A promoção
da dignidade humana tem mobilizado um conjunto alargado de entidades,
nomeadamente desde a segunda metade do século XX, na sequência da proclamação,
em 10 de Dezembro de 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela
Organização das Nações Unidas. O mundo assistiu, a partir daí, ao crescimento
de organizações, ditas do terceiro sector, a um ritmo e dimensão tais que as
tornaram um pilar fundamental da vida em sociedade. Além das obediências
maçónicas, assistiu-se ao florescimento de associações de direitos humanos, ecologistas
ou de defesa do consumidor, até às fundações, instituições de solidariedade
social e agremiações de beneficência, dispondo estas organizações, hoje, dum
poder que as torna apetecidas por quem detém o comando governamental dos mais
variados países. Muitas delas são já parte de ramificações internacionais que
as tornam verdadeiras multinacionais da sua área de actividade, ombreando em
capacidade de influência com muitas multinacionais da economia com fins
lucrativos. Não é por acaso que estas se envolveram nos últimos anos com
entidades de políticas de responsabilidade social. O seu crescimento, a nível
nacional e internacional, tornaram-nas incontornáveis para os mais diferentes
governos, primeiro como organizações temidas e recentemente como parceiras.
Esta sua evolução deixa em aberto respostas para muitos dos problemas que
rodeiam o mundo na atualidade.
Chegados
ao segundo decénio do século XXI interessante é verificar alguns passos da
evolução histórica destas organizações, assim como perspectivar o seu papel no
futuro próximo, nomeadamente nas que se ligam aos direitos, liberdades e
garantias. Tendo muitas dessas organizações nascido ligadas a nobres
objectivos, esse seu cordão umbilical tem-lhes garantido a sobrevivência,
apoiada em actividades que fazem a ponte entre o passado e o presente. No
entanto, mesmo que algumas das actividades que desenvolvem continuem a ser de
interesse para comunidade, a sua existência tem-se vindo a tornar de grande
relevância para a credibilização do sistema político ainda vigente na maioria
dos países do mundo (pretensamente democrático), tonando-se numa muleta
fundamental para a sustentação do modelo político-económico-social ainda em
vigor, nomeadamente na generalidade do mundo ocidental, perdendo o estatuto
reconhecido, ainda não há muito tempo, de organizações isentas, independentes e
imparciais, temidas pelas instâncias governamentais. Não é por acaso que estão
a passar de organizações temidas e respeitadas para parceiros que contestam
alguns aspetos mas não põem em causa os pilares do sistema. Assim sendo, é
esperança vã que elas possam ser protagonistas de primeira linha numa tentativa
de melhoria significativa do actual modelo de sociedade, expectativa esta
agravada pelas alterações que se estão a verificar no comprometimento, para com
os direitos humanos, de governos recentemente eleitos.
Na época dourada da
explosão do activismo genuíno (dos anos setenta aos anos noventa do século
passado), muitas ONGs nasceram fruto da constatação da necessidade da sua
existência para pressionar o poder político, no sentido das causas que estavam
na sua identidade pudessem merecer uma maior atenção, como entidades
específicas de âmbito nacional ou como ramos de organizações internacionais já
existentes na área de intervenção. A Maçonaria, também, tem tido um crescimento
notável em tempos recentes.
A esta mudança do
paradigma de funcionamento não escapam organizações que granjearam
credibilidade e cujo prestígio obtido permite ainda alguma notoriedade pública.
Quase se pode dizer que vivem à custa do capital de reconhecimento alcançado no
passado. São disto exemplo ONGs de direitos humanos, sindicais, de defesa do consumidor,
de serviço à comunidade e de certas obediências da Maçonaria, cujas práticas
utilizadas, na importância que é dada à sobrevivência institucional, à gestão
financeira, aos modelos tecnocráticos da nova onda da governança, à angariação
de fundos e à constituição de provisões e aplicações financeiras de montantes
excessivos e em instituições financeiras de duvidosa postura ética, ou no
recrutamento de novos membros/associados sem identidade ideológica, quase faz
parecer que o que é importante é ter muitos associados e o recebimento do valor
da jóia e quotas, ou, ainda, utilizando na sua estrutura de funcionamento
posturas pouco recomendáveis na gestão de pessoal, recorrendo a trabalhadores
precários e/ou independentes ao arrepio das funções efectivamente exercidas.
