quinta-feira, 7 de março de 2013

A LIBERDADE NOS CONSUMIDORES

A liberdade concreta supõe que esteja garantido ao indivíduo o direito de se desenvolver, enquanto tal, num mundo cuja razão de ser seja para ele evidente e, portanto, sensata. Joël Wilfert - O Estado: Realidade Efectiva da Liberdade ........Na passagem de mais um Dia Mundial do Consumidor, que se comemora a 15 de Março, no mesmo mês em que se celebra o equinócio da Primavera, dando início ao período de dias do ano em a duração da luz se sobrepõe à escuridão, devemos ter em conta esta reflexão do filósofo contemporâneo Joël Wilfert que coloca a sensatez do meio como condição necessária para o exercício da liberdade. Assim sendo, importa analisar se neste início do século XXI se verifica a existência da sensatez necessária à liberdade nos consumidores. É consensual que duas grandes posturas caracterizam o consumidor enquanto tal: uma postura consumista ou uma postura consumeirista. A postura consumista baseia-se no conceito que engloba o consumo irracional, não reflectindo as consequências, baseado em factores impulsivos, consequência da tentação e dos padrões dominantes. A postura consumeirista tem por base o conceito que engloba o consumo racional e reflectido, baseado em princípios de natureza económica, social e cultural, com respeito pelas necessidades e consequências inerentes à actividade humana. E como se comportam, na generalidade, os consumidores no mundo actual? Quais são os principais problemas que se colocam aos consumidores neste início de século? A projecção do modelo que vigora neste início do século XXI irá colocar aos cidadãos uma dificuldade que condicionará (já condiciona) profundamente a sua intervenção como consumidores: a total impossibilidade de acompanhar, informados, a dinâmica, e as suas consequências, de novas tecnologias e de novos produtos, o significado das terminologias das instruções, a distinção entre o essencial e acessório, as formas de resistência à cada vez maior tentação da manipulação propagandística. As “novidades” são tantas e a tal velocidade que a capacidade humana da sua percepção é incapaz de as acompanhar, com a lucidez necessária. Para se poder estar preparado para este modelo de sociedade de consumo é necessário o apoio das bases de consumerismo, próprias e da comunidade, começando pela existência dum poder emanado do Estado, assente em imperativos ético-morais, com capacidades múltiplas de investigação e acção, como condição necessária para o embate com os interesses, exclusivamente económicos, a que a "economia global" conduz. Isto obrigará a uma cultura de solidariedade entre todos (produtores, comerciantes, governantes, gestores, etc...), fazendo com que a frase muitas vezes repetida "Somos todos consumidores" deixe de ser uma figura de retórica. - 2 - Os novos direitos humanos (políticos, ambientais, civis, culturais, sociais, etc...) têm de ser assimilados pelos cidadãos como seus e imprescindíveis, mais do que um fraseado constante dos códigos (Os códigos não podem estar divorciados dos cidadãos). Necessário é implementar, junto dos vários agentes (produtores, intermediários, reguladores, etc...), uma pedagogia que reforçe o sentido ético na comunidade, assim como uma cultura de solidariedade, de igualdade e de simplicidade, não se podendo continuar a aceitar a lei do que tem mais meios. Na situação actual existe uma noção pouco clara sobre o papel das diferentes entidades ligadas à defesa do consumidor, sendo um factor de grande confusão junto da opinião pública (DECO; DGC; ASAE; CES; Tribunal Arbitral; Julgado de Paz; CIAC’s; etc...). É, também, pacificamente reconhecido que a opção pela globalização da sociedade, começando pela globalização da economia, comporta riscos enormes na defesa e protecção dos consumidores, nomeadamente: - Aumento do volume de importações de mercadorias provenientes das mais diversas origens, com a dificuldade inerente de controle de qualidade, já que a produção dos artigos de grande consumo tende a deslocalizar-se para países de mão de obra barata e em que, normalmente, a obediência a padrões ambientais, laborais e de respeito por normas de defesa do consumidor é praticamente inexistente. O seu baixo preço seduz o consumidor a comprar sem reflectir. - Concentração da produção de artigos e bens de grande consumo em empresas agrupadas em holdings, possuidoras de grande força junto dos governos que os impedem de tomarem medidas de defesa dos consumidores (Ex: Banca; Seguros; Energia; Telecomunicações, etc…) - Privatização das grandes empresas do sector público, ou abertura ao sector privado de sectores tradicionalmente públicos, em grande número das quais quase monopolistas no mercado, e que sem concorrência ou com um pequeno número de empresas que lhes permite concertarem-se, e sem a moderação do Estado, poderá permitir a prática de políticas em que o consumidor quase não tem alternativa (Ex: Banca, EDP, Águas e Saneamento, CTT, CP, Petrolíferas, etc), não tendo sequer em consideração se se tratam de serviços públicos essenciais; - Insuficiente preocupação humanista na política educativa, transformando o cidadão em mero agente produtor/consumidor com pouca consciência social (Ex: a cada vez menor participação dos cidadãos em associações); - Modelo de sociedade que apela cada vez mais ao cidadão como agente passivo e não agente activo. (Papel das televisões – o cidadão come aquilo com que a televisão o tenta e não aquilo que decide