Conheci o Maciel há muitos anos e desde logo se criou entre nós uma empatia que se tem mantido ao longo destes anos.
E
o que é têm sido os nossos encontros semanais no estabelecimento prisional? E
foram muitas centenas de encontros, o que me permitiu conhecê-lo melhor do que
quem tem permitido o renovar das medidas de segurança a que o Maciel foi
sujeito.
Sempre
encontros de amigos, amizade que se foi reforçando com o passar do tempo. Não é por acaso que a revista mensal
“Escalada” do Conselho Central do Porto da Sociedade de S. Vicente de Paulo
inseriu, em todos os números desde há muitos anos, as muitas poesias, desenhos
e textos que o Maciel escreveu.
É
que o Maciel, além de ser uma pessoa pacífica, foi um grande artista das artes
e das letras, com trabalhos de pintura e escultura de uma criatividade que
ombreia com os bons artistas, manifestando uma inteligência invulgar.
A
doença de que padecia, que esteve na base da sua condenação penal, é hoje
considerada por eminentes psiquiatras como tratável em liberdade, se
acompanhada clinicamente e enquadrada em condições de natureza social. Mas
parte da sociedade em que vivemos preferiu atirá-lo para a prisão, condenando-o
ao invés de o ajudar e tratar, esquecendo os princípios cristãos do perdão e da
misericórdia. E o Maciel acabou por ser mais uma vítima deste modelo de
sociedade punitiva, policial, repressiva e não cristã, como o Papa Francisco
tanto tem denunciado, sendo os reclusos componente frequente das suas
intervenções pontifícias. Na mesma linha vão os relatórios de instâncias
nacionais e internacionais de direitos humanos, mas muita da nossa sociedade
prefere a vingança, a punição e o castigo em vez do perdão e da misericórdia
que são os pilares do cristianismo como raiz antropológica dessa mesma
sociedade.
Há
três semanas, durante a celebração da palavra que decorreu num sábado de manhã
no estabelecimento prisional, pedi a um seu companheiro recluso para fazer uma
oração pela recuperação do Maciel. Esse companheiro, durante largos minutos,
evocou a personalidade do Maciel, exaltando a sua disponibilidade de ajuda para
com os outros, a inexistência de qualquer conflitualidade com os restantes
companheiros e a sua dedicação aos seus gostos artísticos, à leitura e à
introspeção. E foi com emoção que vi, no final da oração, todos os reclusos
presentes na celebração, se levantarem e aplaudirem espontaneamente o que tinha
sido dito.
Durante
muitos anos o Maciel esteve sozinho numa cela, o que lhe permitia o sossego e a
privacidade que a sua personalidade necessitava. Mas no ano passado ele foi
transferido para o anexo da prisão conhecido por Casa de Santo André, compartilhando
a cela com outros reclusos. Isto deixou-o entristecido e ele que raramente se
queixava das condições do estabelecimento prisional, manifestou-me que não
gostou dessa alteração, nunca mais se dedicando ao trabalho de escultura,
apenas fazendo alguns textos para publicação na “Escalada”. E como ele ficava
contente quando eu lhe dava a revista e ele via o seu nome como autor.
Em
finais do ano passado os seus companheiros informaram-me da sua transferência
para o Hospital Magalhães Lemos. Como estávamos em tempo de restrição de
visitas, em consequência da Covid19, não pude visitá-lo nas semanas seguintes.
Quando as visitas foram retomadas, fomos informados da sua transferência para o
Hospital de Santo António, onde passei a visitá-lo. Logo que me apercebi do seu
estado fiquei indignado, por razões que não quero aqui expor. As informações
clínicas que fui obtendo não eram nada tranquilizadoras (tuberculose
disseminada por vários ógãos), até que se deu o desfecho que nos une, hoje,
aqui.
Aqui,
na Terra, você não será esquecido. Se o merecermos, voltaremos a revê-lo na
eternidade.
Manuel
Hipólito Almeida dos Santos – Presidente da O.V.A.R – Obra Vicentina de Auxílio
aos Reclusos – Sociedade de S. Vicente de Paulo
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