quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Dezembro

Sendo o último mês do ano no hemisfério norte, em que o Outono cede o lugar ao Inverno, e aquele que tem menos horas de luz solar, o mês de Dezembro contém, também, a data marcante na história da humanidade como é o Natal no dia 25, celebrando o nascimento de Jesus Cristo, dia este que tem em muitos países uma importância simbólica inigualável. No entanto, outra data do mês de Dezembro tem particular relevância como é a da proclamação, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 10 de Dezembro de 1948. Ambos os eventos tocam profundamente naquilo que de mais valioso afecta a vida das pessoas e, neste sentido, a segunda metade do século XX teve extraordinária importância no aprofundamento desses valores, começando nessa Declaração Universal dos Direitos Humanos e continuando nas sucessivas Convenções, Pactos e Protocolos, que permitem podermos dispor dum conjunto de referenciais jurídicos, consagrando na lei princípios e direitos que consideramos inalienáveis, tais como, a rejeição do ódio e da segregação, a primazia dos valores sobre os interesses, a valorização dos afectos, a liberdade como valor absoluto, o reconhecimento do estatuto específico da criança, o estabelecimento do direito à saúde, à educação, à segurança social, à protecção no desemprego, o direito à vida, a criação de requisitos básicos de vida digna (habitação, água, electricidade e outros serviços públicos essenciais), etc,etc,etc. A conjugação das duas datas de inegável alcance na história da humanidade, no mês de Dezembro, aprofunda a sensibilização de todos nós para os valores humanos da justiça, igualdade, fraternidade, liberdade e dignidade humana. Celebremos, então, estes ideais embalados pelo que de mais profundo neles encontramos: a paz e o amor ao próximo.

Fuga do Estado às suas Obrigações

Durante a segunda metade do século XX a comunidade internacional, através, nomeadamente, da Organização das Nações Unidas e do Conselho da Europa, acordou num conjunto significativo de referenciais jurídicos tendentes a assegurar aos seus cidadãos a garantia do direito aos mais variados aspetos que têm a ver com padrões dignos de vida, como sejam o acesso ao trabalho, à habitação, à saúde, à educação, aos serviços públicos essenciais (água, energia, saneamento, etc…), à segurança social, à liberdade de expressão, à liberdade de reunião e associação, etc… . Dos mais conhecidos pode-se salientar, por exemplo, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional dos Direitos Económicos Sociais e Culturais, a Convenção dos Direitos da Criança e a Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Os Estados ao ratificarem estes referenciais jurídicos (tratados, convenções, pactos e protocolos) assumem o compromisso de promover e respeitar as obrigações neles constantes. Desde o final do século XX tem-se vindo a assistir a um crescendo de decisões de muitos Estados tendentes a fugirem às responsabilidades decorrentes do facto de serem Estados-Parte desses referenciais jurídicos, nomeadamente com a privatização de serviços públicos através dos quais era assegurado aos cidadãos o acesso a estes serviços. Com a privatização o Estado deixa de dispor directamente de mecanismos para assegurar o cumprimento das suas obrigações, já que são os Estados que se comprometem com o estatuído nesses referenciais jurídicos e não organizações privadas que, quando muito, apenas têm de cumprir aquilo que a transposição desses referenciais para o direito interno as possa obrigar. E não nos podemos esquecer que muitas multinacionais, que aparecem a adquirir empresas públicas de serviços, são originárias de países que não ratificaram os referenciais que enquadram estes serviços, não estando habituadas às obrigações antecedentes à privatização, logo pouco predispostas ao seu cumprimento. Estamos, portanto, a correr sério risco de pôr em causa aspectos básicos de dignidade de vida, já que não é só o facto do acesso público ser dificultado com taxas cada vez mais elevadas nos serviços prestados pelos Estados, como, também, passarmos a ser obrigados de recorrer a empresas privadas para termos serviços públicos essenciais, com as consequentes limitações decorrentes dos preços que estas praticam sem serem obrigadas a considerações humanistas, ou constitucionais, que permitam o acesso das pessoas sem condições económicas para tal. Além das empresas privadas serem, naturalmente, norteadas pela máxima rentabilidade económica, pelo que, dificilmente, prestarão esses serviços em locais que não disponham dum número de utentes com dimensão económica que justifique essa prestação de serviço, agravando os custos de interioridade ou de agregação sócio-económica. Os referenciais jurídicos que a comunidade internacional assumiu durante a segunda metade do século XX têm de ser defendidos já que se trata de proporcionar o acesso a padrões básicos de vida com dignidade a todos os seres humanos. Fazem parte dos direitos humanos universalmente consagrados que, como tais, são universais, iguais, indivisíveis e interdependentes. Têm a palavra as cidadãs e os cidadãos. Manuel Almeida dos Santos

