terça-feira, 20 de maio de 2008

O Sistema ... Faliu!

O Sistema Faliu!

"Nada é mais fa1ta de solidariedade que sacralizar textos legais, defender a imobilismo, acostumar-se a conviver com altas taxas de desemprego, sem fazer nada, sem propor alguma solução”(José António Griñan – ex-ministro do Trabalho e Segurança Social da Espanha – “El País” - 26/01/94)
Inúmeros testemunhos se poderiam citar para levantar a questão da falência do sistema (Não só em termos de so1idariedade - o sistema está falido em muitas das suas vertentes!).Como foi possível chegar a esta situação?Façamos uma abordagem a partir dalgumas constatações.
1 - “Durante o ano passado foram catorze os empresários no Alentejo que resolveram despedir-se deste mundo por não poderem satisfazer as hipotecas que recaíam sobre as suas propriedades, as quais acabariam por ir parar à mãos da banca para serem vendidas em hasta pública”(Jornal Expresso 12/02/94).Na óptica de muitos dos nossos dirigentes não se deve dramatizar o facto de as empresas encerrarem. É a consequência da economia de. mercado, da sua falta de adaptação a novas conjunturas ou da sua obsolência tecnológica.As consequências no factor humano são muito menosprezados. Os trabalhadores vão receber subsídio da desemprego e/ou frequentar cursos de formação profissional. Os empresários ou enriquecem no tempo das vacas gordas ou suicidam-se.Tudo isto é assumido com uma frieza arrepiante. O grau afectivo que une os empresários e os trabalhadores nas empresas não conta. A experiência e o saber acumulado deitam-se ao lixo. Os distúrbios da natureza psíquica a económica que atingem as pessoas afectadas, cada um que os resolva. O que interessa é que os critérios de convergência da União económica e monetária sejam atingidos.Esto insensibilidade dos governantes perante os problemas concretos que afectam cada vez mais pessoas 1eva a um afastamento gradual dos cidadãos ante as instituições do poder. É a descrença, a desi1usão, o suicídio.Situações deste tipo são cada vez mais comuns em todos os estratos sociais, com especial incidência naquelas que não estão li­gados a clientelas ou "lobbies". E enquanto se agravam as desigualdades sociais, o poder é cada vez mais generoso para aqueles que o servem. (Veja-se as figuras tristes na formação das listas de candidatos ao Parlamento Europeu). É gritante a falta de solidariedade da c1asse política e das organizações económicas dominantes (Ex: Banca) para com aqueles a quem as consequências dos modelos governativos atira para a valeta.
2 - “É difícil absorver os novos pobres que, em parte, são gerados pelo actual estado de desenvolvimento”.(Ministro Mira Amara1 - Diário de Notícias - 08/03/94)“Os sem-abrigo são o resíduo do sistema”(Dra. Manue1a Morgado - RTP 2 - Novembro de 1993)
Com que desumanidade são encaradas as vítimas dos modelos de “sucesso” perante os seus autores! Como se pode dizer que é difícil absorver os novos pobres e não se muda a forma de desenvolvimento? Como se pode encarar como uma fatalidade sem remédio que o sistema “produza” pobres que são deixados à sua sorte? Como se pode admitir que seres humanos sejam resíduos?É esta sobranceria, com que são vistos as deserdados, que magoa, que desespera, que revolta. Não se admirem que o germen do violência se instale e expluda a qualquer momento. E nessa altura nenhum sistema de autoridade será suficiente. Penso que o poder está a ter consciência disto e não é por acaso que reforça as polícias, os sistemas de vigilância, infiltre os seus agentes nos movimentos cívicos, crie redes de ficheiros pessoais com o objectivo de perseguir os descontentes (A própria Procuradoria Geral da República, em parecer emitido, reconhece legitimidade ao SIS para alguma margem de penetração nas estruturas e grupos sociais paro uma correcta percepção dos sentidos das respectivas movimentações. A missão do SIS é tanto mais útil quanto a antecipação em relação à concretização dos fenómenos, com a apreensão da respectiva génese, permitir a e1iminação de factores de maior nocividade ou uma melhor adequação das decisões ao interesse nacional). Que clareza de objectivos! Mas, apesar de todos os sistemas de governo autoritário assim terem feito não foi por isso que não caíram.Hoje a situação é menos grave pois tal fenómeno alarga-se a todo o mundo. É de crer que, a não se mudarem rapidamente as formas de governação e os mecanismos de relação entre todos os cidadãos, não estaremos longe de grandes e profundas revoltas cívicas, provavelmente com ramificações violentas, com todas as consequências que facilmente se adivinham.Quem governa, quem detém altas responsabilidades, tem a obrigação de evitar a criação de situações extremas e, muito menos, não as poder encarar como uma fatalidade sem so1ução.
