2º
Congresso Académico Internacional
Rito
Moderno /Rito Francês
Prancha
A
Igualdade de Género no Rito Moderno /Rito Francês
MMQQII
em todos os vossos graus e qualidades
Congratulando-me
com esta iniciativa da realização do 2º Congresso Académico Internacional do
Rito Moderno/Rito Francês, em que me é dada a oportunidade de abordar a questão
da igualdade de género, que tem de ser enfatizada dada a relevância que, nos
últimos anos, tem vindo a adquirir na opinião pública. Tal relevância não pode
deixar de ser considerada na Maçonaria, já que esta instituição tem a igualdade
como um dos pilares da sua divisa L:.I:.F:. .
A
igualdade de género tem sido objecto de alargado aprofundamento, podendo ter
como definição as linhas gerais já consensualizadas no seio da comunidade
internacional, como colocando os dois géneros humanos, homens e mulheres, em
planos do mesmo nível, eliminando as diferentes formas de desigualdade
desenvolvidas, desde a antiguidade, de patamares com flutuações diversas ao
longo do tempo. Trata-se, agora, de estabelecer uma verdadeira equivalência
social estendida a todo o espectro da identidade dos seres humanos, incluindo a
identidade sexual. Deve-se ter em conta que a identidade natural (sexo), a orientação sexual e a
identidade de género são conceitos diferentes.
Maria Luísa Ribeiro Ferreira, professora catedrática de Filosofia da Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa, tem estado ligada às questões da Filosofia
do Género, constatando que o
termo género é frequentemente
utilizado como uma categoria de análise nas filosofias feministas. Trata-se de
um conceito que começou por ser perspectivado na sua oposição ao sexo.
Este tinha a ver com o biológico e, até meados do século XX, consideravam-se
distintamente dois sexos no universo humano – mulheres e homens. Hoje, as
mutações sociais e culturais, bem como o desenvolvimento da biologia e da
medicina, introduziram alterações nessa fronteira, surgindo novas
categorias que a abalaram – os homossexuais, as lésbicas, os
transsexuais, entraram no discurso quotidiano e no universo científico,
originando uma imensidade de escritos relativos às suas diferenças, à sua
situação e aos seus direitos.
Na visão dicotómica sexo/género, dominante nos
primeiros anos dos Women Studies, o termo sexo aplicava-se ao biológico enquanto o género
dizia respeito a uma construção intelectual.
O
contributo que nesta prancha apresento é, apenas, uma achega para a discussão
em curso na sociedade, não esgotando todos os casos e situações em que verifica
a desigualdade de género.
A
igualdade de género encontra-se consagrada em vários referenciais de direitos
humanos, como sejam a Declaração Universal dos Direitos Humanos (Artº 1º -
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos), a
Constituição da República Portuguesa (Artº 13º - Todos os cidadãos têm a mesma
dignidade social e são iguais perante a lei), assim como a Convenção para a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação da Mulher de 1979 (Artº 10º - Os Estados Partes tomam
todas as medidas apropriadas (…) com o fim de (…) assegurar: (…) a eliminação
de qualquer concepção estereotipada dos papéis dos homens e das mulheres a
todos os níveis e em todas as formas de ensino (…), em particular revendo os
livros e programas escolares (…))
No
Grande Oriente Lusitano, a sua Constituição estatui no seu artigo 1º que “A
Maçonaria é uma Ordem universal, filosófica e progressiva, fundada na Tradição
iniciática, obedecendo aos princípios de Fraternidade e da Tolerância,
constituindo uma aliança de homens livres e de bons costumes, de todas as
raças, nacionalidades e crenças. Todos os restantes artigos estão redigidos na mesma terminologia
masculina, tendo-se de interpretar tal redacção como referindo-se a seres
humanos.
A iniciação de mulheres no Grande
Oriente Lusitano, com base na linha dos referenciais de direitos humanos
referidos, é uma questão de urgente clarificação. Tal clarificação já foi
vivenciada pelo Rotary International, que, até 1987, apenas permitia que homens
fossem membros dos Rotary Clubs. Esta alteração, permitindo a entrada de
mulheres, deveu-se a uma decisão do Supremo Tribunal Federal dos USA no sentido
de que os clubes rotários não podiam impedir a admissão de mulheres desde que
estas cumprissem os mesmos requisitos de admissão para a admissão de homens.
Atualmente, a maioria esmagadora dos clubes rotários incluem mulheres no seu
quadro social, cabendo aos sócios dos clubes a decisão de admissão de qualquer
sócio mas não podendo ser critério de não admissão o facto de se tratar duma
mulher.
A integração das mulheres em todas as
esferas de acção no mundo actual é uma questão consensual, restando, caso a
caso, aceitar a constituição de organizações de composição mista ou de
estruturas separadas de homens e mulheres sob a égide da mesma instituição.
Como exemplos, entre muitos, de organizações de composição mista podem-se citar
as ONG´s de direitos humanos, de defesa do consumidor e de solidariedade
social, tendo estruturas separadas de homens e mulheres, por exemplo, os clubes
desportivos, que têm equipas distintas de cada género. O que já é assumido, por
todas as organizações, quer sejam mistas, quer sejam de estruturas separadas, é a igualdade na dignidade de homens e mulheres.
A questão da igualdade de género tem
tido, nos últimos anos, uma grande dimensão em áreas diversas, sem colocar em
causa o princípio da igualdade na dignidade, quer seja na discriminação na
admissão para o exercício de determinadas funções, nas carreiras profissionais
e sua remuneração, na consideração da maternidade como fator de penalização das
mulheres em determinadas circunstâncias e, como atrás é considerado exemplo de
desigualdade, a possibilidade de constituição de equipas mistas nas competições
desportivas.
