miséria e contribuem para a liberdade, a igualdade e a fraternidade?