sábado, 11 de maio de 2019

Igualdade de Género


2º Congresso Académico Internacional
Rito Moderno /Rito Francês
Prancha
A Igualdade de Género no Rito Moderno /Rito Francês
MMQQII em todos os vossos graus e qualidades
Congratulando-me com esta iniciativa da realização do 2º Congresso Académico Internacional do Rito Moderno/Rito Francês, em que me é dada a oportunidade de abordar a questão da igualdade de género, que tem de ser enfatizada dada a relevância que, nos últimos anos, tem vindo a adquirir na opinião pública. Tal relevância não pode deixar de ser considerada na Maçonaria, já que esta instituição tem a igualdade como um dos pilares da sua divisa L:.I:.F:. .
A igualdade de género tem sido objecto de alargado aprofundamento, podendo ter como definição as linhas gerais já consensualizadas no seio da comunidade internacional, como colocando os dois géneros humanos, homens e mulheres, em planos do mesmo nível, eliminando as diferentes formas de desigualdade desenvolvidas, desde a antiguidade, de patamares com flutuações diversas ao longo do tempo. Trata-se, agora, de estabelecer uma verdadeira equivalência social estendida a todo o espectro da identidade dos seres humanos, incluindo a identidade sexual. Deve-se ter em conta que a identidade natural (sexo), a orientação sexual e a identidade de género são conceitos diferentes.
Maria Luísa Ribeiro Ferreira, professora catedrática de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tem estado ligada às questões da Filosofia do Género, constatando que o termo género é frequentemente utilizado como uma categoria de análise nas filosofias feministas. Trata-se de um conceito que começou por ser  perspectivado na sua oposição ao sexo. Este tinha a ver com o biológico e, até meados do século XX, consideravam-se distintamente dois sexos no universo humano – mulheres e homens. Hoje, as mutações sociais e culturais, bem como o desenvolvimento da biologia e da medicina, introduziram  alterações nessa fronteira, surgindo novas categorias que  a abalaram – os homossexuais, as lésbicas, os transsexuais, entraram no discurso quotidiano e no universo científico, originando uma imensidade de escritos relativos às suas diferenças, à sua situação e aos seus direitos.
Na visão dicotómica sexo/género, dominante nos primeiros anos dos Women Studies, o termo sexo aplicava-se ao biológico enquanto o género dizia respeito a uma construção intelectual.

