domingo, 8 de outubro de 2023

As prisões e as suas falácias – alguns contributos

 As prisões e as suas falácias – alguns contributos

Manuel Hipólito Almeida dos Santos |  7  Margens 24 Set 2023

Há uma disparidade gritante entre Portugal e a União Europeia: Portugal tem um tempo médio de cumprimento de pena (cerca de 31 meses) que é quase o quádruplo da média da UE (cerca de 8 meses). Foto © Gianluca 68.

O conhecimento da realidade do sistema prisional em Portugal está longe de estar patente em muitos responsáveis políticos e, ainda menos, na opinião pública em geral.

Assiste-se, de vez em quando, à propalação de indicadores e comentários baseados em elementos superficiais falaciosos, que induzem, em quem a eles tem acesso, uma visão deturpada, com ausência de fundamentação que vá além do sensacionalismo que é timbre de muitas notícias da área criminal e prisional. E isto vem, muitas vezes, de responsáveis políticos que têm obrigação de ter uma visão global das áreas em que intervêm. 

Várias organizações que trabalham sobre o sistema prisional, quer nacionais (ex: O.V.A.R. – Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos), quer internacionais (ex: Conselho da Europa), divulgam, frequentemente, denúncias e indicadores a que, infelizmente, poucos dão atenção.

Como exemplo, continua-se a assistir, passivamente, à disparidade gritante entre a realidade portuguesa e a média da União Europeia. Portugal tem um tempo médio de cumprimento de pena (cerca de 31 meses) que é quase o quádruplo da média da União Europeia (cerca de 8 meses), além de ter um rácio de cerca de 120 presos por 100 mil habitantes, também acima da maioria dos países da União Europeia. No entanto, o que se vê e ouve é que é necessário aumentar a capacidade das prisões portuguesas, assim como aumentar os recursos humanos a elas adstritos. Ora, isto é uma visão que não tem em conta que se Portugal tivesse indicadores dentro da média da União Europeia, não necessitaríamos de construir mais prisões nem de aumentar significativamente os recursos humanos de uma forma geral, com a consequente redução de custos.

Torna-se imperioso incrementar o conhecimento da realidade do sistema prisional. Tal passa por uma maior transparência na divulgação dessa realidade. A publicação dos relatórios individuais da vida de cada estabelecimento prisional, que até 2010 foram publicados anualmente, permitindo uma conhecimento profundo de todas as áreas da vida interna das prisões, desde os efetivos de cada uma, quer de reclusos, quer de funcionários, dos incidentes disciplinares, dos atos de saúde praticados, das entradas e saídas em cada prisão, dos consumos e das apreensões de drogas no seu interior, da dimensão do trabalho e do ensino, etc…, tem de ser retomada em nome da transparência e da verdade, assim como a divulgação imediata dos relatórios das instâncias internacionais de direitos humanos que periodicamente visitam os países (ex: Portugal ainda não autorizou a divulgação do relatório da visita do Comité para a Prevenção da Tortura do Conselho da Europa, efetuada em Maio/Junho de 2022). É lamentável que, apesar de insistentemente se reivindicar a divulgação destes relatórios, as autoridades portuguesas continuem a querer cultivar a opacidade em vez da transparência.  

Torna-se necessário levantar bem alto que o problema maior das prisões portuguesas é terem presos a mais, em condições desumanas, e não a construção de mais prisões nem o aumento substancial de recursos humanos além de acertos pontuais em áreas muito desfalcadas, ajustando a gestão dos estabelecimentos prisionais, nas diferentes vertentes, de forma a que  permita que a vida no seu interior se caracterize por uma humanização proporcionadora de uma efetiva ressocialização dos reclusos e os prepare para uma vida digna após a sua libertação, com uma vertente de prevenção da prática de atos antissociais bem aprofundada.  

É urgente que a liberdade prepondere sobre a sua privação e que uma visão humanista no funcionamento das prisões substitua a cultura de vingança e de punição, de forma a que paz social seja o norte da vida em sociedade.

Manuel Hipólito Almeida dos Santos é presidente da O.V.A.R. – Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos.

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