terça-feira, 20 de maio de 2008

10º Aniversário da Cerâmica do Douro

10º Aniversário da Cerâmica do Douro

Amigos
Permitam V.Exªs que os trate desta forma, mas a razão que hoje nos une aqui coloca-nos em pé de igualdade. As mesas em que estamos sentados devem ser consideradas uma só mesa, pois os que aqui estamos somos aqueles a quem a aniversariante Cerâmica do Douro mais deve a sua razão de ser. Durante estes dez anos, a nossa intervenção foi de tal forma decisiva, que se pode dizer que sem o contributo de cada um de nós a Cerâmica do Douro estaria diminuída ou nem sequer existiria. Não se trata de um exagero e penso que todos, intimamente, sentimos que demos algo de muito importante de nós para esta criança que agora comemora o seu décimo aniversário. O acto de progenitura é sempre um acto de amor, belo, terno, afectivo e corresponde ao anseio que acompanha todos os seres vivos: dar vida, dar continuidade à nossa imagem e semelhança, deixar algo de nós aos vindouros, continuarmos vivos depois de mortos.Na Cerâmica do Douro já existe algo de cada um de nós, e é justo que sintamos orgulho de ter contribuído para o enriquecimento da comunidade, dos seus valores culturais, das suas gentes e dos seus ofícios. Por estas razões, peço desculpa por não fazer qualquer referência individual a algum dos presentes, que seria certamente justa, devida e protocolarmente indicada, mas que me levaria a ter de cometer injustiças involuntárias, já que os méritos dos presentes não poderão ser expressos sómente em palavras de circunstância e os limites de tempo não permitem exaltar os elevados atributos de V.Exªs..Por isso peço que nos sintamos aqui em espírito de fraternidade e que sejamos todos simplesmente, mas profundamente, amigos. Amigos no sentido elevado e exemplificado por uma grande mulher deste século, a que foi 1ª ministro de Israel Golda Meir, ao descobrir o rosto do seu futuro marido, na altura um delicado pintor de tabuletas que lia autores que não os da moda, que ouvia música clássica e que a levava a concertos e conferências. Dizia Golda Meir: ” Ele não é muito bonito mas tem uma bela alma”. Sejamos, então, amigos na beleza da alma que dedicamos ao apoio à cerâmica tradicional e aos seus valores culturais subjacentes.Poderá parecer exagerado o ênfase dado a esta efeméride, relativo a uma entidade que não é mais que um atelier, de dimensão microscópica no universo que nos rodeia. Mas há que ter em conta o objectivo que norteia a sua actividade: dar continuidade à cerâmica tradicional da região Porto-Gaia. E a dimensão do património histórico-cultural que herdamos obriga a que lhe seja dada a devida relevância.Neste sentido, pena é que não haja possibilidade de se ir mais além, já que a cerâmica foi, nos séculos XVIII e XIX, um sector de actividade de grande importância económica, social, cultural e artística. Não podemos maltratar esse legado, e é por isso que todos os que aqui estamos devemos sentirmo-nos orgulhosos do nosso contributo mas, também, e permitam-me esta ousadia, responsáveis conscientes desse contributo e da necessidade dum reforçado empenhamento na defesa dos valores herdados dos nossos antepassados.A vida tem de conter afectividade, emoção, sentimento. Aquilo que nos é deixado por herança deve ser valorizado e não esquecido, pois essa é a melhor forma de reconhecermos e respeitarmos o esforço desses nossos antepassados.Já o nosso grande poeta Luís de Camões dizia sobre o respeito devido pelos feitos dos antepassados:“ Dos ilustres antigos que deixaramTal nome que igualou fama à memória Ficou por luz do tempo a larga históriaDos feitos em que mais se assinalaram”Esta assumpção pela colectividade de respeito e valorização do legado histórico, libertar-nos-à da amargura que também sentiu o poeta perante a insensibilidade de quem ele tanto exaltou:“Foi-se gastando a esperança;Fui entendendo os enganos:Do mal ficaram meus danos,E do bem só a lembrança.”
Amigos:Como são os dez primeiros anos duma criança? Será preciso dizê-lo? Desde o acto da concepção, ao parto, à alimentação especial nos primeiros tempos de vida, ao aprender a falar, a vestir-se , a iniciar-se a andar sem ajudas, a saber comportar-se como adulto.Pois, foi isto por que passou a Cerâmica do Douro.E a evolução na vida desta criança tem-nos afectado a todos.Fornecedores, financiadores e clientes têm cooperado na medida do possível.Os colaboradores (que sabem que os sinto e quero como irmãos e irmãs) têm dado o seu valor, entusiasmo e generosidade além do que é justo, tendo o dom de transformarem em alegria e prazer os sacrifícios que lhes são pedidos, sabendo eu que as condições de trabalho estão longe dum mínimo aceitável . Os amigos vão tendo a compreensão das irregularidades da nossa companhia, aceitando-me sempre, mesmo nunca sabendo se podem contar comigo para as nossas agradáveis tertúlias e convivências, ajudando-me e apoiando-me. A família tem pago uma grande factura e cumprido uma pena imerecida, mas tenho sentido que jamais deixarão de estar comigo. Só a neta e o neto é que deverão dizer bem do avô, pois no pouco tempo que está com eles lá lhes vai ensinando as traquinices que desgostam aos pais. Mas o avô é teimoso e depois de lhes ter ensinado a tocar bombo, ferrinhos e pandeireta, vai ensinar-lhes a dar uso às fisgas e aos piões que lhes ofereceu.Óbviamente, que estas e muitas outras situações me constrangem e me impelem a que, aproveitando esta oportunidade, me penitencie perante todos.Em jeito de balanço destes dez anos, devo confessar que ele está muito aquém do que pensava quando me lancei nesta aventura. E a prova está no facto de ainda se manterem muitas debilidades estruturais, de que a exiguidade das instalações fabris são um exemplo. A dinâmica social está a afastar-se gradualmente dos valores afectivos, corroída e influenciada pela onda do ter pelo ter, do ter mais que o vizinho, do ter muito, do individualismo e do egoísmo, que não conduzem aquilo que todos desejam: a felicidade.Na consciência desta dinâmica, procuramos na Cerâmica do Douro os outros valores, ligados à fraternidade, à solidariedade, à ajuda mútua, à tolerância e ao espírito de sacrifício. É esta filosofia humanista que permitiu, também, chegarmos aqui. Temos tido aborrecimentos, dissabores, contratempos, tristezas e alegrias, mas sabemos, e é reconfortante dizer isto, que se algum dia precisarmos uns dos outros saberemos que podemos contar. Fornecedores, clientes, trabalhadores, amigos, todos os que aqui estamos, podem contar que irei até onde me deixarem. Não é uma promessa, é um compromisso. O trabalho que for necessário fazer far-se-à. Não é a dor do esforço que pesa. Outras faltas pesam muito mais. Já Pedro Homem de Melo dizia no seu poema “Libertação”:
Pesa-me, inteira
A flor que falta
Para a roseira
Ficar mais alta.
Pesa-me a Lua!
E a noite vem,
De espada nua,
Buscar alguém...
Pesa-me a neve.
Ou a montanha?
Dizem que é leve...
Mas é tamanha!
Chumbo ou veludo.
Seja o que for!
Pesa-me tudo
Menos a dor.

