terça-feira, 20 de maio de 2008

Balanço dos 50 Anos da Decl.Univ. Direit.Humanos

Balanço dos 50 Anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos

Há 10 anos atrás, quando iniciamos a comemoração dos 40 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, fiz parte da delegação do Grupo Local da Amnistia Internacional que pediu ao poeta Eugénio de Andrade para participar no cartaz com um poema da sua autoria. E o que escreveu o poeta?
“- É urgente o amor.
- É urgente um barco no mar.
- É urgente destruir certas palavras:Ódio, Solidão, Crueldade,Alguns lamentos,Muitas espadas.”

Não é exactamente este o apelo que emana do texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH)? E qual tem sido a resposta a este apelo, 50 anos após a sua proclamação?E o que diria hoje Eugénio de Andrade se lhe voltássemos a pedir outro poema? Provavelmente, repetiria o mesmo poema.É que, apesar dos avanços registados, não se conseguiu, durante estes 50 anos, definir uma estratégia para que os princípios constantes da DUDH fossem assimilados e assumidos pelos cidadãos de todo o Mundo.Veja-se só o avanço havido no conhecimento científico, no domínio da economia e no desenvolvimento económico para que, de imediato, se concluir que as relações de ética e cidadania não tiveram evolução que se compare.Importa indagar o que terá levado a que a DUDH, principal referencial internacional dos direitos, liberdades, garantias e das relações entre os cidadãos, não tenha tido, passados 50 anos, uma aplicabilidade de grau elevado.Então vejamos:Os princípios da DUDH garantem uma sociedade em que a solidariedade, a liberdade,a tolerância, a igualdade, a justiça social, em suma, a fraternidade verdadeira tenhauma aplicação plena.E o que se passa em Novembro de 1997?A solidariedade é confundida com caridade, independentemente da grandeza desteacto. È que a solidariedade tem de ser entendida como uma partilha (o direito de quemrecebe e a obrigação de quem dá), sendo a caridade um acto de generosidade que trazconsigo, quase sempre, subalternidade.A liberdade tem um preço que é tanto mais alto quanto mais afastado se está do lobby do poder. Um outro novo factor ameaçador da liberdade é a invasão avassaladora da privacidade dos cidadãos, com o recurso sistemático ao registo em bases de dados de aspectos que nada têm a ver com os interesses de defesa da sociedade. É urgente derrubar o “Big Brother” que se está a tornar muito pior do que aquele que Orwell nos descreveu. O valor da liberdade não pode ser colocado ao nível dos valores rasteiros do economicismo que nos domina e asfixia.Sobre a tolerância, nunca é demais realçar o recrudescer da xenofobia e racismo, além de se assistir a uma crispação crescente nas relações entre os cidadãos, geradora de conflitos pessoais cada vez mais frequentes. A solidão, o individualismo e o egoísmo patentes em faixas alargadas são disso prova evidente.A igualdade continua a ser uma utopia. Os orgãos de comunicação social relatam-nos todos os dias situações de desigual tratamento dos cidadãos em que, quase sempre, os mais ricos e poderosos obtêm as maiores benesses.A justiça social continua ainda longe do que aponta a DUDH. Como qualificar as declarações de satisfação de responsáveis políticos da U.E. quando há dias assumiram algumas intenções para não agravar o desemprego - e alguns deles achavam desnecessária uma acção forte para diminuir os cerca de 10% de desempregados europeus, mais de metade desempregados de longa duração que já não terão possibilidade de trabalho estável para o resto da vida? Que desumanidade para mais de 20 milhões de pessoas que vivem num dos espaços mais ricos do mundo? E será que há algum critério de justiça social que justifique que os 20% de cidadãos mais ricos do mundo ganhem 150 vezes mais do que os 20% mais pobres?Então que fazer?É urgente que os princípios afirmados há 50 anos sejam assimilados e assumidos por todos os cidadãos.É urgente que o texto da DUDH esteja presente nos manuais do sistema educativo e seja explicado e difundido por todos os professores e formadores.É urgente que o sentimento de partilha esteja permanentemente no nossos quotidiano. Tal como afirmava o lema rotário de há alguns anos atrás, todo o cidadão deve “Dar de si antes de pensar em si”. Ou como eu digo “Por pouco que se tenha deve chegar sempre para ajudar os outros”.Iniciando-se agora as comemorações do 50º aniversário da DUDH, importa aproveitar a ocasião para honrarmos o legado que os nossos pais e os nossos avós nos deixaram há 50 anos. Sejamos dignos dessa herança. Aquele que não valoriza o que, com muito trabalho , abnegação e sofrimento, lhe foi deixado perde em dignidade e cidadania.Sejamos dignos dos nossos antepassados. Levemos à prática os seus ideais generosos.Comecemos por nós próprios:- Sejamos verticais na nossa conduta!- Sejamos tolerantes para com o nosso semelhante!- Sejamos sinceros nas nossas relações pessoais!- Não sejamos indiferentes, nomeadamente para quem precisa de nós.Assumamos a DUDH como um legado precioso.E ainda que a corrente seja em sentido contrário, ainda que o mundo corra cegamente para a escuridão dos desejos e interesses primários e alienantes, recordemos, novamente, o poeta, o poeta aqui de Coimbra:
“ E mesmo na noite mais triste,
Em tempo de servidão.
Há sempre alguém que resiste,
Há sempre alguém que diz: Não!

Eu estarei nesta corrente.
Coimbra - Dezembro de 1997

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