terça-feira, 20 de maio de 2008

Desenvolvimento da Indústria Têxtil e do Vestuário

O Desenvolvimento da Indústria Têxtil e do Vestuário Europeu

Em 30 de Maio do corrente ano o Comité Económico e Social Europeu aprovou o parecer INT/289 – CESE 793/2007, relativo ao mercado interno de serviços, que contem muitas questões actuais aplicáveis ao sector têxtil e do vestuário, nomeadamente:…..
- A estabilidade social e a confiança dos consumidores são uma componente essencial da integração europeia;….
- Mas predominam os receios: mais concorrência, piores condições de trabalho, horários de trabalho mais longos e flexíveis, agravamento dos conflitos sociais, aumento das práticas ilegais e reduções salariais. Os sistemas sociais vão confrontar-se com novas dificuldades.....
Fiquemos por aqui nas referências a este importante parecer cujo leitura vivamente recomendo.
Na abordagem a uma panorâmica do sector importa ter presente quatro grandes vertentes:– A utopia do consumidor bem informado.
- A exigência de elevados padrões de ética em todo o ciclo do produto.
- O respeito pelos direitos humanos universalmente consagrados.
- A necessidade duma nova ordem política, social, económica e cultural.
Relativamente à utopia do consumidor bem informado, há hoje a consciência dos percalços no caminho para se lá chegar. Em Abril último, o membro do Conselho Económico e Social Europeu, Dr. Pegado Liz, referiu que existe um paradoxo na Europa: mais informação está a ter menos protecção, já que se quer dar muita informação ao consumidor e este que se desenvencilhe.Por outro lado, é necessário ter em linha de conta que, face à rápida evolução do conhecimento científico e à sua consagração em normas, regulamentos e codificações, não é possível que os consumidores, enquanto normais cidadãos, consigam acompanhar e assimilar toda a informação disponível e do seu interesse. Isto já era previsível há muito tempo. No ano 2000, em artigo que publiquei na revista “O Consumidor” do Instituto do Consumidor de Portugal, previ que o principal problema que se vai colocar aos consumidores no século XXI será a sua incapacidade para compreender as “novidades” que serão tantas e a tal velocidade que a capacidade humana da sua percepção será incapaz de as acompanhar, com a lucidez necessária.Logo, não é possível alegar que o consumidor tem conhecimento, aquando da aquisição, da não conformidade ou limitações de uso de um produto, e suas consequências, sob o pretexto de que este tem a possibilidade teórica de estar informado, já que tal não conformidade ou limitações constavam dos símbolos, das instruções de uso e dos normativos aplicáveis. Dificilmente neste início do século XXI haverá um consumidor bem informado e conhecedor de toda a simbologia e total interpretação dos manuais e normas legais.Particularmente na indústria têxtil e do vestuário, várias questões se colocam no que toca a este aspecto. Ainda recentemente a Associação Têxtil e do Vestuário de Portugal manifestou a sua preocupação relativamente ao não seguimento das regras de concorrência que se está a verificar nos mercados internacionais, incluindo no seio da U.E., além de que se torna imperioso definir claramente as regras de origem. O símbolo made in tem de constituir uma clara definição da origem do produto.Como dificuldade adicional, não é fácil descodificar os símbolos (são pequenos e alguns muito parecidos entre si, apesar de essenciais para não se cometer erros e não se estragar o vestuário), além de que só os conhecedores envolvidos no processo produtivo sabem quais as matérias-primas empregues, as suas limitações e consequências.Neste sentido deve ser melhorada e continuada a menção de todos os elementos que possam facultar uma percepção mais aprofundada das características, composição e efeitos dos constituintes que integram os produtos têxteis e do vestuário.Por outro lado, torna-se necessário aprofundar o conhecimento científico de todos os materiais e processos empregues neste sector produtivo. Este aspecto assume particular relevância numa altura em que se assiste ao desenvolvimento de novas matérias-primas, fruto do desenvolvimento científico