Equinó
Celebra-se,
nestes dias, o equinócio de outono, caracterizado pelo facto de no hemisfério
norte, em que nos situamos, a noite passar a predominar sobre o dia e muitas
mudanças se processarem no ciclo da natureza, reflectindo-se no comportamento
dos seres humanos.
Para se conhecer
melhor o que é este equinócio devemos atentar no simbolismo prático do Outono. O
calor, a claridade e os sentimentos de verão, dão lugar à riqueza cromática que
antecede a quelha das folhas, às temperaturas amenas que antecedem o frio e a
uma maior tendência para a introspecção, preparando-nos para uma maior disponibilidade
para o amadurecimento, seguindo o curso da natureza.
A Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade, a cuja defesa estamos
comprometidos, têm tido denúncias do seu atropelo, a que vamos ter de dar
combate. Recentemente, o presidente do
Tribunal da Relação de Lisboa, juíz desembargador Orlando Nascimento, lembrou que a justiça, ela mesma, vai muito além da ação dos tribunais, lançando a
questão: "Haverá alguma justiça numa sociedade em que todos os dias
aumenta o número de pobres e em que os ricos são contemplados com volumosos
subsídios, escondidos sob os mais variados pretextos, de investimento, de
criação de emprego, de interioridade, de estímulo da economia?". Por sua vez, em artigo publicado na revista
Dirigir e Formar do IEFP, o prof.
Luís Capucha constata: “Não há progresso económico e social que possa
deixar para trás os mais desfavorecidos. E como são acolhidos os mais
desfavorecidos no sistema educativo, na justiça, no acesso aos serviços
públicos essenciais, no emprego com remuneração digna?”. É de notar que cerca
de 30% dos trabalhadores portugueses recebe menos de 600 euros mensais, que 80%
dos pensionistas da segurança social têm reformas abaixo do salário mínimo
nacional e que cerca de 50% dos portugueses não paga IRS devido ao seu baixo
rendimento.
Considerando
que vivemos um alegado período de saída da austeridade, devemos ter em conta
que os pobres não
beneficiam de reposição de rendimentos, pois como os que tinham eram míseros,
não tiveram cortes com o complemento extraordinário de solidariedade,
agravamento do IRS e congelamento de carreiras. Também não beneficiaram da
descida do IVA de 23 para 11% na restauração pois não vão a restaurantes. Mas
foram afectados pelo agravamento do IVA na electricidade e noutros bens
essenciais, pelo agravamento do custo dos transportes públicos, pelo
agravamento das taxas moderadoras na saúde (consultas e medicamentos), pela
redução dos apoios sociais (RSI e subsídios pontuais), pelo agravamento das
rendas, pela diminuição das esmolas fruto da contenção que a classe média se
auto-impôs. Os mais desfavorecidos, incluindo as crianças com necessidades
educativas especiais, não podem viver na solidão, no esquecimento, nem serem
objecto de aumentos insultuosos de meia dúzia de euros por mês, não podem ser
servos da escravatura moderna.
Os
conceitos da liberdade, igualdade e fraternidade têm de ser considerados de
valor igual, universais, indivisíveis e interdependentes, pelo que aos mais
desfavorecidos deve ser dada a prioridade para o acesso a condições de vida
dignas.
Estas, e outras, considerações terão de ter, nesta passagem
para o predomínio da escuridão sobre a luz, que nos vai acompanhar nos próximos
seis meses, repercussão no nosso posicionamento. Temos de ter a coragem de enfrentar o desafio que o
filósofo contemporâneo, Michel Onfray, nos coloca quando diz: “O livre arbítrio é uma fábula que mascara o
desconhecimento dos determinismos que nos programam. Nós, que nos cremos
autónomos e portadores duma multiplicidade de coisas e de
potencialidades, não fazemos mais de que obedecer.”
Estou
certo que, independentemente do aumento da escuridão trazido pela passagem do
equinócio do outono, saberemos, sempre, guiarmo-nos pela luz do oriente, que nos
proporcionará a clarividência necessária à nossa acção de força, beleza e
sabedoria.
22/07/2017