terça-feira, 20 de maio de 2008

As Prisões e o Voluntariado dos Vicentinos

As Prisões e o Voluntariado dos Vicentinos

“……Estive na prisão e vieste ver-me…… Sempre que fizestes isto a um dos meus irmãos mais pequeninos foi a Mim mesmo que fizestes.” (Mt 25, 36-40)

As prisões têm por objectivo, no nosso ordenamento jurídico-constitucional, a protecção dos bens jurídicos e a reinserção dos delinquentes. Mas será que estes objectivos estão a ser conseguidos?Infelizmente a resposta não pode ser positiva. Vejamos porquê, num retrato da situação das prisões na actualidade (Os dados estatísticos referem-se a finais de 2006 e início de 2007).Nos últimos tempos a população prisional em Portugal tem oscilado à volta dos 13.500 reclusos, sendo dos países europeus um dos que tem maior taxa de reclusão (cerca de 130 reclusos por 100.00 habitantes). Para esta população prisional estão directamente afectos cerca de 6.500 funcionários públicos, dos quais 4.600 guardas prisionais. Do total de reclusos 15% eram estrangeiros e as mulheres eram 7% do total de reclusos. A taxa de reincidência era superior a 50%, sendo de cerca de 80% o total de reclusos que cumpria penas superiores a 3 anos. Mais de 50% dos reclusos não tinha ocupação aquando da prisão e 45% eram portadores de doenças na altura do início do cumprimento da pena. A maioria dos crimes (55% nos homens e 80% nas mulheres) estão ligados à droga. Mais de 50% eram toxicodependentes e a maioria continuou a consumir droga no interior das prisões. Cerca de 70% dos reclusos não tem qualquer ocupação e 45% padecia de algum tipo de doença. Os gastos com os serviços de saúde nas prisões são de cerca de 30 milhões de euros anuais e só em medicamentos são gastos mais de 5 milhões de euros por ano, na maioria em psicotrópicos (60% do pessoal médico e paramédico têm vínculo precário). Há cerca de 100 crianças a morarem com as mães nas prisões e um elevado número de crianças, que vivem em liberdade com familiares ou tutores, vão passar o fim de semana com as mães às prisões. A maioria dos reclusos que trabalham nas prisões exercem a actividade de faxinas, com salários inferiores a € 1,00 por hora, praticando as cantinas das prisões preços superiores aos verificados no exterior (nalguns casos superiores em 40%) em artigos necessários aos reclusos. As habilitações literárias dos reclusos variam entre 10% de analfabetos, 40% com o 1º ciclo do ensino básico, 40% com o 2º e 3º ciclos e 10% com formação de ensino secundário e superior. Para este universo existiam em Portugal 52 prisões, nas instâncias judiciais e fiscais portuguesas estavam pendentes cerca de dois milhões de processos e quase 200.000 portugueses encontravam-se afectos a organizações de segurança e justiça.E qual é o retrato que nos é dado por responsáveis pelo sistema de justiça?O Ministro da Justiça, Dr. Alberto Costa, declarou que o sistema penitenciário clássico falhou nos seus propósitos. O Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Dr. António Clunny, expressou que o actual sistema de justiça está fora deste tempo e deste modelo de sociedade. O Dr. Germano Marques da Silva, professor de Direito Penal, manifestou a sua opinião de que a experiência dos últimos 200 anos tem sido um fracasso e que as prisões não reinserem mas, por vezes, fomentam a própria criminalidade, custando, além disso, muito dinheiro. O Padre Georgino Rocha, professor da Universidade Católica, deixa-nos o seguinte retrato: “Enquanto a situação nas prisões estiver como está não nos encontramos em vivência cristã.”É neste quadro que o trabalho vicentino se desenvolve. A imensidão do que há para fazer é bem patente. Em apoio ao trabalho dos capelães prisionais, a ajuda espiritual aos reclusos tem de ser intensificada. Temos de aumentar o trabalho em evitar rupturas familiares provocadas pela reclusão e apoiar a reinserção do recluso após o cumprimento da pena. Temos de ter bem presente a mensagem do Papa Bento XVI para a Quaresma de 2006 cheia de fervor vicentino: “É intolerável a indiferença perante a pobreza e a miséria”Há perspectiva de uma modificação significativa? Com a propensão do Estado em diminuir o seu papel como interveniente na definição dum quadro social assente numa perspectiva humanista (o modelo repressivo é aquele que, actualmente, mais conquista a maioria dos cidadãos) – dois milhões de portugueses vivem em situação de pobreza e nos primeiros 4 anos deste século XXI a Europa dos 15 (a Europa rica) gerou mais um milhão de pobres em cada ano a acrescentar às dezenas de milhões já existentes – importa encontrar resposta para a questão levantada por Frei Bento Domingues:” A quem aproveita o desenvolvimento? Como é possível deixar uns afundados na miséria a outros no luxo?”O arrepiar do caminho que nos está a levar para um beco sem saída, que não reinsere os delinquentes nem assegura a reparação às vítimas (estas são duplamente vítimas – do crime que as afectou e deste sistema de justiça), tem de passar pela prioridade à diminuição da conflituosidade, ao invés do que se tem passado em que a prioridade foi dada aos meios repressivos. A sucessiva dotação de mais meios para a repressão – mais tribunais, mais juízes, mais oficiais de justiça, mais prisões, mais guardas prisionais, mais polícias, mais esquadras, mais multas e mais pesadas, etc… - não tem tido resultados. Se este reforço de meios fosse dedicado a uma política assumida de diminuição da conflituosidade na sociedade os resultados seriam muito melhores em todos os sentidos. A aposta na repressão nunca, ao longo da história, foi o caminho para uma sociedade melhor. Mesmo na actualidade, nos países em que o sistema penal é mais repressivo (China, Rússia, Estados Unidos da América) é onde se verifica maior taxa de criminalidade e de reclusão. Logo, o modelo repressivo não é dissuasor da prática criminosa, quase parecendo provar-se o contrário; quando maior é a repressão maior é a taxa de criminalidade.Temos de colocar a fraternidade como elemento central da nossa relação para com os outros.Os vicentinos vão continuar o seu trabalho de ajuda aos reclusos e reclusas, para que não haja mais crimes nem mais vítimas, e continuarão a ter bem presente a exclamação de Frédéric Ozanam: “Não pode haver dores inconsoláveis nem alegrias exclusivas”. Ou por outras palavras: Por pouco que se tenha deve chegar sempre para ajudar os outros.
Julho de 2007

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