quinta-feira, 7 de julho de 2011

Sanguessugas

Uma sanguessuga é um anelídeo que se alimenta de sangue das suas vítimas, podendo ingerir uma quantidade de sangue 10 vezes superior ao seu próprio volume.
O Padre António Vieira nos seus sermões utilizava frequentemente uma linguagem figurada, em que se dirigia aos animais com o propósito de neles fazer figurar os homens (Sermão de S. António aos Peixes, por exemplo).
Nos tempos actuais apetece utilizar o mesmo estilo para caracterizar um comportamento de muitas pessoas que se assemelha à sanguessuga. Trata-se da forma vampiresca e parasitária com que muitos negociantes do sofrimento humano se atiram aos despojos das penhoras e leilões de bens de pessoas que se viram impossibilitadas de satisfazer os seus compromissos.
É revoltante o que se tem vindo a assistir e que a comunicação social dá conta. Face à crise económica e aos imprevistos com que muitas famílias são confrontadas, de que o desemprego involuntário é o flagelo mais visível, são frequentes os leilões em que casas, mobílias, livros, electrodomésticos, automóveis e todos os outros bens que fazem parte corrente da vida nos nossos dias, são postos à venda por valores que são um autêntico esbulho, sendo indiferente o sofrimento que se está a causar a quem ao longo do tempo foi estabelecendo relações de necessidade e afecto com os seus pertences. E é ver o contentamento das “sanguessugas” que se aproveitam dessas situações de aflição, exultando por terem feito um bom negócio comprando por tuta e meia aquilo que levou muito tempo a ser integrado no património das agora infelizes e desprezadas vítimas, que vêm fugir o que é seu sem que se lhes possa assacar culpa dolosa. Será que essas sanguessugas não têm noção do oportunismo parasitário do seu comportamento? Será que conseguem não pensar que os bens, que obtiveram por vias que se têm de classificar como não éticas, tiveram uma relação afectiva com os anteriores donos que deles se viram desapossados a muito custo? Quem consegue usufruir dum bem, sem preocupações de consciência, obtido à custa do sofrimento de outras pessoas? Só as sanguessugas. E não é que o Estado é um dos que participa nestes actos censuráveis, fazendo leilões de bens penhorados pelas finanças e pela segurança social, sem consideração pela situação aflitiva em que coloca as pessoas espoliadas dos seus bens?! Pobre Estado que nem é capaz de construir uma outra forma de resolver os conflitos gerados sem culpa das vítimas que não seja o esbulho e o saque.
Para que tais situações possam ter um tratamento que respeite os valores humanos que devem nortear a vida em sociedade, importa que as pessoas que ainda são possuidoras de sentimentos de solidariedade, caridade e amor ao próximo denunciem esses leilões, não participem neles, não comprem o que lá se quer vender ou vendeu e sensibilizem os que lhes estão próximos para a desumanidade subjacente a tal negócio.
A forma de ajudar quem está a passar por situações difíceis não é retirar-lhes os seus bens que lhes custou muito sangue, suor e lágrimas.
Num país que se diz cristão será que os portugueses pensam que Jesus Cristo abençoaria estes fazedores de negócios, estas sanguessugas?
Estamos a viver em tempo de trevas.

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