Ferhat Gerçek

O domínio quase obsessivo, nos últimos tempos, das preocupações da comunidade pelas questões de índole económica tem levado a um quase esquecimento de outros valores importantes para a vida das pessoas. Sendo o direito ao emprego, a um salário digno, à protecção social, direitos humanos claramente inscritos nos referenciais internacionais a que todos estamos obrigados a respeitar e promover, isto não pode ofuscar outras violações de direitos de direitos humanos, já que estes são universais, iguais, indivisíveis e interdependentes. Como exemplo atentemos no que se está a passar com o cidadão turco Ferhat Gerçek, de 22 anos de idade, que está paralisado da parte esquerda do corpo após ter sido baleado pela polícia em 7 de Outubro de 2007 (tinha então 17 anos), em Yenibosna – Istambul, quando se encontrava com outros colegas a vender revistas. A polícia interpelou-os e alega que o grupo os obrigou a utilizar a força que incluiu a utilização de disparos de armas de fogo, os quais atingiram Ferhat Gerçek. O caso encontra-se em apreciação judicial, sendo a acusação contra Ferhat Gerçek (violação da lei que regula o direito de reunião e manifestação, resistência à autoridade pública e autoria de danos materiais) passível duma condenação até 15 anos de prisão. As diligências processuais não têm respeitado as normas internacionais de investigação para julgamentos justos e imparciais, havendo, além de outras irregularidades, ameaças e pressões sobre as testemunhas a favor de Ferhat Gerçek que presenciaram os incidentes. A Amnistia Internacional, organização internacional prestigiada no trabalho pelos direitos humanos, insiste que seja efectuada uma investigação imparcial relativamente aos acontecimentos e que os responsáveis sejam presentes perante a justiça com garantias dum julgamento justo. Reclama ainda que Ferhat Gerçek receba uma justa compensação logo que o tribunal conclua que a acção dos agentes policiais que o vitimou foi ilegal, e que o julgamento de Ferhat Gerçek seja conduzido de forma justa, respeitando os critérios de direito internacional com garantias de que as testemunhas possam testemunhar livremente. A observância destas exigências, constantes do direito internacional a que os Estados estão obrigados, não tem obtido por parte das autoridades turcas o empenho na sua concretização, pelo que é solicitada a pressão da opinião pública junto das autoridades para que tal seja observado. No momento difícil que hoje toca estratos alargados do comunidade, é uma exigência cívica e de cidadania que manifestemos o nosso apoio aqueles que dele necessitam. Não deixemos que valores civilizacionais arduamente construídos pelos nossos pais e avós sejam pisados impunemente, permitindo barbaridades sobre seres humanos impotentes para reagirem por si sós às atrocidades que caem sobre eles. Manifestemos a Ferhat Gerçek o apoio que lhe permita sentir que há seres humanos sensíveis aos valores da justiça e da solidariedade, exigindo das autoridades turcas o cumprimento dos normativos internacionais, atrás referidos, a que estão obrigadas.

Crianças e jovens: Que Futuro?

Foram divulgadas recentemente estatísticas relativas à situação dos jovens na União Europeia, ficando-se a saber que 14 milhões de jovens (260 mil só em Portugal), entre os 15 e os 29 anos, não estão a trabalhar, nem a estudar, nem a receber formação (os chamados NEET - not in employment, education or training) e que, em 2011, dos 94 milhões de jovens europeus, dessa faixa etária, só 31 milhões estavam empregados. Ficamos, também, a saber que em Agosto último Portugal registava uma taxa de desemprego de 35,9% nos jovens desta faixa etária e que 55% dos que tinham alguma ocupação laboral estavam com contratos temporários. Além de que estão a emigrar cerca de 100.000 portugueses por ano, na sua maioria jovens qualificados. Esta realidade é aterradora e deixa, de forma bem clara, a imagem do drama que atravessam as famílias com jovens nestas circunstâncias, quase se podendo dizer que rara é a família que não está a ser tocada por esta tragédia. Para já não falar na odisseia daqueles jovens que ainda não desistiram de procurar ocupação, com o envio de centenas de currículos para tudo o que é empresa ou instituição e o calvário de entrevistas sem fim ou deslocações a centros de selecção e emprego. No dia 19 de Novembro celebra-se o 23º aniversário da Convenção dos Direitos da Criança. Neste referencial jurídico, que obriga os Estados Partes, está estabelecido que “ Artº 27º-1. – Os Estados Partes reconhecem à criança o direito a um nível de vida suficiente, de forma a permitir o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social”. Sendo isto obrigatório para todos os Estados que ratificaram esta Convenção (entre os quais está Portugal) aqueles que não têm tomado as medidas políticas a que estão obrigados têm de ser responsabilizados pelas consequências que estão a penalizar os jovens. Como podem os responsáveis políticos exigir dos cidadãos o cumprimento das suas obrigações se eles próprios dão um exemplo flagrante de irresponsabilidade? O relatório da União Europeia alerta para o risco de estes jovens se tornarem política e socialmente alienados, sobretudo quando o desemprego de longa duração assume tais proporções alarmantes, aludindo a denominadores comuns como o stress psicológico, o isolamento, a adopção de comportamentos de risco e abstencionismo eleitoral, concluindo a Comissão Europeia que o que em última instância está em perigo é a própria democracia, dada a tendência comprovada de estes jovens se afastarem dos partidos políticos e dos sindicatos e aderirem a movimentos propensos a protestos radicais. Resta a pergunta: E não é justo que os jovens se revoltem? (E de que está à espera a Comissão Europeia para adoptar políticas que invertam este cenário? Ou já ficam satisfeitos por virem dar testemunho público da sua incompetência e da sua errada política de prioridades?). Com que sentimento iremos comemorar o 23º aniversário da Convenção dos Direitos da Criança se muitos dos jovens que têm hoje 23 anos se encontram sem futuro promissor à sua frente?