Uma das formas que tem vindo a ser
implementada para contornar a desigualdade no acesso de mulheres ao exercício
de determinadas funções é a obrigatoriedade de quotas no preenchimento das
listas estabelecidas para o acesso. Trata-se duma medida que tem aumentado a
percentagem de mulheres nessas funções e nos lugares de topo da hierarquia. Na
minha opinião é uma medida prática mas difícil de sustentar no plano dos
princípios, já que o principal critério para o acesso a determinadas funções
deve ser a competência e não o ser-se homem ou mulher. A aplicar-se tal método
a todo o universo de funções e actividades, as áreas onde as mulheres têm
presença determinante (professorado, estudantes do ensino superior, enfermagem,
etc…) poderão, também, ser questionadas pelos homens reivindicando o
estabelecimento de quotas. Urge aprofundar o estudo deste modelo de quotas como
método de promoção da igualdade de género.
Tendo em conta a evolução histórica
verificada, que levou à consagração jurídica da igualdade de género, sem
reservas ou discriminações, importa questionar a pertinência, na actualidade,
de referenciais jurídicos separados para homens e mulheres, já que a sua
existência pode ser considerada como legitimação da desigualdade de género. Já,
a caracterização de situações particulares de que são portadores alguns seres
humanos exigem protecção específica, como, por exemplo, a gravidez nas
mulheres, a especial vulnerabilidade e imaturidade das crianças ou a situação
das pessoas portadoras de deficiência, independentemente de serem homens ou
mulheres.
Já à questão da remuneração diferenciada
para homens e mulheres, deve-se aplicar o princípio, há muito aceite, de que
para trabalho igual salário igual, pelo que nada há que justifique carreiras
separadas para o exercício das mesmas funções.
Relativamente ao facto da maternidade
poder constituir fator de penalização para as mulheres, trata-se duma grave
assumpção, já que a maternidade tem de ser vista como um nobre contributo para
a sociedade e, como tal, deve ser merecedora de grande consideração, tendo, ao
invés, de ser objecto de apoios que permitam que as mulheres não sofram qualquer
tipo de prejuízo pela sua decisão de enveredarem pela maternidade. Aqui, ainda
é necessário corrigir situações penalizantes, no pré e no pós parto, na
afectação da carreira profissional pela ausência durante a maternidade, na
compensação pela maior solicitação dos bebés durante os primeiros tempos de
vida, etc…
Questão diferente é a da existência de
equipas mistas nas competições desportivas, em que está vedada a pertença de
homens nas equipas femininas e de mulheres nas equipas masculinas. Aplicando os
referenciais jurídicos atrás mencionados, tais impedimentos poderão vir a ter o
mesmo tratamento entendido pelo Supremo Tribunal Federal dos USA na admissão de
mulheres em Rotary. As associações são livres na definição dos critérios para
admissão dos seus associados e praticantes das suas atividades, mas esses critérios
não poderão conter o género dos praticantes como condição para a inscrição como
associado e exercício da prática das actividades a que se dedica a associação,
não podendo ser proibido que uma mulher ou um homem se inscreva numa equipa com
pessoas do outro género se dispuser dos requisitos técnicos e de qualidade
performativa exigidos .
Uma outra área em que se assiste a
grande polémica na consideração da igualdade de género é no seio de algumas
confissões religiosas, nomeadamente da Igreja Católica. A questão da admissão
das mulheres ao exercício de funções clericais está na ordem do dia e a própria
hierarquia da Igreja não apresenta fundamentos consistentes para o impedimento
do acesso das mulheres ao sacerdócio.
Esta questão de igualdade de género tem
de ser vista sem recurso a fundamentalismos históricos, religiosos, culturais
ou outros. Tem-se visto, quer do lado da quem apoia a igualdade, quer do lado
de quem quer a desigualdade, posições destituídas do mais elementar bom senso.
Quer o lobby LGBTI+, quer as correntes conservadoras de algumas religiões, por
exemplo, têm de ser mais respeitosos na consideração de quem se encontra em
campos diferentes, procurando espaços de sã convivência e não de confronto. A
moda actual da consideração de exigência da linguagem inclusiva em todas as
formulações é excessiva e desnecessária.
Em suma, importa, sempre, ver se a
imposição da igualdade absoluta pode colidir com a liberdade de associação.
Todas as pessoas devem ser livres de se associarem com quem entenderem, tendo a
liberdade de admitirem homens ou mulheres no seu relacionamento, não podendo
serem impedidas de tal. As associações também são livres de estabelecerem as
condições para o recrutamento dos seus associados mas não podem considerar
descriminar o género como elemento para a pertença.
Na consideração da igualdade de género deve-se
respeitar as formas de representação de cada género e as
relações entre os géneros devem-se pautar pela liberdade do seu exercício,
tendo que considerar-se o respeito pela moral social, pelo que, por exemplo, o
exercício da identidade sexual deve ser respeitado desde que em privado, entre
adultos e com mútuo consentimento, com sentido de responsabilidade e de
consciência para com as consequências.
Tendo
em conta esta reflexão, o Grande Oriente Lusitano tem de considerar rever os
seus normativos, substituindo a expressão homens por seres humanos,
possibilitando a admissão de mulheres e deixando à decisão das lojas o
recrutamento de membros para o seu quadro, homens ou mulheres, sem
obrigatoriedade de admissão, sem quotas e sem critérios que possam excluir
qualquer dos géneros. Tais princípios deveriam, também, ser observados por
outras Obediências e Grandes Lojas, masculinas ou femininas.
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