Muitas das organizações estão a passar de organizações fraternas a organizações
quase sem calor, sem afecto, sem amor, sem alma, tratando as temáticas do seu
objecto social quase de forma tecnocrática, com recurso a trabalhadores
pressionados e desmotivados. Também, aqui, essas organizações, tal como os
governos, estão a hipotecar a coragem ao medo da opinião pública, não tendo em
conta o alerta do maçon e presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, na altura da
II guerra mundial: “Aquilo que mais devemos temer é o nosso próprio medo”.
Para a afectação da
sua imagem de independência, isenção e
imparcialidade tem contribuído, significativamente, a acção dos diferentes
tipos de lobbies que se têm
desenvolvido a um ritmo sempre crescente. O
lobby económico, o lobby ambientalista, o lobby militar, o lobby gay e as
variantes LGBTIQ+, o lobby social enquadrado pelas IPSS, etc…, são hoje forças
poderosas que influenciam fortemente o poder político e as obediência maçónicas
(em Portugal tivemos um exemplo recente com o projecto de lei sobre a coadoção,
em que o que se relevou foi a defesa da não discriminação dos casais do mesmo
sexo, quase omitindo que o que estava em causa, fundamentalmente, eram os
direitos das crianças, já que são estas que têm o direito a serem adotadas e
não são os adultos que têm o direito de adotar. O lobby LGBTIQ+ quase conseguiu
apagar a abordagem pelo lado dos interesses das crianças, parecendo que estas
eram mera mercadoria). O poder dos lobbies
na vida das ONGs leva já à participação de grandes multinacionais nas suas
actividades, gerando um pântano que já ganhou direito a denominação atractiva
como são as políticas ditas de responsabilidade social. Para promover este
pântano constituem-se entidades, como são a BCSD Portugal e a GRACE Portugal,
agrupando grupos económicos poderosos, que, sob a capa do altruísmo, albergam
empresas frequentemente alvo de denúncias de comportamento censurável. Basta
consultar os sítios na Internet destas entidades para termos conhecimento de
quem quer fazer passar a mensagem de que pratica políticas de responsabilidade
social, ao mesmo tempo que praticam dumping social, trabalho precário, salários
de miséria, marketing pouco ético, etc .
A evolução desta
estratégia dos lobbies leva a que o próprio
poder político acabe por ficar refém e, até, interessado nesta conjugação de
interesses entre os lobbies e as ONGs, incluindo as obediências maçónicas,
colocando estas como entidades credibilizadoras do sistema político vigente.
Temos de nos
libertar de tutelas e ser mais incisivos nas prioridades internacionais e
nacionais, de que destaco a pobreza, a exclusão social, o direito à própria
defesa, as prisões e as crianças, assim como temos de combater a escravatura
moderna com a precariedade e os baixos salários.
Importantes
organizações, tal como actualmente existem, não são já organizações
democráticas no seu funcionamento real. Convocam assembleias gerais (já não por
carta mas por anúncio nas suas revistas ou por email), realizam eleições,
difundem comunicados, editam revistas ou newsletters, mas os associados pouco
ou nada participam. Em consequência, há pouca rotatividade de dirigentes,
provocando a tomada do poder por militantes com interesses diretos nessa
qualidade, como trampolim para outros voos, introduzindo uma promiscuidade de
interesses nada prestigiante para o objecto específico das organizações.
Um outro exemplo pode ser a imposição da
concorrência como o primado da defesa dos cidadãos enquanto consumidores, que
tem vindo a ser seguido pela generalidade das associações de consumidores,
colocando em plano secundário, ou até esquecendo que há bens e serviços que não
podem ficar sujeitos à selva da concorrência, de que são exemplos a água, a
energia e a generalidade dos serviços públicos essenciais – o argumento de que
entidades reguladoras poderão disciplinar os sectores em questão tem-se
revelado uma falácia. Acresce ainda a dependência dessas entidades reguladoras
do poder político, quer na nomeação dos seus responsáveis, quer do quadro legal
que cerceia a sua independência e capacidade de decisão. A ineficácia, que
estas entidades reguladoras e de supervisão têm vindo a demonstrar, está
patente na realidade escandalosa que se vê no sectores financeiro, dos
combustíveis, das telecomunicações, da energia, etc…, fazendo-se acompanhar de
igual ineficácia nos mecanismos judiciais que são chamados a ajuizar os
procedimentos praticados.
Com tudo isto, este início de século está a colocar novas e
preocupantes facetas nas relações entre os cidadãos e entre estes e a
organização social. Valores inquestionáveis até há pouco tempo (ética,
honradez, civismo, gratidão, lealdade, etc...), valem pouco mais que nada no
modelo de sociedade em vigor, reduzindo à insignificância conceitos que
perduraram e modelaram sociedades durante longo tempo.