3 - “Não há um único país do Mundo onde os direitos humanos não sejam violados”(José Ayola Lasso - Comissário do ONU para os Direitos humanos - Março de 1994)
Estamos perante uma refinada hipocrisia! Então, quando a maior parte dos países da ONU já ratificaram todas as Convenções, Pactos, Tratados e Protocolos sobre direitos humanos, como é possível que um alto responsável produza tal afirmação? E o mais arrepiante é que tal afirmação é verdadeira (o relatório do Amnistia Internacional de 1993 assinala vio1ações de direitos humanos em mais de 160 países).E Portugal está nesse grupo? Na verdade está. E não sá está como pactua, apoia a premeia outros responsáveis de actos abomináveis. Veja-se o que se passou com a forma entusiástica como foi recebido o rei Hassan II de Marrocos, aquando do sua visita ao nosso país em Setembro do ano passado. E foi condecorado assirn como muitos dos membros do seu governo. E não é que Marrocos tem centros de detenção secretos, que aos presos políticos não é dada a garantia de visitas de familiares a advogados, que os ju1gamentos (quando os há) são grosseiramente injustos, etc... E Portugal pactua, apoia e premeia. Como o faz, por ex:, com torcionários como Mobutu, Hafez Al-Assad, Jonas Sovimbi ou José Eduardo dos Santos, assim como muitos outros.Não há ética, não há princípios, não há respeito pelos cidadãos (o relatório da Amnistia Internacional diz que em Portugal os inquéritos sobre vio1ações de direitos humanos são frequentemente lentos e inconclusivos). E aqui estamos perante uma situação ainda mais preocupante pois a indiferença perante este estado das coisa estende-se a grandes estratos da sociedade, que prefere fazer que não vê, não ouve, nem sabe. A1ém da falta de solideriedade para com as vítimas revela-se uma ausência confrangedora de consciência cívica.
4 - “Na próxima reunião do Conselho de Ministros do U.E., De1ors colocará sobre a mesa, para combate à pobreza, uma proposta de dup1icação das verbas - de 55 para 110 mi1hões de ecus - para os próximos cinco anos. Se aquele dinheiro fosse distribuído por todos os pobres. cada um receberia 392 escudos”(Revista Visão - 10/03/94)“É muito grave que os homens gritem por ajuda e sejam apenas os ratos a responder”.(Padre Leonel Oliveira - Revista Visão - 10/03/94)
Haverá imagem mais significativa da demagogia com que são tratados os pobres? Será que os nossos governantes não vêm o descrédito em que caem quando se reunem pare discutir e aprovar programas ridículos? Não sentem que ficam irremediavelmente desacreditados perante quem tome conhecimento destas situações?O que é preocupante é que não vêm, não ouvem, nem sentem. Porque se vissem e sentissem não persistiriam nas mesmas políticas. E o pior é que tais exemplos estão a ser seguidos por outras organizações vocacionadas para a ajuda. É frequente vermos cessar a ajuda por porte dessas organizações sem se preocuparem com as consequências (Veja-se o caso recente da cessação da ajuda aos refugiados por parte da misericórdia da Lisboa).