Concordo consigo saudoso Prof. Pedro Homem de Melo: Não é a dor que pesa. O que pesa é o que provoca a dor.Ao introduzir aqui esta componente emotiva, afirmo a minha opinião de que as emoções não se medem pela importância das pessoas ou pela maior ou menor dimensão pública daquilo que as provoca. Para quem as vive elas podem ser igualmente intensas quando partilhadas com muitas pessoas ou quando vividas isoladamente. O que importa é o sentido humano que damos aquilo em que participamos. Tenho visto e sentido emoções profundas em pessoas das mais simples dos simples, que tocam intensamente pelo seu carácter autêntico e sincero.Então, encontra-se a justificação para a relevância desta comemoração, É que estes dez anos têm sido ricos e prenhes de emoções. Nem sempre boas, nem sempre agradáveis, mas, também, com o gosto de sentirmos que superamos as dificuldades e vermos confirmado o ditado de que “ Os amigos são para as ocasiões”. E tenho tido amigos. E muitos deles estão hoje aqui comigo.O futuro? O futuro é sempre uma incógnita.Neste caso concreto, o futuro, principalmente o futuro próximo, tem de passar pelo aumento da sensibilidade para os valores culturais, históricos e tradicionais. As globalizações da economia e da sociedade não podem assentar sobre o caixão dos valores identificativos dos povos. A vivência das comunidades deve preservar as suas raízes, não se impondo nem esmagando os valores das outras comunidades. Deve ser reforçada a tolerância, a abertura à permuta, mas nunca o derrube e a aniquilação.Podem contar com a Cerâmica do Douro como contributo para a continuidade da cerâmica tradicional. Assim ela consiga receber o incentivo que lhe permita viver.Pela minha parte continuarei a dar o melhor que posso e sei, apesar de no Outono da vida já não se esperarem grandes sementeiras. Já há algum tempo escrevi sobre isto. E permitam-me que recite a parte final desse poema, começado por “O tempo corre veloz como o vento”:
“....A primavera é passada
O verão já vivi
Apagam-se ilusões no outono da vida”

E é neste Outono em que me situo que vejo a Primavera nascer na recuperação de cerâmica tradicional. Com esta juventude da Cerâmica do Douro, permitam-me um desejo: Deixem-nos chegar a adultos. Quando tivermos de morrer que seja de velhice, não de causa evitável às mãos dos homens.Meus amigosTemos de continuar a apreciar, a cultivar e, sobretudo, a ver, o que merece sê-lo. Não devemos ficar ofuscados pelo império do tem que ser. John Keats, escritor inglês, disse um dia, amargurado, que a análise óptica descoberta por Newton tinha destruído a poesia do arco-íris. Não estou de acordo. O arco-íris continua a ser bonito mesmo conhecendo o seu fenómeno físico. O que é preciso é que nós olhemos com ternura para o arco-íris.O pequeno livro que hoje foi lançado “Cerâmica do Douro e a sua história – Reflexos do tempo”, tem, na sua modéstia, apenas a pretensão de mostrar o potencial de beleza que podemos encontrar em alguns valores tradicionais, de que a cerâmica é um exemplo. Tal como para o arco-íris, olhemo-la com poesia e ternura.
Meus amigos
Agradeço-lhes o calor da vossa presença aqui. A generosidade que tiveram em honrar-me nesta comemoração deixa-me sensibilizado.Deixem-me confessar que o partilharem esta alegria comigo me dá um gosto enorme.É que, perdoem-me a imodéstia, sinto que valeram a pena estes dez anos. Que me sinto contente e satisfeito parece não haver dúvidas. Mas devo-o a todos os presentes e o contributo que me deram e estão a dar, tenho-o em grande apreço.A todos V.Exªs. o meu muito obrigado e a minha disponibilidade para os servir sempre que acharem que possa ser útil.
(Intervenção na sessão comemorativa do 10º aniversário da “Cerâmica do Douro”- Novembro/1999

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