O poder na sociedade é hoje exercido longe dos valores
em que se baseava o conceito de democracia, que pugnava pela eleição dos
melhores e não dos mais bonitos ou daqueles que utilizam o marketing mais
agressivo e com exigência de elevados meios financeiros. Assiste-se ao
apagamento do ideal de servir no exercício da coisa pública, simultaneamente
com o apagamento da solidariedade como valor básico na consciência dos
cidadãos. É o ter pelo ter! Assim sendo, não é de estranhar a ausência da
rectidão e da coerência no quotidiano, renegando hoje o que se defendeu ontem
ou utilizando vias pouco claras no atingir de objectivos. Tudo isto em nome da
eficácia dum modelo de sociedade fria, oca, tecnocrática, que só apraz a quem
dela tem oportunidade de se aproveitar. Uma sociedade de mortos. Mortos de
sentimentos, mortos de humanismo. Mortos ou narcotizados. Mortos ou
anestesiados. Mortos ou inactivos. Mas mortos que votam!
Uma nova faceta que se impôs sorrateiramente, quase
sem se dar por isso, e que é uma nova concepção de Estado de Direito, traduz-se
na subversão dos princípios clássicos do Estado de Direito, com a crescente
implantação do Estado Totalitário de Direito. Estado este, em que o que conta
são os valores formais, manifestando pouco empenhamento na individualidade de
cada pessoa e no reforço do civismo. Já Afonso Botelho em “Origem e Actualidade
do Civismo” dizia:“... . Na
fraternidade profana em que vivemos só o acaso poderá permitir que a maioria
coincida com o juízo de Deus ou com a razão verdadeira. Quase sempre
corresponde a uma vitória do mais forte que não será, como é evidente, o mais
justo. Por ser assim, é que encontramos tão frequentemente usada a expressão:
maioria esmagadora. Não se repara, tal é o hábito, que ao usarmos esta
expressão não estamos a fazer o elogio da maioria mas a condená-la como, assim
desprevenida de qualquer virtude, efectivamente merece”. E Almada
Negreiros dizia a propósito da Arte:
“A opinião... abrange uma tão colossal maioria que receio que ela impere por
esmagamento.” É que a democracia não se esgota na existência de
eleições.
Uma sociedade assim conduz, inevitavelmente, à desigualdade, à insegurança e à repressão, contribuindo para a radicalização político-filosófica já que a radicalização entra quando as desigualdades e a injustiça se instalam. E isto é visível nas nossas cidades e nos cidadãos. A alienação do fait-divers (futebol, telenovelas, programas televisivos de sensacionalismo primário e concursos de chamadas de valor acrescentado, etc…) desvia as pessoas de valores elevados de cidadania. O leque entre ricos e pobres aumenta na sua acentuação. A segurança aparece como principal aspiração, apesar do elevado número de presos nas cadeias. A liberdade é cada vez mais, camufladamente, condicionada, etc,etc,etc... . É um escândalo e uma vergonha que se fique impávido numa altura em que 20% dos cidadãos mais ricos ganhem 150 vezes mais que os 20% mais pobres. Não é 1% nem uma franja marginal. São milhões de pessoas que vivem em cima de muitos outros milhares de milhões. A desigualdade no acesso ao desenvolvimento acentua-se, com o desencanto de se manipularem as estatísticas para demonstrar que o desemprego não é tão alto quanto isso. E como se fazem as estatísticas? E os que estão fora das estatísticas? E o crescimento do emprego precário? Não são seres humanos os sem-abrigo, os arrumadores, os mendigos, os excluídos, os trabalhadores a recibo “verde”? É que de acordo com o artº lº da Declaração Universal dos Direitos Humanos “ Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e de consciência devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.
Por outro lado, a segurança e a liberdade não são
sinónimos de repressão nem são hierarquizáveis entre si. Todos os direitos
humanos não são só da direita ou da esquerda. São valores que têm de constituir
o cimento das relações entre todas as pessoas. Ainda há poucos anos, na
Declaração de Viena das Nações Unidas, ficou expresso que todos os direitos
humanos são universais, interdependentes e indivisíveis. A sociedade de hoje
não pode ver os seus cidadãos como potenciais criminosos ou delinquentes, vigiando-os
e controlando-os. É inaceitável que se assista, à boa maneira orwelliana, à
colocação de câmaras de vídeo nas ruas das cidades, deixando a liberdade e a
privacidade de qualquer cidadão à mercê de quem visiona o vídeo. E não se diga
que os inocentes não têm de ter medo. O simples facto de serem inocentes não os
pode colocar ao nível de suspeitos criminosos.