conscientemente, logo aquilo que é suportado por quem tenha poder económico para passar muitos spots, o que não é sinónimo de garantia para o consumidor). - 3 - Enfim, um modelo de sociedade que pode transformar o cidadão em número estatístico e consumidor nato ainda que não possua a formação e solidez económica para tal (Ex: endividamento excessivo – o nº de sobreendividados e suicídios é relevado principalmente como questão estatística), já que: - O Estado é menos interveniente (Controle legislativo; Justiça, Educação etc...). - Há um acréscimo de poder das organizações de grande poder económico e de influência política (Banca; multinacionais, etc...). - Há um refinamento elevado nas mensagens publicitárias (recursos tecnológicos; erotismo; vedetismo, etc...). - Há um poder tremendo nos canais televisivos ( A TV é a única fonte de informação para milhões de portugueses e a soma das tiragens dos diários portugueses pouco ultrapassa os 200.000 exemplares). - Há uma menor disponibilidade dos cidadãos para se “preocuparem”. - As próprias associações de consumidores têm um papel reduzido na formação duma consciência activa, apesar da sua importância significativa em número de associados. Um ex-ministro da economia do governo português, Dr. Augusto Mateus, declarou após a sua saida do governo (há mais de 10 anos): com o peso do crédito a particulares, a diminuição do crédito às empresas e a diminuição da taxa de poupança, estamos num modelo não sustentável. Para colocarmos a sensatez como elemento balizador da liberdade nos consumidores importa trazer para a ordem do dia as grandes áreas de ação do consumerismo: - O direito à informação - O direito à formação dos consumidores - O direito à protecção da saúde e segurança - O direito à protecção dos interesses económicos - O direito à prevenção e reparação dos danos - O direito à protecção jurídica - O direito à qualidade - O direito à representação - O direito à preservação ambiental Estas grandes áreas, ao integrarem o potencial dos consumidores, permitirão enfrentar muitas das práticas problemáticas, quer as atrás referidas, quer outras ancoradas em culturas e tradições, já que continuamos a ver ser defendida a continuidade de valores considerados tradicionais mesmo quando os novos conhecimentos científicos a tal não aconselham, como por ex: -. Não se pode continuar a defender que o pão cozido em fornos de lenha e os enchidos fumados são melhores que os confeccionados em fornos eléctricos pois tal não é verdade, já que a atmosfera de cozedura dos fornos de lenha, ou de outros combustíveis, contém cinzas microscópicas e fumos que se incorporam nos produtos (com o actual conhecimento da medicina as cinzas e fumos são um potencial agente cancerígeno). - 4 - - Não se pode continuar a defender a utilização de faianças, barros porosos (barro vermelho ou preto) e utensílios de madeira (colheres de pau) na confecção e suporte de alimentos, já que a porosidade e a composição de alguns vidrados e tintas nessas cerâmicas as torna desaconselháveis. - Não se pode defender a utilização imponderada de novas matérias-primas, fruto do desenvolvimento científico e tecnológico (como é a utilização das nanotecnologias e das biotecnologias), não havendo ainda um completo conhecimento das implicações que tais materiais possam vir a ter na saúde e os seus custos ambientais. - Deve ser evitada a utilização de formaldeído (anti-vincos e solvente), ftalatos (amaciador de produtos em PVC) e de certos polímeros ou metais pesados (da actual lista oficial dos SVHC – substâncias indesejáveis de elevada preocupação - da Agência Europeia dos Produtos Químicos , há 138 substâncias com efeitos nocivos já comprovados que causam doenças, alergias, irritação na pele, problemas de fertilidade e de perturbação do sistema hormonal, sendo de prioridade a observância do regulamento europeu REACH – Registo, Avaliação, Autorização e Restrição de Substâncias Químicas) . - Deve-se questionar a indefinição da obrigatoriedade do símbolo made in como uma clara definição da origem do produto, recomendando-se a extensão de sistemas de certificação como a Oeko-Tex Standard 100 , que é um sistema de certificação para têxteis em todas as fases da produção de fibras , fios , tecidos e produtos prontos para uso final, incluindo acessórios. Em síntese, estamos perante um modelo que não coloca em lugar importante a ética no consumo. Assiste-se, com a famigerada globalização, à disseminação de modelos e padrões de comportamento, que afastam da consciência dos cidadãos a obrigatoriedade de pautarem toda a sua acção, influência e relacionamento, pelos valores assentes nos princípios de ética e cidadania. Na construção das bases duma sociedade justa e pacífica e na convicção de que a felicidade humana está ligada, umbilicalmente, à existência em paz duma consciência esclarecida, importa intervir para que o trilhar do caminho da vida seja feito sobre pilares de ética e cidadania, ao arrepio dos caminhos assentes em valores primários que, infelizmente, são o suporte das políticas que actualmente governam o Mundo, apesar das declarações hipócritas de muitos governantes que nos querem fazer querer o contrário, assim influenciando o comportamento das pessoas. A via para a liberdade dos consumidores passa por cada pessoa interiorizar o seu compromisso com essa liberdade. Já Agostinho Silva nos dizia num dos seus bonitos poemas: “... A primeira condição para libertar os outros É libertar-se a si próprio. ...”