quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Elogio fúnebre - Maciel Dias Costa

 Conheci o Maciel há muitos anos e desde logo se criou entre nós uma empatia que se tem mantido ao longo destes anos.

E o que é têm sido os nossos encontros semanais no estabelecimento prisional? E foram muitas centenas de encontros, o que me permitiu conhecê-lo melhor do que quem tem permitido o renovar das medidas de segurança a que o Maciel foi sujeito.

Sempre encontros de amigos, amizade que se foi reforçando com o passar do tempo.  Não é por acaso que a revista mensal “Escalada” do Conselho Central do Porto da Sociedade de S. Vicente de Paulo inseriu, em todos os números desde há muitos anos, as muitas poesias, desenhos e textos que o Maciel escreveu.

É que o Maciel, além de ser uma pessoa pacífica, foi um grande artista das artes e das letras, com trabalhos de pintura e escultura de uma criatividade que ombreia com os bons artistas, manifestando uma inteligência invulgar. 

A doença de que padecia, que esteve na base da sua condenação penal, é hoje considerada por eminentes psiquiatras como tratável em liberdade, se acompanhada clinicamente e enquadrada em condições de natureza social. Mas parte da sociedade em que vivemos preferiu atirá-lo para a prisão, condenando-o ao invés de o ajudar e tratar, esquecendo os princípios cristãos do perdão e da misericórdia. E o Maciel acabou por ser mais uma vítima deste modelo de sociedade punitiva, policial, repressiva e não cristã, como o Papa Francisco tanto tem denunciado, sendo os reclusos componente frequente das suas intervenções pontifícias. Na mesma linha vão os relatórios de instâncias nacionais e internacionais de direitos humanos, mas muita da nossa sociedade prefere a vingança, a punição e o castigo em vez do perdão e da misericórdia que são os pilares do cristianismo como raiz antropológica dessa mesma sociedade. 

Há três semanas, durante a celebração da palavra que decorreu num sábado de manhã no estabelecimento prisional, pedi a um seu companheiro recluso para fazer uma oração pela recuperação do Maciel. Esse companheiro, durante largos minutos, evocou a personalidade do Maciel, exaltando a sua disponibilidade de ajuda para com os outros, a inexistência de qualquer conflitualidade com os restantes companheiros e a sua dedicação aos seus gostos artísticos, à leitura e à introspeção. E foi com emoção que vi, no final da oração, todos os reclusos presentes na celebração, se levantarem e aplaudirem espontaneamente o que tinha sido dito.

Durante muitos anos o Maciel esteve sozinho numa cela, o que lhe permitia o sossego e a privacidade que a sua personalidade necessitava. Mas no ano passado ele foi transferido para o anexo da prisão conhecido por Casa de Santo André, compartilhando a cela com outros reclusos. Isto deixou-o entristecido e ele que raramente se queixava das condições do estabelecimento prisional, manifestou-me que não gostou dessa alteração, nunca mais se dedicando ao trabalho de escultura, apenas fazendo alguns textos para publicação na “Escalada”. E como ele ficava contente quando eu lhe dava a revista e ele via o seu nome como autor.

Em finais do ano passado os seus companheiros informaram-me da sua transferência para o Hospital Magalhães Lemos. Como estávamos em tempo de restrição de visitas, em consequência da Covid19, não pude visitá-lo nas semanas seguintes. Quando as visitas foram retomadas, fomos informados da sua transferência para o Hospital de Santo António, onde passei a visitá-lo. Logo que me apercebi do seu estado fiquei indignado, por razões que não quero aqui expor. As informações clínicas que fui obtendo não eram nada tranquilizadoras (tuberculose disseminada por vários ógãos), até que se deu o desfecho que nos une, hoje, aqui. 

 Meu caro Maciel: O Deus em que você acreditava certamente que o recebeu fraternalmente para lhe dar o descanso que você merece.

Aqui, na Terra, você não será esquecido. Se o merecermos, voltaremos a revê-lo na eternidade.

 15.02.2022

Manuel Hipólito Almeida dos Santos – Presidente da O.V.A.R – Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos – Sociedade de S. Vicente de Paulo

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