Os mecanismos de protecção dos cidadãos têm de ser
encontrados no reforço da educação para a cidadania e não no aumento da
repressão.
A sociedade tem de mudar. Temos de dizer não à
sociedade do medo, do rancor, da intolerância, policial, repressiva e
agressiva. Os cidadãos têm de assumir os seus direitos e, também, os seus
deveres. O dever da solidariedade, o dever da tolerância, o dever da honradez,
o dever da honestidade, o dever da lealdade. Estes deveres não estão
ultrapassados por muito que os apelos ao primarismo e à fruição egoísta o
queiram fazer crer. Os modelos governativos actuais, que a globalização mundial
torna quase todos iguais e que assentam na frieza tecnocrática e na repressão,
têm de ser combatidos
Isto exige que se reforce a componente humana da
sociedade e dos cidadãos. Havendo um manifestar frequente dalgumas feridas da
sociedade, continua-se a assistir ao agravamento das suas causas e efeitos.
Como exemplo, pode-se citar a inobservância dos direitos das crianças, a
abordagem ineficaz à problemática das drogas, a gravidade da dimensão dos
conflitos pessoais, a intolerância, o individualismo, etc… . E o que tem feito
a sociedade para curar estas feridas às pessoas? Tem-lhe dado uma educação
humanista? Tem contribuído para a sua estabilidade psíquica? Tem-lhe providenciado
referenciais morais, cívicos e de urbanidade? Infelizmente, parece-me não se poder
responder de forma positiva a estas interrogações.
A sociedade está mais virada para o engodo dos
eleitores do que em manter a humanidade do cidadão. A sociedade está mais
preocupada em recrear do que em formar ou cultivar. A sociedade está mais preocupada
em aumentar o ter do que em valorizar o ser. O repensar, o discutir, o
questionar do papel da sociedade e do cidadão é a chave para criação duma
sociedade mais humana, em que o cidadão goste verdadeiramente de nela viver. Passados
mais de 70 anos da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
importa ter presente que os direitos humanos são universais, indivisíveis e
interdependentes. Isto quer dizer que a eficiência económica não pode ter o
primado do que quer que seja. Os cidadãos devem assumir-se como cidadãos
enquanto é tempo. Não podem deixar que na sociedade impere o medo, a
intolerância, a polícia, a repressão. O pesadelo de George Orwell, em 1984, não
deve ser o guia da sociedade e do cidadão. Em 10 de Dezembro de 2018, na Assembleia
da República, ao receber o prémio Direitos Humanos 2018 em nome da Obra
Vicentina de Auxílio aos Reclusos, tive ocasião de manifestar esta visão
repressiva que impera na sociedade actual, no sistema prisional, sendo as
prisões instituições desumanas, medonhas, medievais, arcaicas e violentas,
impróprias do modelo humanista que está na base da Declaração Universal dos
Direitos Humanos.
Ao ver recentemente
uma reportagem televisiva questionei-me: o que dirão de nós, daqui por alguns
anos, ao assistirem, nessa altura, a um eventual programa de televisão com
retratos da situação social no ano de 2019? O que dirão de nós por assistirmos
quase passivamente à existência, só em Portugal, de mais de 400.000 inativos
adultos sem qualquer fonte de rendimento? O que dirão de nós que sabemos que
muitas dezenas de milhares de crianças vão para a escola sem terem feito os
trabalhos de casa por não disporem de luz em suas casas (cortada por falta de
dinheiro para a pagar)? O que dirão de nós que sabemos que essas mesmas
crianças já pouco têm que comer e beber em casa (a água também foi cortada pela
mesma razão de ausência de rendimento)? O que dirão de nós que sabemos pela
comunicação social da morte de idosos abandonados, sem nada mudarmos nas nossas
relações com os pais ou avós? O que dirão de nós que sabemos da existência duma
mendicidade institucionalizada e dum número crescente de sem abrigo? O que
dirão de nós que sabemos do despejo de famílias que deixaram de poder pagar as
prestações das suas casas, ficando estas vazias anos e anos após o despejo? O
que dirão de nós que exultamos com o bom negócio que fazemos ao arrematarmos
por tuta-e-meia, em leilões concorridos, os bens penhorados a quem deixou de os
poder pagar? O que dirão de nós que sabemos que esta pobreza coabita com ricos,
podres de ricos, e governantes bem instalados na vida? O que dirão de nós que
sabemos que esta pobreza convive com situações escandalosas de corrupção,
confisco, nepotismo e compadrio? O que dirão de nós que continuamos a mandar
para prisões medievais os desafortunados da vida? O que dirão de nós que
criamos um sistema dito democrático mas que tem agravado a injustiça e as
assimetrias sociais? O que dirão de nós que criamos organizações de direitos
humanos, de consumidores, de rotários, de obediências maçónicas, de confissões
religiosas, etc., que deviam impedir que isto acontecesse mas que parece que se
auto comprazem com pouco mais do que a sua mera existência, já quase não
restando esperança de que estas organizações possam protagonizar alguma
dinâmica de resistência ao retrocesso civilizacional em curso?