Muitas outras constatações se poderiam fazer para comprovar a falência do sistema, para mostrar a selva onde vivemos. E todas as forças políticas são responsáveis por esta situação. Todas elas pactuam com a "status quo" apenas se preocupando em tentar retirar os maiores dividendos para as suas cores.A criação de alternativas à actual situação tem de passar por:
a) Desagravamento do leque salarial
É imoral que, quando o desemprego acelera, quando o número de pobres aumento, quando cresce o encerramento de empresas, haja pessoas a ganhar 49 contos por mês, enquanto outras ganham 1.000,2.000 e 3.000 contos. Por muita responsabilidade ou exigência de funções que existam, nada justifica tal disparidade. Na prática da mais elementar solidariedade, tal situação tem de ser corrigida rapidamente.A justiça na distribuição da riqueza não é compatível com essas disparidades.
b) Assumpção da responsabi1idade colectiva nas necessidades básicas da vida dos cidadãos
Infelizmente, temos vindo a assistir a um retrocesso na garantia dos cidadãos ao acesso à satisfação de necessidades básicas. A educação, a saúde, a segurança social, são bens cada vez mais difíceis de obter para a generalidade dos cidadãos. O acesso a estes bens não deve estar dependente de capacidade económica dos utentes. Também aqui, a solidariedade exige que todos tenham igual acesso.
c) Exigência de princípios éticos no exercicío do poder políticoA situação que vivemos, em que é generalizado o compadrio, o favorecimento de familiarea e amigos, sem qualquer justificação, conduz a um abaixamento da qualidade de governação e a um sentimento de frustração de quem se sente marginalizado. O princípio do reconhecimento da capacidade tem de ser claramente prosseguido, sob pena de o Estado deixar de ser respeitado. É o primeiro passo para a desobediência nos mais variados campos ( fiscal, civil, político, etc...).
d) Diminuição do peso partidário na vida po1ítica
É comunmente reconhecido que os partidos políticos assaltaram todos os mecanismos do poder e da administração. A continuar este processo, processa-se a divisão dos cidadãos em dois grupos: os que fazem parte dos partidos políticos e os “marginais”. O admitir esta dicotomia é colocar cidadãos em dois campos. É o fomento da “guerra”. E não nos podemos esquecer da tendência de quem está no poder para se eternizar. Para tal cria mecanismos de protecção, que assumem muitas vezes formas como as utilizadas pelos regimes ditatoriais (Veja-se como o poder tende a defender as forças policiais quando estas são acusadas de brutalidades sobre os cidadãos).Para evitar o estabelecimento da ditadura pluripartidária, têm os partidos políticos de aceitar partilhar o poder com os não partidários.E não abordarei o triste espectáculo rnediático e de marketing em que se transformaram as e1eições (A sua valia democrática é nula nos moldes actuais), já que foge ao âmbito desta comunicação.
e) Humanização das relações entre os indivíduos
Nos últimos tempos tem-se colocado os objectivos, nomeadamente os de natureza económica, como guias da sociedade a que se devem submeter os cidadãos, cometendo o erro grosseiro de não se ver que as pessoas são sentimentos e não coisas.Esta desumanização coloca já a um século de distância a conquista histórica da jornada de trabalho de 8 horas por dia (E há cem anos não se perdiam horas nas deslocações casa-emprego). O planeamento dos objectivos não toma em conta a limitação da exigência da disponibilidade das pessoas para o trabalho, mas considera que enquanto houver trabalho as pessoas têm de estar disponíveis. (Veja-se o que se passa na banca, por ex.).A humanização das relações entre os indivíduos passa pelo princípio de que nenhuma faceta da vida deve subjugar as restantes. A família, o lazer, o trabalho, a distracção, têm de conviver harmoniosamente e não subjugadamente.
A abordagem aqui feita da falência do sistema poderia continuar por uma série quase ininterrupta de situações. Penso que as expostas dão já um contributo para a reflexão e, pelo menos, para criarmos uma vontade firme de parar esta corrida para o precipício.
6 de Abril de 1994

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