domingo, 29 de janeiro de 2012

1984

George Orwell escreveu, há mais de meio século, o romance titulado 1984, em que nos alertava para as consequências da vivência numa sociedade totalitarista assente na vigilância permanente de todas pessoas.
Lembrei-me desta obra literária quando, no passado mês de Dezembro, tive conhecimento do parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) no qual esta entidade dava parecer negativo (por unanimidade dos seus membros) à proposta do Governo relativa à videovigilância. Na base deste parecer ressalta o perigo da invasão do direito à privacidade constante da Constituição da República Portuguesa e dos referenciais internacionais aos quais Portugal está obrigado por força da sua ratificação, nomeadamente do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.
É bom ter em conta que a referida Comissão Nacional de Protecção de Dados foi criada especificamente para defender os cidadãos perante o abuso no tratamento dos seus dados, de que os relativos à identificação assumem importância primordial. Neste sentido, qualquer sistema de tratamento de dados, no qual se inclui a videovigilância, tem de obter aprovação prévia dessa Comissão. Assim sendo, seria de esperar que o Governo acatasse o parecer e introduzisse as correcções necessárias no proposta legislativa que não implicassem violação do direito à privacidade a que todos os cidadãos têm direito. Mas não. O que o Ministro da Administração Interna declarou é que vão alterar o quadro legislativo retirando a exigência de aprovação da CNPD, já que os objectivos da videovigilância podem não ter em conta o direito à privacidade! Isto é uma barbaridade civilizacional. Será que o Senhor Ministro já leu o romance 1984?
Este é mais um dos aspectos que nos levam a afirmar que estamos a atravessar um período negro na história da humanidade. Já não é só o problema do desemprego, do aumento da pobreza, da desestruturação da família, das perspectivas sombrias de futuro para as crianças e jovens, da conflitualidade crescente na sociedade que se reflecte no aumento da criminalidade e do número de presos nas cadeias. É, também, com a secundarização do direito das pessoas a serem livres sem estarem a ser permanentemente vigiadas. Perante isto só resta encontrar o caminho da desobediência civil na defesa dos mais elementares princípios civilizacionais.
Também na obra literária 1984 a personagem central do romance, Wiston Smith, sentiu na pele as consequências tenebrosas da falta de liberdade e da ilusão que a vigilância pode ser um caminho para a segurança. Todos os indicadores, de natureza filosófica ou de dados estatísticos, vão no sentido contrário. Só na Inglaterra há mais de quatro milhões de câmaras instaladas no espaço público e esse País tem a maior criminalidade e o maior número de presos nas prisões de toda a sua história. O caminho da repressão e da videovigilância não são sinónimos de menos crimes, não têm efeito dissuasório. Só uma cultura de liberdade, de paz, de igualdade e de fraternidade conduzem a melhor convivência entre os povos.
A Novilíngua e o Big Brother de 1984 mostram que caminhos não devemos trilhar.

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