O contributo que nesta prancha apresento é, apenas, uma achega para a discussão em curso na sociedade, não esgotando todos os casos e situações em que verifica a desigualdade de género.
A igualdade de género encontra-se consagrada em vários referenciais de direitos humanos, como sejam a Declaração Universal dos Direitos Humanos (Artº 1º - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos), a Constituição da República Portuguesa (Artº 13º - Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei), assim como a  Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação da Mulher de 1979 (Artº 10º - Os Estados Partes tomam todas as medidas apropriadas (…) com o fim de (…) assegurar: (…) a eliminação de qualquer concepção estereotipada dos papéis dos homens e das mulheres a todos os níveis e em todas as formas de ensino (…), em particular revendo os livros e programas escolares (…))
No Grande Oriente Lusitano, a sua Constituição estatui no seu artigo 1º que “A Maçonaria é uma Ordem universal, filosófica e progressiva, fundada na Tradição iniciática, obedecendo aos princípios de Fraternidade e da Tolerância, constituindo uma aliança de homens livres e de bons costumes, de todas as raças, nacionalidades e crenças. Todos os restantes artigos estão redigidos na mesma terminologia masculina, tendo-se de interpretar tal redacção como referindo-se a seres humanos.
A iniciação de mulheres no Grande Oriente Lusitano, com base na linha dos referenciais de direitos humanos referidos, é uma questão de urgente clarificação. Tal clarificação já foi vivenciada pelo Rotary International, que, até 1987, apenas permitia que homens fossem membros dos Rotary Clubs. Esta alteração, permitindo a entrada de mulheres, deveu-se a uma decisão do Supremo Tribunal Federal dos USA no sentido de que os clubes rotários não podiam impedir a admissão de mulheres desde que estas cumprissem os mesmos requisitos de admissão para a admissão de homens. Atualmente, a maioria esmagadora dos clubes rotários incluem mulheres no seu quadro social, cabendo aos sócios dos clubes a decisão de admissão de qualquer sócio mas não podendo ser critério de não admissão o facto de se tratar duma mulher.
A integração das mulheres em todas as esferas de acção no mundo actual é uma questão consensual, restando, caso a caso, aceitar a constituição de organizações de composição mista ou de estruturas separadas de homens e mulheres sob a égide da mesma instituição. Como exemplos, entre muitos, de organizações de composição mista podem-se citar as ONG´s de direitos humanos, de defesa do consumidor e de solidariedade social, tendo estruturas separadas de homens e mulheres, por exemplo, os clubes desportivos, que têm equipas distintas de cada género. O que já é assumido, por todas as organizações, quer sejam mistas, quer sejam de estruturas separadas, é a igualdade na dignidade de homens e mulheres.
A questão da igualdade de género tem tido, nos últimos anos, uma grande dimensão em áreas diversas, sem colocar em causa o princípio da igualdade na dignidade, quer seja na discriminação na admissão para o exercício de determinadas funções, nas carreiras profissionais e sua remuneração, na consideração da maternidade como fator de penalização das mulheres em determinadas circunstâncias e, como atrás é considerado exemplo de desigualdade, a possibilidade de constituição de equipas mistas nas competições desportivas. 
Uma das formas que tem vindo a ser implementada para contornar a desigualdade no acesso de mulheres ao exercício de determinadas funções é a obrigatoriedade de quotas no preenchimento das listas estabelecidas para o acesso. Trata-se duma medida que tem aumentado a percentagem de mulheres nessas funções e nos lugares de topo da hierarquia. Na minha opinião é uma medida prática mas difícil de sustentar no plano dos princípios, já que o principal critério para o acesso a determinadas funções deve ser a competência e não o ser-se homem ou mulher. A aplicar-se tal método a todo o universo de funções e actividades, as áreas onde as mulheres têm presença determinante (professorado, estudantes do ensino superior, enfermagem, etc…) poderão, também, ser questionadas pelos homens reivindicando o estabelecimento de quotas. Urge aprofundar o estudo deste modelo de quotas como método de promoção da igualdade de género.
Tendo em conta a evolução histórica verificada, que levou à consagração jurídica da igualdade de género, sem reservas ou discriminações, importa questionar a pertinência, na actualidade, de referenciais jurídicos separados para homens e mulheres, já que a sua existência pode ser considerada como legitimação da desigualdade de género. Já, a caracterização de situações particulares de que são portadores alguns seres humanos exigem protecção específica, como, por exemplo, a gravidez nas mulheres, a especial vulnerabilidade e imaturidade das crianças ou a situação das pessoas portadoras de deficiência, independentemente de serem homens ou mulheres.
Já à questão da remuneração diferenciada para homens e mulheres, deve-se aplicar o princípio, há muito aceite, de que para trabalho igual salário igual, pelo que nada há que justifique carreiras separadas para o exercício das mesmas funções.
Relativamente ao facto da maternidade poder constituir fator de penalização para as mulheres, trata-se duma grave assumpção, já que a maternidade tem de ser vista como um nobre contributo para a sociedade e, como tal, deve ser merecedora de grande consideração, tendo, ao invés, de ser objecto de apoios que permitam que as mulheres não sofram qualquer tipo de prejuízo pela sua decisão de enveredarem pela maternidade. Aqui, ainda é necessário corrigir situações penalizantes, no pré e no pós parto, na afectação da carreira profissional pela ausência durante a maternidade, na compensação pela maior solicitação dos bebés durante os primeiros tempos de vida, etc…   
Questão diferente é a da existência de equipas mistas nas competições desportivas, em que está vedada a pertença de homens nas equipas femininas e de mulheres nas equipas masculinas. Aplicando os referenciais jurídicos atrás mencionados, tais impedimentos poderão vir a ter o mesmo tratamento entendido pelo Supremo Tribunal Federal dos USA na admissão de mulheres em Rotary. As associações são livres na definição dos critérios para admissão dos seus associados e praticantes das suas atividades, mas esses critérios não poderão conter o género dos praticantes como condição para a inscrição como associado e exercício da prática das actividades a que se dedica a associação, não podendo ser proibido que uma mulher ou um homem se inscreva numa equipa com pessoas do outro género se dispuser dos requisitos técnicos e de qualidade performativa exigidos .
Uma outra área em que se assiste a grande polémica na consideração da igualdade de género é no seio de algumas confissões religiosas, nomeadamente da Igreja Católica. A questão da admissão das mulheres ao exercício de funções clericais está na ordem do dia e a própria hierarquia da Igreja não apresenta fundamentos consistentes para o impedimento do acesso das mulheres ao sacerdócio. 
Esta questão de igualdade de género tem de ser vista sem recurso a fundamentalismos históricos, religiosos, culturais ou outros. Tem-se visto, quer do lado da quem apoia a igualdade, quer do lado de quem quer a desigualdade, posições destituídas do mais elementar bom senso. Quer o lobby LGBTI+, quer as correntes conservadoras de algumas religiões, por exemplo, têm de ser mais respeitosos na consideração de quem se encontra em campos diferentes, procurando espaços de sã convivência e não de confronto. A moda actual da consideração de exigência da linguagem inclusiva em todas as formulações é excessiva e desnecessária.
Em suma, importa, sempre, ver se a imposição da igualdade absoluta pode colidir com a liberdade de associação. Todas as pessoas devem ser livres de se associarem com quem entenderem, tendo a liberdade de admitirem homens ou mulheres no seu relacionamento, não podendo serem impedidas de tal. As associações também são livres de estabelecerem as condições para o recrutamento dos seus associados mas não podem considerar descriminar o género como elemento para a pertença.
 Na consideração da igualdade de género deve-se respeitar as formas de representação de cada género e as relações entre os géneros devem-se pautar pela liberdade do seu exercício, tendo que considerar-se o respeito pela moral social, pelo que, por exemplo, o exercício da identidade sexual deve ser respeitado desde que em privado, entre adultos e com mútuo consentimento, com sentido de responsabilidade e de consciência para com as consequências.

Tendo em conta esta reflexão, o Grande Oriente Lusitano tem de considerar rever os seus normativos, substituindo a expressão homens por seres humanos, possibilitando a admissão de mulheres e deixando à decisão das lojas o recrutamento de membros para o seu quadro, homens ou mulheres, sem obrigatoriedade de admissão, sem quotas e sem critérios que possam excluir qualquer dos géneros. Tais princípios deveriam, também, ser observados por outras Obediências e Grandes Lojas, masculinas ou femininas.

 12/05/2019


Sem comentários: