sexta-feira, 4 de março de 2022

A ordem política mundial

 

A recente situação na Ucrânia exige o seu enquadramento face à ordem política mundial em que vivemos e a sua evolução após a II guerra mundial.

É consensual que a, partir dos anos 50 do século passado, o mundo estava enquadrado em dois grandes blocos políticos: o capitalismo liderado pelos Estados Unidos da América (USA) e o comunismo liderado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS)  (A China iniciava o período maoista baseado na filosofia marxista), criando-se duas estruturas militares multinacionais de apoio – a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) e o Pacto de Varsóvia.

Passados vinte anos da II guerra mundial, assistiu-se ao desenvolvimento, no seio do capitalismo, de uma vertente social-democrata liderada pelos países do Norte da Europa (Suécia, Noruega, Finlândia e Dinamarca) que influenciou vários outros países europeus, assim como se iniciou a criação do denominado movimento dos não-alinhados, constituído por países de importância emergente, liderado pela Indonésia, Ex-Jugoslávia e Índia. Estes dois grandes grupos, à margem do capitalismo USA e do comunismo URSS, desenvolveram uma ação política de forte pendor social e estiveram na base da independência das colónias ainda governadas por países da Europa Ocidental. Também, nessa altura, alguns países europeus criaram duas estruturas multinacionais económicas de importância relevante: EFTA e CEE a partir da CECA, que vieram a desembocar na atual União Europeia (UE).

Nos finais do século passado, com a desintegração da URSS, uma nova dinâmica apoderou-se do mundo. Os USA passaram a ser a potência dominante, a UE adquiriu importância relevante no campo político e económico, a China assumiu-se como ator de primeiro plano e a Rússia passou   para o 4º lugar no ranking das grandes potências. Desintegrado  o Pacto de Varsóvia, ficou a NATO  como única estrutura militar de grande peso no mundo.

Esta nova ordem mundial permitiu que os USA passassem a determinar, ainda que com alguns dissabores, a composição da sua esfera de influência, com ações de político-militares como, por exemplo, no Iraque, Ex-Jugoslávia, Síria, Afeganistão, Líbia, etc… .

No segundo decénio deste século, com a evolução na Rússia e na China, o mundo passou a contar com três grandes potências: USA com a EU associada como bloco ocidental, a Rússia e a China, todas elas de forte pendor de economia de mercado e interrelacionando-se a nível privado e estatal, deixando qualquer das potências de terem o comunismo na sua ação, sendo todas de cariz capitalista.

Os USA, tendo visto fracassado a sua política de influência na Ásia e Médio-Oriente, aprofundaram o seu interesse pelos países saídos da URSS, influenciando-os politicamente, economicamente e militarmente através da NATO. Perante isto, a Rússia ficou alarmada com a ameaça militar patenteada pela NATO junto das suas fronteiras.

E chegamos à situação atual na Ucrânia.

Trata-se, em síntese, de uma guerra entre dois blocos pela influência num país de grande interesse geo-estratégico como é a Ucrânia. O bloco ocidental já estava em processo avançado de instalação na Ucrânia, o que fez com que a Rússia entendesse que estava a ser encurralada. Já não é uma luta entre capitalistas e comunistas mas, sim, entre dois blocos com bastantes semelhanças, fundamentalmente económicas. A iniciativa da Rússia em avançar para uma ação militar enquadra-se na tentativa de afastar a influência ocidental da sua vizinhança, o que já acontece com outros países fronteiriços. A reação do governo da Ucrânia também se entende, já que a sua ligação ao bloco NATO aumentaria a sua importância estratégica. Quer a Rússia, quer a Ucrânia, estão a cometer graves abusos de direitos humanos nesta guerra, o que acontece desde há muitos anos como tem testemunhado a Amnistia Internacional. Do lado da Rússia existe a detenção de dissidentes, a prisão de contestatários, o bombardeamento de alvos civis, o condicionamento da liberdade de expressão, etc… . Do lado da Ucrânia assiste-se à mobilização forçada de todos os homens até aos 65 anos, à utilização de presos comuns na frente de combate, à distribuição de armas à população em geral envolvendo os civis na guerra, etc… .

Perante este cenário, os países da Europa Ocidental demonstram uma postura belicista e não uma cultura de paz, nomeadamente: diferença de tratamento aos refugiados da Ucrânia relativamente aos refugiados da Ásia e da África; institucionalização da censura não permitindo aos seus cidadãos o acesso a órgãos de informação russos; parcialidade na divulgação dos acontecimentos na frente de combate, o que, também, se verifica na maioria dos órgãos de comunicação social ocidentais; participação indireta na guerra com o fornecimento de armas à Ucrânia; dualidade de critérios entre esta guerra e as guerras em que o bloco ocidental foi o invasor (Síria, Iraque, Afeganistão, Líbia, Ex-Jugoslávia, etc…).

Neste quadro, a opinião pública dos países ocidentais tem criado uma atmosfera de fanatismo e histeria contra a Rússia, nada equiparada às outras guerras havidas desde a II guerra mundial, em que não se viu indignação parecida. As pessoas que agora clamam contra a Rússia tiveram alguma posição ativa relativamente às violações de direitos humanos que lá se tem verificado desde há muitos anos? Quantas cartas, ou emails, enviaram a exigir a libertação de prisioneiros de consciência?

As condições para a guerra na Ucrânia já vêm a ser criadas desde há muitos anos. Quer a Rússia, quer a Ucrânia, quer a EU, quer os USA, têm as mãos sujas de sangue há muito tempo.

Tenhamos presente a declaração de Moshe Dayan, ministro da defesa de Israel na guerra com os palestinianos em 1967: Nem sempre quem dá o primeiro tiro é que começa uma guerra.