e tecnológico (como é a utilização das nanotecnologias e das biotecnologias), não havendo ainda um completo conhecimento das implicações que tais materiais possam vir a ter na saúde e os seus custos ambientais. Não se trata de querer travar a inovação e a incorporação de novas técnicas e materiais, mas sim fazer com que a investigação desses novos produtos seja acompanhada da investigação total das implicações para a saúde e ambiente, observando, por ex: o catálogo de critérios da Oeko-Tex.Neste caminho a seguir para proporcionar aos consumidores a melhoria da qualidade dos produtos têxteis e do vestuário, importa que as novas técnicas e materiais possibilitem, por exemplo, um melhor comportamento à rotura e ao alongamento, uma maior resistência à abrasão, assim como uma maior atenção às variações dimensionais na lavagem e secagem e na estabilidade das cores. É necessário o estabelecimento de parâmetros para todas as características dos materiais empregues na confecção dum produto, cujo conhecimento deve ser possibilitado ao consumidor.Mas importa ter claro que a disponibilização da informação, que deve ser efectuada o mais amplamente possível, não implica que o consumidor tenha a capacidade de assimilar essa informação sem apoio técnico adequado, não se lhe podendo, por tal facto, diminuir os seus direitos em caso de não conformidade dos produtos.A melhor garantia duma boa conformidade de um produto assenta na segunda vertente atrás referida: “A exigência de elevados padrões de ética em todo o ciclo do produto”.É imprescindível que se passe a considerar uma partilha de responsabilidades na análise às especificidades de um produto, tendo de haver em cada participante no ciclo do produto a consciência de que não pode beneficiar do desconhecimento dos outros para introduzir componentes que não são os mais aconselhados.O produtor não deve usar matérias-primas e subsidiárias (fios, corantes, adereços, etc…) que tenham alguma contra-indicação (como por ex: formaldeído, certos polímeros ou metais pesados, que possam causar doenças, alergias ou irritação na pele) ainda que isso o obrigue a acréscimo de custos.O comerciante deve conhecer todas as regras de conformidade dos produtos que comercializa e a sua composição, fazendo notar ao produtor e ao consumidor as menos valias detectadas.O consumidor deve procurar a maior informação possível antes do acto da compra.As entidades fiscalizadoras devem assegurar o correcto cumprimento das instruções de uso e etiquetagem dos produtos.Se isto acontecer a conflituosidade diminuiu e aumenta a confiança nos agentes produtivos e de comercialização.Por outro lado, importa ter presente que a especulação e as elevadas margens de comercialização frequentemente existentes, são factores que não respeitam os padrões de ética a que todos devemos estar subordinados.A questão da exigência de elevados padrões de ética em todo o ciclo do produto liga-se, também, com a terceira vertente: “Respeito pelos direitos humanos universalmente consagrados”. Importa lembrar que os grandes referenciais internacionais de direitos humanos, de que todos os estados da União Europeia são Estado-Parte, consagram o direito a uma remuneração justa e o acesso a mecanismos de protecção na saúde e de segurança social dignos, a um horário de trabalho que permita um são convívio familiar e o acesso à cultura e ao lazer, à necessidade do cumprimento das normas ambientais e do respeito pela natureza, enfim à construção de bases civilizacionais que permitam a realização como seres humanos a todos os consumidores e participantes no processo produtivo.E isto não se aplica somente aos cidadãos da União Europeia, mas deve ser aplicado a toda a Humanidade, ainda que vá obrigar a uma diferente política de preços.O consumidor não pode exigir o melhor produto ao mais baixo preço sem que estejam respeitados todos os direitos de cidadania dos participantes no ciclo do produto.Se o preço tem de ser mais alto para que se respeitam os valores de cidadania então que o seja. Os preços baixos não podem ser obtidos à custa do aviltamento da dignidade humana.A própria Comissão Europeia, no seu relatório