Muitos dos
responsáveis de há setenta e cinco anos, da II guerra mundial, alegaram que
desconheciam a situação. Nós não vamos poder apresentar a mesma desculpa. Como
disse a poetisa Sofia de Melo Breyner Andresen "Vemos, ouvimos e lemos,
não podemos ignorar".
E não temos vergonha
de estarmos a ter este comportamento cúmplice e comprometedor? Não temos
vergonha do que vão dizer de nós no futuro? Que raio de sociedade esta em que vivemos!
Analisando a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, vemos que estamos a regredir da
evolução conseguida em muitos aspectos nela consignados. Os seus defensores têm
de se assumir, afastando os hipócritas envergonhados, não abrindo caminho aos seus
opositores declarados, não premiando os silenciosos oportunistas. O crescente
apagamento das ONGs em geral, e da Maçonaria em particular, tem
significativa importância no estado
atual dos direitos humanos e na expectativa da sua evolução, já que a postura
reinante na esmagadora maioria dos responsáveis políticos que conduzem o mundo
não augura um futuro auspicioso para a vida quotidiana dos cidadãos, pelo que ressalta
a necessidade de repensar a cidadania na base do voluntariado nas ONGs,
aprofundando a prática efectiva da liberdade, igualdade e fraternidade no seu
quotidiano, com isenção, independência e imparcialidade. A Maçonaria, como
ordem universal, filosófica e progressista, não se pode alhear da importância e
influência dessas organizações, sob pena de apagamento dos seus valores na
condução dos destinos da sociedade.
A evolução política
verificada, nos últimos anos, nalguns países, vai tornar mais necessária a
acção das ONGs, fazendo-as voltar aos grandes valores, ainda que tal se possa
ressentir na diminuição da adesão dos cidadãos, já que o medo pode voltar a
instalar-se como condicionante do seu comportamento. Tempos difíceis se
avizinham e é nessas circunstâncias que a resistência à violação dos direitos
humanos se torna mais necessária. Contudo, a história mostra-nos que é nessas
alturas que a generalidade das pessoas de acobardam, ou, até, se colocam ao
lado do poder instalado, ficando uma minoria de corajosos humanistas sujeitos
às arbitrariedades do poder político despótico. A recente proposta do partido
político PAN sobre a declaração de pertença a organizações discretas, dando
como exemplo a Maçonaria, viola direitos fundamentais, pois qualquer
obrigatoriedade de declaração de pertença, seja a que entidade for, viola a
liberdade de associação e o direito à proteção da vida privada. Tal ressalta
claramente dos referenciais jurídicos internacionais de direitos humanos. Os
requisitos para a identificação das pessoas, devem ser, somente, os exigidos
para documentos pessoais (cartão de cidadão, carta de condução e passaporte). Se
qualquer pessoa é suspeita de pertencer a uma associação para a prática de atos
ilícitos, pode, na situação atual, ser sujeita a uma investigação e acusação. O
que não se pode é colocar todos os que pertencem a essa associação como
potenciais criminosos.
A actualidade da
filosofia e dos valores consignados na Declaração Universal dos Direitos
Humanos e a promoção da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, tem de envolver
todas as pessoas corajosas na sua defesa e aprofundamento, com a força, beleza
e sabedoria necessárias a todo o empreendimento de base humanista.
Como nos exorta o
filósofo contemporâneo Michel Onfray “Mais do
que nunca, a tarefa da filosofia é resistir, mais do que nunca ela exige a
insurreição e a rebelião, mais do que nunca ela deve incarnar os germes da
insubmissão.”
Manuel
Hipólito Almeida dos Santos
14/03/2020
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