terça-feira, 20 de maio de 2008

Quem são os Pais do Big Brother?

Quem são os pais do Big Brother?

Os sinos tocam a rebate! Uma corrente avassaladora de comportamentos que fogem ao padrão do “moralmente correcto” está a pôr os cabelos em pé a um leque alargado de bem pensantes, com eco cada vez mais forte em alguma comunicação social. O Bar da TV e o Big Brother parece que foi a gota que fez transbordar o copo.
E como é que se chegou a tal estado de coisas? Como é que se foi enchendo o copo? Quem é que foi acrescentando conteúdo? Quem ajudou a abrir a caixa de Pandora? Onde estão os responsáveis?
A caracterização dalguns ingredientes que têm vindo a encher o copo não é difícil. Vejamos alguns deles.
O distanciamento cada vez maior entre a lei, a moral e a ética, conduz a que o que importa é ter leis que se adequem aos interesses dominantes, pois tal proporciona a cobertura e a impunidade para os seus procedimentos, sejam eles quais forem. É que o que se ouve nas elevadas instâncias do poder, é a defesa do primado da lei mas não do primado da moral e da ética. E depois ficam impunes os “crimes” das facturas falsas, do Fundo Social Europeu, de Macau e o célebre fax, dos ministros que investem na bolsa em empresas de que têm informação privilegiada, dos pagamentos por fora nas empreitadas de obras públicas, etc... etc..., etc... . A generalização do branqueamento das irregularidades a quem se abriga na corte dos “padrinhos”, utilizando procedimentos legais (prescrições, adiamentos, recursos e, até, alteração do quadro legal se necessário), chega ao cúmulo de se utilizarem de forma criminosa mecanismos que foram criados com fins altruístas e de interesse público. Como exemplo, basta citar que ao abrigo da lei do mecenato, consta-se que algumas entidades que aparecem aos olhos da comunidade como beneméritas, fazem donativos se as instituições que os recebem aceitarem documentos (factura/recibo) do dobro ou triplo do valor, ao que estas acedem pois a sua contabilidade, por serem entidades sem fins lucrativos, enquadra facilmente tal postura. Como os donativos concedidos ao abrigo da lei do mecenato são fortemente majorados, basta fazer as contas para verificar que tais donativos, por dedução no IRS/IRC, se convertem em lucros para quem os faz e possibilita alguns esquemas a quem os recebe. Logo quem é o doador é o cidadão contribuinte sem o saber!
Por outro lado, a governação do mundo, seja qual for a côr política, tem vindo a pautar-se quase só pelos interesses e não pelos princípios, ainda que, hipócritamente, assine e ratifique todos as convenções e tratados acolhendo os valores humanos mais elevados, com os seus dirigentes e ex-dirigentes a encherem páginas dos jornais com uma retórica sublime. Cingindo-me ao caso português , que autoridade moral têm governantes e ex-governantes para virem bradar aos céus, quando, no âmbito das suas funções condecoraram ditadores, torcionários e falsos democratas, como Mobutu, Hassan II e Filipe Gonzalez (não nos esqueçamos da conivência deste ex-primeiro ministro de Espanha na criação dos GAL, que executaram cidadãos bascos com métodos terroristas semelhantes aos que se criticam à ETA)? Que autoridade moral querem ter quando foram responsáveis pelas privatizações de tudo e mais alguma coisa, enfraquecendo o Estado da sua possibilidade de intervenção na gestação de Big Brothers e Bares da TV? Que autoridade moral têm aqueles que defenderam o endeusamento do lucro e andaram (e andam) às palmadinhas nas costas com os tubarões da economia mundial (e o Bar da TV dá lucro)? Que autoridade moral têm aqueles que diminuiram (e diminuem) a importância do vector humanista no sistema de ensino, dizendo que o que precisamos é de mais técnicos e que a prioridade é a sociedade de informação, sem dizerem que o mais importante é sermos melhores pessoas? Que autoridade moral têm aqueles que nada fazem para atenuarem o crescente agravamento do fosso entre ricos e pobres, antes dizem que os políticos estão mal pagos? Quem assim tem procedido (e procede) não são os que estão a gerar o Big Brother e o Bar da TV?
O arrepiar de caminho passa por uma nova abordagem dos valores da sã convivência social e pelo não envolvimento, nesta nova estratégia, de responsáveis coniventes com as causas que nos fizeram chegar a este estado de coisas, de forma a que os novos caminhos não estejam inquinados logo de início.A comunidade não pode continuar a viver num clima de aumento de agressividade e intolerância nos comportamentos quotidianos. Não podemos continuar a assistir passivamente ao desagregar de importantes pilares de sustentação, como por ex., na família (se quiserem chamem-lhe tradicional) e no trabalho (com que desumanidade se assiste ao desmoronar de empresas que eram sustentáculo de valores de cidadania, com base em meros critérios economicistas), correndo o risco de destruição do edifício social.Não podemos continuar a pactuar com a inexistência duma cultura de responsabilidade em todas as esferas de acção, de que os muitos exemplos de leviandade no gerar e criar os filhos são indicadores do egoísmo desumano que prolifera, assistindo-se ao esquecimento no virar de esquina a que são votadas muitas crianças pelos seus progenitores, bastando ver várias situações de divórcio em que os pais e as mães só pensam em si próprios e não nas consequências para os filhos, criando vítimas inocentes.Não podemos continuar a ignorar o terreno pantanoso em que se movem os interesses materiais dos partidos políticos e das empresas que à volta deles gravitam, muitas delas em que altos responsáveis têm interesses directos, incluindo organizações que granjearam respeitabilidade ao longo de anos e agora se tornaram muletas do poder. Sobre estão questão de “Hegemonia do Poder” já há algum tempo escrevi denunciando a promiscuidade entre o poder político e algumas ONG(s). A situação continua a agravar-se.
E depois de tudo isto, que são só meros exemplos, deveremos ter a expectativa de que o poder judicial funcione, de que os professores sejam mestres educativos, de que os cidadãos se relacionem em ambiente de fraternidade? Deveremos ficar, apenas, como consolação, a observar a esperança que ficou sozinha no interior da caixa de Pandora?
É necessário que a mudança seja apoiada em suportes não inquinados, para criar uma justa expectativa de que os referenciais são sólidos e não têm pés de barro.
Neste sentido, os pais do Big Brother e Bar da TV deveriam limitar-se a confessarem os seus pecados, a mostrarem-se arrependidos e a deixarem o caminho livre para quem não tem as mãos sujas.Uma nova dinâmica assente em verdadeiros valores de ética e cidadania tem de emergir rapidamente. Quem estiver disposto a dar-lhe corpo não pode deixar a ribalta para aqueles que são os pais do Big Brother e do Bar da TV.
Abril de 2004

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