# Mudar Porto.6 – Refletir com o passado – Caminhar para o futuro
1 - Direitos Humanos – Dignidade de ser pessoa
2 - Celebra-se, amanhã 10 de Dezembro,
a proclamação, há 75 anos, pela Organização da Nações Unidas, da Declaração
Universal dos Direitos Humanos (DUDH).
Considerado o mais avançado
referencial histórico para as relações entre as pessoas e a vida em sociedade,
teve a sua origem como resposta à barbárie da II guerra mundial, para que não
mais se repetissem as atrocidades cometidas, envolvendo na sua redação
eminentes personalidades de profunda sensibilidade humanista.
E como estão a ser respeitados os
princípios emanados dessa Declaração, neste final do ano de 2023?
3 - Passados 75 anos assiste-se a um esboroar dos princípios consignados na
DUDH. As atrocidades da guerra que levou à construção da DUDH continuam
espalhadas pelo mundo. O caso mais recente da Palestina é disso exemplo. Ódio,
vingança, violência, abuso da superioridade bélica, desumanidade, passividade e
conivência de muitos responsáveis políticos e de muita opinião pública pelo
sofrimento dos povos. As vítimas do passado tornam-se, muitas vezes, os carrascos
do presente.
4 - E
temos, no presente, a situação na Palestina, na Ucrânia, no Iémen, no
Curdistão, no Sara Ocidental, em Myanmar, na Síria, etc…, etc…, etc… . Em todos
estes conflitos a DUDH está ausente. Os Estados representados na ONU que estão
obrigados a respeitar aquilo a que se comprometeram, fazem disso letra morta,
alimentando as máquinas de guerra causadoras de morte e sofrimento. Ainda
recentemente, uma revista de economia aconselhava os investidores a aplicações
financeiras em fundos de que fazem parte empresas de armamento. E os cidadãos
mais abastados, cegos por ganharem mais euros para as férias de fim de ano ou
para trocar de automóvel, dão instruções aos seus gestores da conta bancária
para tais aplicações, sem consideração pela responsabilidade que assumem nas
violações de direitos humanos que essas empresas de armas de guerra provocam e
apoiando governos que pactuam com essas violações de direitos humanos.
5 - E que
dizer do agravamento das desigualdades, do elevado nível de pobreza, dos sem
abrigo, dos refugiados e migrantes, das novas formas de escravatura, da
situação nas prisões, etc…, etc…, etc… .
Passados
75 anos da proclamação da DUDH já quase ninguém fala nela. Têm visto alguma
ênfase nas instituições políticas e nos órgãos de comunicação social perante
uma efeméride – 75 anos - que tem, noutras situações, uma carga de grande
simbolismo?
No mês passado estreou nos cinemas portugueses o último filme de Ken Loach
com o título “The Old Oak”, no qual são retratados muitos dos problemas que
afetam o mundo, em que é referida a expressão social bem conhecida: “Se os
trabalhadores soubessem o poder que têm e o quisessem usar, então o mundo
mudaria”. Quando será que os trabalhadores perdem o medo reclamando os direitos
humanos, levantando-se com a tomada de consciência do seu poder e se unam para
o utilizarem?
Considerando os 23 anos deste século, assistimos a um retrocesso
preocupante na observância do compromisso assumido há 75 anos.
6 - A jornalista Ana Sá Lopes no jornal Público de 29.10.2023 disse: “Já tinha havido a
criminosa guerra do Iraque, as torturas de Guantánamo, a guerra
do Afeganistão onde os Estados Unidos entregaram sem remorsos o poder aos
taliban depois de todo o sangue derramado. O Ocidente tem um
problema moral a resolver: a invocação permanente dos direitos
humanos começa a ser conversa de chacha.”
Podemos
aceitar que os direitos humanos sejam conversa de chacha? Podemos aceitar que
esta sessão de Refletir com o Passado-Caminhar para o Futuro seja conversa de chacha?
Podemos aceitar que os mais de 200 referenciais jurídicos das Nações Unidas derivados
da DUDH sejam conversa de chacha? Podemos aceitar que os instrumentos de
direito internacional humanitário sejam conversa de chacha?
7 - Podemos
aceitar que a habitação pública em Portugal, que representa somente 2% do total
de alojamentos, tenha objetivos muito longe da média da União Europeia que é
superior a 14% com países a deterem valores da ordem dos 30 e 40%? Podemos
aceitar que a renda média mensal de um T2 nesta cidade do Porto seja muito
superior a € 1.000, valor inacessível a uma larga faixa da população? Podemos
aceitar em Portugal um crescimento contínuo de pessoas sem abrigo, enquanto há
700.000 casas vazias? Podemos aceitar que as dificuldades económicas das
pessoas levem às penhoras das suas casas, salários, pensões e aos despejos e à
venda de crédito malparado a fundos abutre? Podemos aceitar que haja em
Portugal mais de 4 milhões de trabalhadores e reformados a receberem menos de
800 euros mensais? Podemos aceitar que em Portugal haja mais de 70.000 jovens
em acompanhamento nas CPCJs e mais de 3 milhões de diagnósticos de
perturbações mentais em adultos e crianças? Podemos aceitar em ter uma situação
nas prisões indigna e um elevado número de reclusos a quem são negados direitos
elementares (Portugal tem o maior tempo médio de cumprimento de pena da União
Europeia)? Podemos aceitar ter prisões opacas, medonhas, arcaicas, violentas,
medievais, ineficazes, desumanas, violentas e dispendiosas? Podemos aceitar que
o Governo cultive a opacidade e não divulgue os relatórios sobre o que se passa
no interior das prisões que, nos últimos 50 anos, passou de 3.000 presos para
mais de 12.000 e ainda mais de 30.000 em cumprimento de penas e medidas na
comunidade? Podemos aceitar que a chaga social das dependências não tenha uma outra
visão humanista, promovendo a sua prevenção e o enquadramento legal dos seus
fatores como se fez com o tabaco e o álcool, em substituição da repressão e
punição? Podemos aceitar que a pobreza ocupe um espaço residual nos órgãos de
comunicação social? Podemos aceitar que na era das tecnologias de informação e
comunicação os sites das autarquias não contenham uma completa radiografia da
sua situação económico-social?
8 - Se
sim, se podemos aceitar, então aceitamos que vigore a lei do mais forte, do
mais rico e do mais poderoso. Se sim, então aceitamos o regresso do poder das
armas, do genocídio, da escravatura e de todos os modelos de exploração da
pessoa humana. Se sim, aceitamos um modelo de sociedade desumana, policial,
repressiva e punitiva. Se sim, aceitamos a opacidade e a lei da selva a nortear
as relações entre as pessoas, o que se traduz num grave retrocesso
civilizacional, tornando-se necessária uma nova ordem política, económica,
social e cultural. Eu não estarei nessa corrente de aceitação. Eu estarei na
corrente que Manuel Alegre nos deixou no poema “Trova do Vento que Passa”:
9 - “Mesmo na noite mais triste, em tempo de servidão, há sempre alguém que
resiste, há sempre alguém que diz não.”.