A recente situação na Ucrânia exige o seu enquadramento face
à ordem política mundial em que vivemos e a sua evolução após a II guerra
mundial.
É consensual que a, partir dos anos 50 do século passado, o
mundo estava enquadrado em dois grandes blocos políticos: o capitalismo
liderado pelos Estados Unidos da América (USA) e o comunismo liderado pela
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) (A China iniciava o período maoista baseado na
filosofia marxista), criando-se duas estruturas militares multinacionais de
apoio – a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) e o Pacto de
Varsóvia.
Passados vinte anos da II guerra mundial, assistiu-se ao desenvolvimento, no seio do capitalismo, de uma vertente social-democrata liderada pelos
países do Norte da Europa (Suécia, Noruega, Finlândia e Dinamarca) que
influenciou vários outros países europeus, assim como se iniciou a criação do
denominado movimento dos não-alinhados, constituído por países de importância
emergente, liderado pela Indonésia, Ex-Jugoslávia e Índia. Estes dois grandes
grupos, à margem do capitalismo USA e do comunismo URSS, desenvolveram uma ação
política de forte pendor social e estiveram na base da independência das
colónias ainda governadas por países da Europa Ocidental. Também, nessa altura,
alguns países europeus criaram duas estruturas multinacionais económicas de
importância relevante: EFTA e CEE a partir da CECA, que vieram a desembocar na
atual União Europeia (UE).
Nos finais do século passado, com a desintegração da URSS,
uma nova dinâmica apoderou-se do mundo. Os USA passaram a ser a potência
dominante, a UE adquiriu importância relevante no campo político e económico, a
China assumiu-se como ator de primeiro plano e a Rússia passou para o
4º lugar no ranking das grandes potências. Desintegrado o Pacto de Varsóvia, ficou a NATO como única estrutura militar de grande peso
no mundo.
Esta nova ordem mundial permitiu que os USA passassem a determinar,
ainda que com alguns dissabores, a composição da sua esfera de influência, com
ações de político-militares como, por exemplo, no Iraque, Ex-Jugoslávia, Síria,
Afeganistão, Líbia, etc… .
No segundo decénio deste século, com a evolução na Rússia e
na China, o mundo passou a contar com três grandes potências: USA com a EU associada
como bloco ocidental, a Rússia e a China, todas elas de forte pendor de
economia de mercado e interrelacionando-se a nível privado e estatal, deixando
qualquer das potências de terem o comunismo na sua ação, sendo todas de cariz
capitalista.
Os USA, tendo visto fracassado a sua política de influência
na Ásia e Médio-Oriente, aprofundaram o seu interesse pelos países saídos da
URSS, influenciando-os politicamente, economicamente e militarmente através da
NATO. Perante isto, a Rússia ficou alarmada com a ameaça militar patenteada
pela NATO junto das suas fronteiras.
E chegamos à situação atual na Ucrânia.
Trata-se, em síntese, de uma guerra entre dois blocos pela
influência num país de grande interesse geo-estratégico como é a Ucrânia. O
bloco ocidental já estava em processo avançado de instalação na Ucrânia, o que
fez com que a Rússia entendesse que estava a ser encurralada. Já não é uma luta
entre capitalistas e comunistas mas, sim, entre dois blocos com bastantes
semelhanças, fundamentalmente económicas. A iniciativa da Rússia em avançar
para uma ação militar enquadra-se na tentativa de afastar a influência
ocidental da sua vizinhança, o que já acontece com outros países fronteiriços.
A reação do governo da Ucrânia também se entende, já que a sua ligação ao bloco
NATO aumentaria a sua importância estratégica. Quer a Rússia, quer a Ucrânia,
estão a cometer graves abusos de direitos humanos nesta guerra, o que acontece
desde há muitos anos como tem testemunhado a Amnistia Internacional. Do lado da
Rússia existe a detenção de dissidentes, a prisão de contestatários, o
bombardeamento de alvos civis, o condicionamento da liberdade de expressão, etc…
. Do lado da Ucrânia assiste-se à mobilização forçada de todos os homens até
aos 65 anos, à utilização de presos comuns na frente de combate, à distribuição
de armas à população em geral envolvendo os civis na guerra, etc… .
Perante este cenário, os países da Europa Ocidental
demonstram uma postura belicista e não uma cultura de paz, nomeadamente: diferença
de tratamento aos refugiados da Ucrânia relativamente aos refugiados da Ásia e
da África; institucionalização da censura não permitindo aos seus cidadãos o
acesso a órgãos de informação russos; parcialidade na divulgação dos
acontecimentos na frente de combate, o que, também, se verifica na maioria dos
órgãos de comunicação social ocidentais; participação indireta na guerra com o
fornecimento de armas à Ucrânia; dualidade de critérios entre esta guerra e as
guerras em que o bloco ocidental foi o invasor (Síria, Iraque, Afeganistão,
Líbia, Ex-Jugoslávia, etc…).
Neste quadro, a opinião pública dos países ocidentais tem
criado uma atmosfera de fanatismo e histeria contra a Rússia, nada equiparada
às outras guerras havidas desde a II guerra mundial, em que não se viu indignação
parecida. As pessoas que agora clamam contra a Rússia tiveram alguma posição
ativa relativamente às violações de direitos humanos que lá se tem verificado
desde há muitos anos? Quantas cartas, ou emails, enviaram a exigir a libertação
de prisioneiros de consciência?
As condições para a guerra na Ucrânia já vêm a ser criadas
desde há muitos anos. Quer a Rússia, quer a Ucrânia, quer a EU, quer os USA,
têm as mãos sujas de sangue há muito tempo.
Tenhamos presente a declaração de Moshe Dayan, ministro da
defesa de Israel na guerra com os palestinianos em 1967: Nem sempre quem dá o
primeiro tiro é que começa uma guerra.