É consensual definir a tragédia “como
uma forma de drama que se caracteriza pela sua seriedade e dignidade, pondo
frequentemente em causa os deuses, o destino ou a sociedade (Wikipédia)”. O que
temos visto, recentemente, em Portugal e em variados países do mundo, é uma
tragédia sustentada na ameaça da Covid19, já que o poder político, revestido de
ar sério, pôs em causa a estrutura da vida em sociedade, com a cobertura
amestrada da maioria dos órgãos de comunicação social.
Num curto espaço de tempo, de
poucas semanas, assistiu-se ao estabelecimento de Estados de Emergência, com a
suspensão e alteração do direito à liberdade de circulação e do direito de
resistência, com a legitimação do uso do poder arbitrário pelas forças
policiais baseado em “acções musculadas”, com o caos no funcionamento do
sistema produtivo, com o drama nas vidas das pessoas afectadas, com a alteração
profunda nas relações sociais e com a imposição do poder totalitário do Estado.
Este estado de coisas implementou-se
rapidamente, com a aquiescência receosa da esmagadora maioria das pessoas, já
que o medo da morte, em consequência de eventual contágio, impôs-se de forma
absoluta. De nada valeram algumas objecções levantadas por um pequeno grupo de
pessoas, suportadas pela relativização das implicações apontadas e pela
gravidade das consequências das medidas tomadas. A pandemia do medo suplantou,
inclusivamente, a pandemia da Covid19, esquecendo, deliberadamente, que viver
tem riscos e que a morte é o fim natural dos seres vivos. George Orwell, há
quase um século, enfatizou que “O importante não é mantermo-nos vivos, é
mantermo-nos humanos”. Ora, esta pandemia do medo sobrepôs a vontade de viver,
ainda que seja sobre a desumanidade imposta aos outros seres humanos. Foi a
vitória do egoísmo sobre a fraternidade.
Como consequência, o poder
político retirou enormes proventos da situação, já que ao apoiar essa
esmagadora maioria de pessoas medrosas, atraiu-as para o seu espaço político,
com o consequente crescimento eleitoral. Ficou-se a saber que um grande
argumento para a atração de simpatias pode ser a utilização do medo como fator
mobilizador.
Estamos, agora, a um passo de
alterar o Estado de Emergência, não se sabendo, ainda, se a tragédia vai acabar
ou, apenas, atenuar-se. Importa, todavia, alertar para princípios basilares que
devem nortear toda a acção humana, em quaisquer circunstâncias.
O futuro próximo tem de ser
construído no respeito pelos direitos humanos universalmente consagrados,
construídos na segunda metade do século XX e constantes, nomeadamente, na
Declaração Universal dos Direitos Humanos e normativos jurídicos dela derivados
(Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Pacto Internacional dos
Direitos Económicos Sociais e Culturais, Convenção dos Direitos da Criança,
Convenção Europeia dos Direitos Humanos, etc…), tendo em conta que, de acordo
com a Declaração de Viena das Nações Unidas de 1993, todos os direitos humanos
são iguais, universais, indivisíveis e interdependentes (por exemplo, a vida é
tão importante como a liberdade ou a educação, nem mais nem menos). Neste
sentido, há que respeitar princípios que estão a ser desrespeitados dentro do
Estado de Emergência, nomeadamente, repondo a liberdade de circulação, o
direito de resistência e a não discriminação em razão da idade (é aviltante a
forma como estão a ser discriminados os idosos, infringindo gravemente o
direito à igualdade na dignidade). Como exemplos extremos do carácter desumano
imposto pelo Estado de Emergência, podem-se citar as restrições na prestação de
assistência a familiares e amigos internados nos hospitais e a cumprir penas
nas prisões, ou na participação nos funerais dos que nos são queridos, assim
como no acesso à igualdade na educação, já que se agravaram as desvantagens das
crianças oriundas de famílias pobres com as novas modalidades de ensino
adotadas, além da destruição significativa de postos de trabalho lançando na
pobreza e exclusão social largas camadas da população.
Importa, ainda, aproveitar a
oportunidade para implementar uma nova ordem política, económica, social e
cultural, assente nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, já que o
modelo anterior à pandemia do medo (Covid19), assente, de forma crescente, na
escravatura e exploração de seres humanos criando desigualdades gritantes, se
estava a afastar dos referenciais humanistas subjacentes aos normativos de
direitos humanos atrás mencionados. Tenhamos em conta que a democracia não se
esgota em eleições livres e periódicas, nem na vontade totalitária da maioria.
Relembremos o artigo 1º da
Declaração Universal dos Direitos Humanos; “Todos os seres humanos nascem
livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem
agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”
Porto, 21 de Abril de 2020
Manuel Almeida dos Santos
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