intercalar dirigido ao Conselho Europeu da Primavera de 2007 - COM(2007) 60 final, de 21.02.2007, - refere:“…4 – Conclusão …O mercado único é um meio para orientar o crescimento económico e para construir uma Europa competitiva e aberta, uma Europa de mercados dinâmicos e de relações comerciais sãs, que possa garantir a solidariedade, o pleno emprego, o acesso universal aos serviços de interesse geral, um nível elevado de normas sociais e ambientais e níveis elevados de investimento na investigação e educação … ….”Todos sabemos que, infelizmente, no sector têxtil e do vestuário há um grande trabalho a fazer nesta área, numa situação que foi agravada com a abertura de mercados sem cuidar da forma como se desenvolve o processo produtivo em muitos países.O consumo ético tem de fazer levantar bem alto a sua bandeira e os nossos dirigentes políticos e empresariais têm de ter presente que os negócios não são louváveis se forem feitos à custa da dignidade dos seres humanos e de agressões ao meio ambiente.As opções dos consumidores no acto da compra não podem ser somente determinadas pela qualidade do produto e pelo preço, mas têm de ter em conta os outros factores humanos e ambientais presentes no ciclo do produto.Este quadro de referências necessárias à construção sadia dum espaço para o sector têxtil e do vestuário parece não caber na actual ordem mundial.Neste sentido aponta a quarta vertente “Necessidade duma nova ordem política, económica, social e cultural”.Tal tem sido apontado por várias grandes figuras mundiais, após a tomada de consciência de já não se conseguirem soluções para os problemas deste tempo, na actual ordem.Só uma nova ordem pode inverter a dinâmica crescente que se está a instalar na consciência dos consumidores em particular, e dos cidadãos em geral, no sentido de que o poder político é autista e de que as estruturas da União Europeia funcionam numa redoma que não se deixa penetrar pela opinião das pessoas. É o direito à liberdade de escolha do modo de vida que começa a estar em questão.Paralelamente, assiste-se a um aumento de medidas repressivas, não tendo em conta o ensinamento histórico-filosófico de que nunca foi a repressão que mudou o querer das pessoas. O modelo repressivo é ineficaz e, também aqui, os consumidores não devem apelar à repressão como a principal forma de verem garantidos os seus direitos, mas sim, como atrás se disse, ao exercício duma elevada ética de comportamento de todos os que intervêm no ciclo do produto. É preocupante a passividade dos dirigentes perante a conhecida percepção, cada vez mais alargada, das dúvidas dos cidadãos de que muitas das recomendações de acções como esta possam vir a ser tomadas em conta nas decisões políticas da União Europeia, não se reconhecendo sinceridade a grandes propósitos que se proclamam, tais como os atrás referidos no relatório intercalar da Comissão Europeia.As questões técnicas e políticas aqui abordadas podem vir a ser incorporadas nas políticas comunitárias, mas somente quando não colidirem com os grandes interesses que movem as actuais direcções políticas.Não está em causa o esforço humano das pessoas que participam em acções como esta, de todos os que aqui estão presentes e dos intérpretes que nas cabinas desempenham um trabalho crucial para o bom entendimento das intervenções. Todas estas pessoas fazem grandes deslocações e alteram ritmos de vida e de convívio familiar, sendo por isso credoras de reconhecimento.Mas temos a convicção de que os grandes interesses, económico-financeiros e em redor do exercício do poder político, é que determinam as políticas a serem seguidas e não o respeito pelo ambiente e pelos direitos humanos, dos consumidores em particular e dos cidadãos em geral, apesar de se consumirem meios significativos em acções relevantes, como esta, mas de pouca ou nula eficácia.A poetisa portuguesa, falecida há poucos anos, Sofia de Melo Breyner Andresen, já constatava isto quando disse num dos seus poemas:
A civilização em que estamos é tão errada
Que nela o pensamento se desligou da mão
”.

Temos de mudar de caminho.
Outubro de 2007

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