terça-feira, 20 de maio de 2008

A Tortura Está Aqui.

A Tortura está Aqui

"A tortura é todo o acto por meio do qual um agente público inflige dor ou sofrimento, físico ou psíquico, a uma pessoa, para fins como o de obter desta, ou de uma terceira pessoa, informações ou confissão, a sua punição por um acto que cometeu ou é suspeita de ter cometido, ou à sua intimidação ou à de outras pessoas.”(artº 1º do Anexo à Declaração para a Protecção de Todas as Pessoas de Serem Submetidas a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes)Foi publicado, recentemente, mais um livro de dedicado ao tema da Tortura (“História da Tortura” – Edward Peters – Editorial Teorema). E, apesar de estarmos no final do século XX, é preocupante, como todos sabemos na Amnistia Internacional, que esta questão continue a manter uma actualidade crescente. E ainda estamos longe da visão de Michel Foucault quando diz: “... O poder dos séculos XIX e XX foi exercido, muito menos, por meio de coacção física do que com instituições que funcionam como cárceres, que incluem não só a prisão mas, também, a fábrica, a escola e a disciplina psicológica da vida militar.(...) A razão primitiva e tecnologia disciplinar moldam seres humanos passivos em objectos do poder. A tecnologia disciplinar e ciência social normativa unem-se para criar o “homem aceitável”, o cidadão manipulado do mundo moderno...”.
Sendo a visão de Foucault a realidade dos nossos dias, ela coexiste com a tortura mais elementar e primitiva, de que a “Exposição de Instrumentos de Tortura”, a percorrer várias cidades europeias, nos dá uma imagem. E merece uma reflexão o comportamento de uma grande parte dos visitantes desta exposição. Enquanto se chocam e indignam perante a brutalidade exemplificada pela exposição, mantêm-se passivos perante o quotidiano em que exemplos de tortura se multiplicam.Apesar do relatório anual da Amnistia Internacional denunciar, todos os anos, situações de tortura na maios parte dos países do mundo, assiste-se a uma não proporcional modificação e reacção dos cidadãos. Parece que isso da tortura é com os regimes africanos, sul-americanos e asiáticos. Que relevo obteve na opinião pública o relatório recente da Amnistia Internacional sobre a Europa em que é denunciada a prática de tortura e maus tratos em 34 de países europeus ? Não está lá só a Turquia e a Albânia, mas, também, a Dinamarca, Portugal, Suíça, Espanha, etc... . E ainda não é a tortura segundo Foucault...Importa mobilizar fortemente a opinião pública para a não permissão de quaisquer actos de tortura, seja qual for o crime de que uma pessoa é acusada ou suspeita. Não se pode esquecer de que tendo uma posição passiva sobre a tortura está-se a abrir caminho às execuções extra-judiciais, desaparecimentos, pena de morte e outras elementares violações dos direitos humanos.Há que fazer uma severa apreciação dos comportamentos dos governantes e não deixar passar qualquer atitude fomentadora de atropelos aos direitos do cidadão. Ainda, recentemente, tivemos ocasião de assistir às declarações do Presidente da República Portuguesa, Dr. Mário Soares, em visita à China, quando questionado sobre os direitos humanos neste país: “Não estou aqui como ideólogo mas sim como chefe de estado”. Mas não será que a Declaração Universal dos Direitos Humanos compromete todos os Chefes de Estado dos países da ONU?Como diz Edward Peters na História da Tortura “... As sociedades que não reconhecem a dignidade da pessoa humana, ou professam reconhecê-la e não o fazem na prática, ou a reconhecem apenas em circunstâncias extremamente restritas, tornam-se não só sociedades em que existe tortura, mas, também, sociedades nas quais a presença da tortura transforma a própria dignidade humana e, consequentemente, toda a vida individual e social. E uma sociedade que inclui, voluntária ou indiferentemente, entre os seus membros tanto vítimas como torturadores, não deixa, em última instancia, qualquer espaço conceptual ou prático para quem teima em não ser nenhum deles.”Sejamos consequentes. A tortura, como consta do mandato da Amnistia Internacional, tem de merecer uma acção firme de reprovação, exigindo-se, sem malabarismos, o seu fim. É que depois ainda resta a visão de Foucault...
( 1995)

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